“Rolezinhos” ainda na pauta!
Francamente, cercear grupos de adolescentes e jovens de frequentarem “shopping
centers” é o fim da picada... Cercear quem? Já se sabe, nesta nação cristã, civilizada,
democrática e republicana, os(as) suspeitos(as) para não dizer de cara os(as)
culpados(as) tem cor (parda,negra), tem aparência (de pobre), origem
habitacional (periferia, favela, conjunto habitacional, cortiço,
assentamento...).
Ainda bem, pelo menos por alguns longos
meses, que aqui em Açailândia do Maranhão não haverá esse “problema do
rolezinho”, o “shopping center” anunciado com estardalhaço como símbolo maior
do nosso ingresso no reduzido grupo das vinte metrópoles regionais segundo a
sabichona e salvadora da pátria, revista veja, cuja inauguração já até passou do prazo, anda
a passos de cágado...
E temos roupa suja, e muita, para lavar
em nosso quintal. Levante-se a estatística de jovens assassinados nos últimos
anos, e entenda-se a inclusão do nosso querido município nos tenebrosos números
da “Mapa da Violência”.
Aqui também temos chacina, e é comum,
para não dizer tradicional, espancamentos públicos, de “justiceiros(as)”,
paladinos(as) da ordem e do progresso!
Para ver como o Brasil anda tratando de
seus adolescentes e jovens, vamos conferir duas notícias, a seguir, uma do
Maranhão, e outra do Espírito Santo.
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NOTA PÚBLICA
O Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente - CMDCA, órgão formulador, deliberativo e controlador
das políticas para a infância e adolescência em nível municipal, em cumprimento
a sua missão de garantir e defender os direitos humanos de crianças e
adolescentes, vem, por meio da presente Nota Pública, manifestar repúdio à
liminar concedida pela 1º Vara da Infância e da Juventude de São Luís, no dia
04 de abril de 2014, que cerceia o direito de adolescentes à liberdade,
incluindo ir e vir, e manifestado por meio de passeios em grupo de adolescentes
nas dependências do Shopping Rio Anil, bem como o a qualquer forma de
discriminação e repressão a liberdade de expressão.
Considerando o artigo 4º da Lei N.º
8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece a prioridade
absoluta:
"É dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Considerando a liberdade de reunião
no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, promulgado pelo Decreto
nº 592/92, em consonância com os princípios proclamados na Carta das Nações
Unidas de 1945 e com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, e o
art. 5º, § 2º da Constituição da República de 1988.
Considerando que os passeios em
grupos de adolescentes entre 14 e 18 anos em shopping centers caracterizam a
efetivação da democracia, do direito à liberdade de reunião e à livre
manifestação do pensamento, que podem e devem ser conjugados harmoniosamente com
outros direitos e garantias fundamentais.
Considerando que os movimentos dessa
natureza visam promover reflexos da mudança social e histórica do país, a
autoridade pública tem o dever de salvaguardá-la e não impedir nem limitar o
seu exercício mediante condições que não as previstas expressamente pelo texto
constitucional.
Considerando o artigo 13 da Convenção
Internacional dos Direitos da Criança, que prevê a liberdade de procurar,
receber e divulgar informações e ideias de todo tipo, independentemente de
fronteiras, de forma oral, escrita ou impressa, por meio das artes ou por
qualquer outro meio escolhido pela criança, e o artigo 15 onde os Estados
Partes reconhecem os direitos da criança à liberdade de associação e à
liberdade de realizar reuniões pacíficas.
Considerando que barrar acesso ou
impedir a permanência de adolescentes negros e periféricos configura, em tese,
crime previsto na Lei nº 7.716/1989, que define os delitos resultantes de
discriminação ou preconceito de raça ou de cor ou procedência nacional, sendo a
conduta de “recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a
servir, atender ou receber cliente ou comprador” punível com pena de reclusão
de 1 a 3 anos (artigo 5º). Considerando que os adolescentes que procuram um
Shopping Center são consumidores por equiparação, conforme parágrafo único do
art. 2º, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), na medida
em que intervém nas relações de consumo, num ambiente destinado ao consumo,
onde tanto Shopping, enquanto organização e lojistas são fornecedores (Art. 3º,
CDC), e que recusar o acesso de um consumidor pelo simples temor de algo que
poderia vir a ocorrer, sem, contudo, tomar as medidas adequadas para a garantia
da segurança de todos os presentes, punindo jovens pobres pelo simples fato de
serem jovens ou pobres é um flagrante caso de discriminação.
Considerando que o direto ao lazer é
também um direito constitucional fundamental, previsto expressamente no art. 6º
da Constituição Federal, além de também estar expressamente previsto no
Estatuto da Criança e do Adolescente.
O CMDCA reafirma o apoio aos
adolescentes, à liberdade de se expressarem, ao direito a se manifestarem e ao
direito de ir e vir e manifesta repúdio a toda e qualquer forma de violência e
privação.
São Luís, 09 de abril de 2014.
Jovem negro é espancado e morto por
populares no Espírito Santo
(Por Douglas Belchior,
publicado na revista ‘Carta Capital’, SP, 11/04/2014)
O corpo negro ensanguentado e o olhar
assustado que você vê na foto é do menino Alailton Ferreira, de 17 anos,
cercado por um grupo armado com pedras, barras de ferro e pedaços de madeira.
Momentos depois, ele seria alvo de um espancamento coletivo. Desacordado, foi
levado ao hospital, mas não resistiu e morreu na noite de terça-feira (8).
Aos gritos de “mata logo” e de vários
xingamentos, o espancamento aconteceu às margens da BR 101, na tarde do último
domingo (6), no bairro de Vista da Serra II, cidade de Serra, há cerca de 30km
da capital Vitória, no Espírito Santo. Só depois de duas horas de muita
violência, a Polícia Militar chegou ao local, colocou o jovem na viatura e o
levou até a Unidade de Pronto Atendimento. “Os policiais militares descreveram
no boletim de ocorrência que foi necessário utilizar spray de pimenta para
conter os populares” disse o delegado-chefe do DPJ, Ludogério Ralff.
Acusação de Estupro
O motivo do linchamento foi causado
por acusações controversas. Alguns disseram que o jovem teria tentado estuprar
uma mulher. Outros que ele seria suspeito de tentar roubar uma moto e abusar de
uma criança de 10 anos. Tudo ocorreu no domingo (6), mas até esta quarta-feira,
dia em que Alailton foi enterrado, não havia qualquer denúncia ou relato de
testemunhas, segundo a Polícia Civil.
O irmão contesta as acusações e diz
que o adolescente sofria de problemas mentais: “Ele chamou a menina, ela se
assustou e correu para chamar a família. Os familiares e vizinhos correram
atrás dele. Por isso as pessoas falaram que ele era estuprador. Se ele quisesse
roubar uma moto, teria feito no próprio bairro, mas ele nem sabe pilotar”.
Segundo o tio do jovem, foi um ato de covardia. “Ele estava com uns problemas
de saúde e ficava assustado com frequência”.
O morador Uelder Santos, 29, em
entrevista para um jornal também colocou as acusações sob suspeita: “Ninguém
viu esse tal estupro ou mesmo noticias da suposta vítima”.
Em entrevista a um jornal, a mãe de
Alailton, a doméstica Diva Suterio
Ferreira, 46, disse que o filho teria
sido vítima de uma injustiça: “Ele já foi preso por furto, usava droga, mas não
estuprou ninguém, jamais faria isso”. Cristã, disse que se apega a Deus para
socorrê-la nesse momento difícil:
“Meu filho era amado, sonhava em me dar uma casa. Dizia que queria um
quarto para ele, um para mim e um para irmã.
Minha filha, de 11 anos, só chora, tem medo de sair à rua depois do que
aconteceu. Acredito na justiça
divina. Peço que essas pessoas peçam perdão a Deus pelo que fizeram ao meu
filho”.
Violência endêmica e elemento racial
(nada) subjetivo
O escritório das Nações Unidas
apresentou nesta quinta-feira (10) um levantamento sobre as taxas de homicídio
em que conclui que as Américas são as regiões mais violentas do planeta. O
Brasil está entre países mais violentos. Das 30 cidades mais violentas do
planeta, 11 são brasileiras. Segundo a publicação, Maceió é a quinta cidade do
mundo com mais homicídios por cada 100 mil habitantes. A cidade de Vitória do
Espírito Santo, vizinha ao local onde Alailton foi assassinado por populares, é
a 14ª da lista mundial.
Não gosto de suposições, por isso
fico nas perguntas: qual seria o resultado de uma amostragem com o recorte
racial das vítimas desses homicídios em toda América? Teríamos uma proporção
parecida com a média brasileira, que aponta 70% de vítimas negras?
Não sei se Alailton estuprou alguém.
Era mulher feita ou uma criança de 10 anos? Ambos os crimes são gravíssimos.
Mesmo que tenha sido uma “apenas” uma tentativa ou ainda que o jovem tivesse
problemas mentais, sem dúvida caberia alguma punição. E a Lei prevê. Mas jamais
um linchamento. Jamais!
E pior: nada leva a crer que houve de
fato o crime. Aliás, ao que parece (não sou investigador, nem gostaria), ele
teria sim sido “vítima de uma injustiça”, como disse a mãe doméstica.
O fato de ser um menino negro teria
sido um elemento potencializador do ódio coletivo e da precipitação de um
julgamento instantâneo – acusação, julgamento, condenação e execução: Foi ele!
Pega ele! Só pode ter sido ele!?
E se fosse um menino branco, a
história teria tais requintes de crueldade e terminaria no cemitério?
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