A guerra diária do Brasil contra os jovens
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Já se trata de genocídio, de extermínio da
juventude negra brasileira. E @s que têm a obrigação de fazer, mudar essa
realidade, onde estão eles e elas? Aqui em Açailândia do Maranhão, no Maranhão
e no Brasil, onde estão, por que não fazem ?
(Eduardo Hirata)
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A guerra diária do Brasil
contra os jovens
Quase metade dos adolescentes mortos no país são assassinados, seja por
criminosos, seja pela polícia. Diariamente, mais de dez jovens entre 16 e 17
anos são mortos, dos quais 93% são negros.
(Por Renata Malkes, na revista “Carta
Capital”, 21/10/2015)
O Brasil teve 46.881 casos de
assassinato em 2014. Com 4.610 homicídios – 28 para cada 1.000 habitantes
– o estado do Rio de Janeiro fica atrás apenas da Bahia
(5.450). Os dados foram revelados em um balanço publicado pelo Ministério
da Justiça na última semana. O quadro geral é alarmante se comparado, por
exemplo, à taxa de homicídios da República Democrática do Congo, país africano
assolado por uma guerra civil: 30,8 para cada 1.000 habitantes.
No Brasil, negros e pardos
representaram 72% das vítimas. Emerge, assim, o fantasma do racismo num país
que se debate para deixar para trás seu passado colonial. Na capital
fluminense, muita gente deu de ombros às estatísticas divulgadas num ano em que
todos os olhos estão voltados para a sede dos Jogos Olímpicos. Afinal, para moradores de
comunidades carentes, esse retrato da violência representa uma rotina
conhecida. Os números são apenas mais uma pesquisa incapaz de produzir
mudanças. E uma constatação renovada da indiferença de parte da sociedade,
sobretudo, quando os alvos da matança são jovens, negros e pobres.
"Vivemos na insegurança.
Normalmente, a polícia já entra atirando, sempre por volta das 6h, 7h da manhã,
quando os trabalhadores estão saindo de casa e as crianças indo para escola…
Várias vezes acordei com policiais apontando um fuzil para o meu rosto, quando
ainda estava na cama. Bateram na janela da minha casa e nem esperaram que eu
levantasse. Invadiram para fazer uma busca. Vou fazer o quê? Reclamar com
quem?", conta a carioca Jehnifer Raul, de 22 anos, ativista social e
representante da Favela de Acari no Fórum das Juventudes do Rio de Janeiro.
Essa marginalização traz à tona outros
dados chocantes. Por exemplo, na contramão de todos avanços sociais
conquistados na última década, o Brasil ainda ocupa o terceiro lugar em
homicídios de adolescentes entre 85 países, de acordo com o Mapa da
Violência, estudo encomendado pelo governo federal e divulgado este ano, com
dados relativos a 2013. São 54,9 homicídios para cada 100 mil jovens de 15 a 19
anos, atrás apenas de México e El Salvador. Para efeito de comparação, a taxa
brasileira é 275 vezes maior do que a de países como Áustria ou Japão, que
apresentam índices de 0,2 homicídios por 100 mil.
A cada dia 10,3 adolescentes são
assassinados
Se considerada a faixa etária entre 16
e 17 anos, os homicídios representam quase metade das causas de morte no Brasil
– 8.153 jovens nessa faixa etária morreram em 2013, dos quais 3.749 (43%) foram
assassinados. Ou seja, mais de 10 adolescentes foram assassinados por dia no
país. A projeção é de que 3.816 serão mortos até o final de 2015, pelas mãos da
polícia ou de bandidos. As maioria esmagadora das vítimas (93%) são
adolescentes do sexo masculino, negros e com baixa escolaridade.
Autor do Mapa da Violência, o
sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz diz que os assassinatos de jovens brasileiros
seguem em curva ascendente por diversos motivos. Da tolerância da sociedade à
falta de investimento em educação, passando pela ausência de reformas do Código
Penal e pelo despreparo de uma polícia cuja atuação ele classifica como "criminosa".
"Cada país tem o número de crimes
que sua política decide ter. E esse limite de tolerância no Brasil é muito
alto, o brasileiro aceita. Aqui prende-se sem saber se o jovem é culpado,
mata-se um jovem suspeito sem se importar, encarcera-se como em nenhum outro
lugar do planeta sem que sejam dadas as mínimas condições de recuperação aos
menores."
Ele também identifica um problema
concreto nas políticas de educação: "o país assistiu à erradicação da
pobreza extrema e universalizou o sistema de ensino fundamental de 6 a 14 anos,
mas deixou à deriva os jovens a partir daí. A adesão ao ensino médio e sua
qualidade caíram muito", avalia Waiselfisz.
Homicídios no Rio caem, mas não para
todos
Curiosamente, os números apontam
contradições no Rio de Janeiro, num momento em que todas as atenções se voltam
à segurança pública às vésperas dos Jogos
Olímpicos de 2016. Apesar de um aumento na taxa geral de homicídios no estado,
entre os jovens, o número de assassinatos vem caindo: houve uma redução de 73%
entre 2000 e 2013, aponta o Mapa da Violência.
A estatística parece positiva, mas não
é suficiente, alegam ativistas. E isso porque há gargalos na segurança pública
do estado. Um jovem negro tem três vezes mais chances de ser assassinado que um
branco, confirma o Índice de Homicídios da Adolescência (IHA), elaborado
em parceria pelo Laboratório de Análise de Violência da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (Uerj), o Unicef, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos
da Presidência da República e a ONG Observatório das Favelas. Ou seja, a
redução da violência não é proporcional.
"Temos na história brasileira 400
anos de escravidão e pouco mais de 100 anos de liberdade dos negros e,
tradicionalmente, o crime não é o que define a violência, mas quem comete o
crime. Desde sempre foi assim. Se um escravo e um senhor do engenho cometessem
um determinado crime, o do escrevo seria considerado muito mais bárbaro. A
dinâmica da violência letal é explicada através da sociedade de consumo. Como a
vida é medida a partir do consumo de bens, a vida de quem tem menos, vale bem
menos", pontua o geográfo Jailson Silva, presidente do Observatório das
Favelas.
Pehkx Jones da Silveira, subsecretário
de Educação, Valorização e Prevenção da Secretaria de Segurança Pública do
Estado do Rio, admite as dificuldades de reduzir a violência diante do
constante cenário de guerra entre traficantes de drogas. Mas, apesar das
críticas constantes à truculência e ao desempenho das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs)
nas favelas cariocas, ele ressalta os avanços e defende a reciclagem constante
dos policiais.
"A redução nos homicídios de
jovens mostram que o policiamento de proximidade não falhou.
Mas esse modelo não é permanente, ele
se adequa à realidade e às circunstâncias de cada território, às informações de
inteligência e patrulhamento. Estamos em processo permanente de revisão. Não
podemos esquecer que mais de 40% dos policiais vieram dessas comunidades
carentes e conhecem a realidade. Eles têm seus traumas por violência com armas
de fogo, brigas domésticas e confrontos. Precisamos desconstruir esses traumas
para formar bons profissionais", diz o subsecretário.
Pressão da ONU
O debate chegou ao Comitê para os
Direitos das Crianças das Nações Unidas, em Genebra. Num duro relatório, a ONU
mostrou grave preocupação com o elevado número de execuções extrajudiciais,
chamadas de "autos de resistência", prisões aleatórias, impunidade
generalizada e a vulnerabilidade dos jovens - tanto diante dos traficantes de
drogas como da própria polícia.
No início de outubro, num processo que
se repete a cada cinco anos, uma delegação do governo brasileiro foi sabatinada
durante seis horas sobre questões que incluíram, ainda, o aumento do turismo
sexual e a redução da maioridade penal, classificada como um retrocesso por
fazer dos jovens um bode expiatório da violência ao invés de protegê-los.
"Estamos muito preocupados porque,
em grande parte, a violência vem de agentes do próprio Estado. Sempre houve
práticas de limpeza social no Brasil, apesar de avanços em áreas como saúde e
educação. Nossas recomendações são mais ações de prevenção para reduzir a
vulnerabilidade, com políticas públicas voltadas à educação e ao engajamento
das famílias dos jovens. O Brasil tem uma situação muito ruim, muito
estrutural, que não se resolve em 10, 15 anos. O trabalho a ser feito é de
longo prazo", afirmou à DW Brasil a equatoriana Sara Oviedo Fierro, uma
das peritas da ONU envolvidas no relatório.
(Foto: Tânia Rêgo, Agência Brasil)
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