(No DCM/Diário do Centro do Mundo,
07/06/2017)
Publicado
no Facebook de Enio Squeff.
São esses os
tempos, e este o país.
Na sexta feira
passada, lá pelas 18 e 40, enquanto tomava chá com meu filho de sete anos no
Shopping Higienópolis, fui supreendido por uma segurança mulher que me
perguntou se a criança, à minha frente, estava me incomodando. Surpreso,
inquiri-a sobre razão de seu questionamento. Ela explicitou: tinha ordens de
não deixar “pedintes crianças” molestar a quem quer que fosse no Shopping. Não
precisou explicar mais nada.
Apontei para meu
filho e
lhe perguntei se ela o considerava um pedinte por ser negro. Meu filho é negro;
e estava com um abrigo do colégio Sion. Como eu lhe questionasse para o fato de
ela ver pele e não o uniforme, quem se chocou, então, assustada, foi a moça
travestida de segurança. Eu que a desculpasse, ela não tinha tido a intenção de
me ofender.
Para
corroborar a extensão de seu pedido de perdão, afirmou-me que ela também era
negra -,e sua pele não a desmentia; mas que recebia ordens.
Insisti:
com o que a direção do Shopping tinha lhe dado ordens de expulsar meninos
negros do sagrado local de Higienópolis, era isso? Não prossegui. Ao seu
terceiro ou quarto pedido de desculpas, disse-lhe que que se alguém devia
desculpas era ela para si mesma e para sua família.
Ficava
evidente que obedecia ordens (foi essa a justificativa dos carrascos que massacraram
judeus na Alemanha, mas isso seria ir longe demais). E que se era para encobrir
o racismo de seus patrões – ela que se assumisse na culpa que ela via imputada
na pele de meu filho.
Confesso,
porém, e em suma, que no mesmo instante, tive pena da moça: se fosse à
auditoria do Shopping Higienópolis( parece que eles têm isso por lá), é claro
que ela engrossaria a lista de desempregados do país.
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E
aí, então, ela seria duplamente punida: não apenas por ter atentado contra uma
criança negra, mas por se ter flagrado num racismo duplamente condenável por
ser ela mesma negra, num ato discriminatório que ela entranhou em si, como
parte do seu trabalho.
Lamentável
– mas talvez explicável. Os capitães do mato vicejam no terreno fertil do
racismo, que, por sua vez, se escora na extrema direita. Não é por nada, aliás,
que 70% dos jovens assassinados no Brasil, sejam negros.
Enfim,
são esses os tempos, mas também este o país…
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Não é só São Paulo, ‘a Paulicéia
Desvairada, Comoção de Minha Vida’, e seu rico bairro de Higienópólis.
·
Aqui em Açailândia do Não Maranhão, constata-se na pele e na alma como se
consolida o preconceito. Pelas ruas e praças, moradores(as) de rua, a maioria
drogadependentes, mas dependentes também de assistência pública, que sequer
admite sua existência (a deles e a delas: ‘não, Açailândia não tem morador de
rua...’, como se afirmou a três
conferências municipais de assistência social – que se espera é que a atual,
acontecendo, volte atrás e admita, enfim...).
·
Como sou ‘diferente’ (amarelo, barbichudo, cabelos compridos e rabo de
cavalo, magérrimo...) – chegavam as crianças , nos tempos do Bin Laden, me
compararem...-, passo por essas e boas, amiúde: “... ô. Manhê, olha o bebo!... –
“... ele é gay, é?...”
·
Enfim, como diz o Enio, “... são esses os tempos, mas também este o país...”.
E eu diria, caro Enio, cara gente: “... são esses os tempos, mas também esta é
nossa cidade...”.
(Eduardo Hirata)
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