Em 2015, Câmara terá pelo menos 21 deputados ligados à segurança e que
defendem mais punição a menores
(por Renan Truffi — publicado 20/10/2014,
em “Carta Capital”)
Se ganhar
a eleição presidencial, no próximo dia 26 de outubro, o candidato do PSDB à
Presidência, Aécio Neves, terá condições favoráveis para conseguir a aprovar a
redução da maioridade penal. Além de o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), seu
vice, ser autor de um projeto que pune menores de idade como adultos em caso de
crimes hediondos, a Câmera dos Deputados vai ser composta, a partir de 2015,
por uma “bancada da bala” de 21 deputados federais, segundo levantamento da
reportagem deCartaCapital.
A maior parte dos integrantes da bancada é ou
foi policial civil, militar e federal originalmente e tem como principal
bandeira de campanha endurecer as penas contra os adolescentes que cometem atos
infracionais graves. Cinco deles são ainda os mais votados em seus respectivos
estados – Ceará, Distrito Federal, Goiás, Pará e Rio de Janeiro--, o que
significa que contam com o apoio de uma parcela considerável da população para
conseguir a aprovação de tal medida. Para se ter uma ideia, de acordo com
pesquisa feita entre o instituto Vox Populi e a revista CartaCapital de 2013,
89% dos brasileiros acreditam que o País deve obrigar, por lei, jovens
infratores a responder criminalmente como adulto a partir dos 16 anos de idade.
Do total de 21 deputados que devem formar a
bancada no ano que vem, 18 têm carreira em algum tipo de força policial e
apenas sete já estavam na Câmara e foram reeleitos. Os outros 14 nomes não
foram deputados federais nos últimos quatros anos ou são novos na vida
política. É o caso do Delegado Waldir, o campeão de votos em Goiás. Durante a
campanha, ele usava seu número na urna (4500) para espalhar um slogan que
remete à prisão. “45 do calibre, 00 da algema”. Apesar de integrante da Polícia
Civil, ele defende que os menores autores de atos infracionais recebam pena
“militarizada”.
“Hoje temos uma minoria de adolescente que
aos 13 anos já rouba, mata, estupra e não tem acontecido nada. Sou a favor da
redução da maioridade, mas antes da aprovação dessa lei precisamos da criação
de novos presídios juvenis, separados por idade: 13 anos com 13 anos, 14 anos
com 14 anos, e pela natureza de crime, roubo, tráfico, homicídio, e que esse
adolescente tenha um sistema que eu diria militarizado”, defendeu. “Colocar ele
pra acordar cedo de segunda a sábado, exercitar o corpo e a mente, além de
trabalhar e fazer um curso profissionalizante. Domingo [será dia de] artes
culturais e esportivas, religião e hino nacional. Vamos ver se esses
adolescentes não serão recuperados”.
Assim como o próprio delegado Waldir admite,
os atos infracionais cometidos por adolescentes representam uma “minoria” se
comparado ao universo de crimes comuns no Brasil. Segundo o Ministério da
Justiça, os menores de 16 a 18 anos são responsáveis por 0,9% do total dos
crimes praticados no País. Se considerados apenas homicídios e tentativas de
homicídio, o percentual cai para 0,5%.
Ainda
assim, o discurso de repressão parece convencer mais do que os dados. No Pará,
o candidato a deputado federal mais votado foi o delegado Éder Mauro (PSD). Policial
civil, ele fez campanha prometendo dar basta “aos vagabundos”. Segundo o jornal O Globo, o policial foi
denunciado por crime de tortura contra um pai e uma filha, de 10 anos. A
Justiça entendeu que a criança sofreu ameaça, mas o processo prescreveu e o
caso foi arquivado. A denúncia relacionada ao adulto continua sob investigação.
Rio de Janeiro e Ceará também votaram em peso
em, respectivamente, um militar e um policial. No estado fluminense, o primeiro
lugar na disputa por uma vaga na Câmara Federal foi de Jair Bolsonaro (PP). O
Capitão da Reserva do Exército ainda conseguiu emplacar o filho e escrivão da
PF, Eduardo Bolsonaro (PSC), em São Paulo. Assim como o pai, ele defende que é
preciso aprovar penas mais duras para adolescentes urgentemente.
“Nova
bancada preocupada com a segurança na Câmara dos Deputados dará prioridade para
redução da maioridade penal, reforma do sistema prisional, valorização das
Forças de Segurança e outros assuntos relacionados ao tema”, publicou nas redes
sociais dois dias após ser eleito e já em nome da bancada. Entre os cearenses,
o preferido foi Moroni Torgan (DEM). Policial federal e membro da Igreja de
Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, ele já foi eleito deputado federal
outras vezes. Mas, neste pleito, focou na redução da maioridade penal e em
propostas de combate às drogas. Torgan une sua religião e profissão no combate
ao crime. "Este é um enviado do senhor, paz, amor e, se não der
certo....bala!", postou o deputado no Facebook.
No
Distrito Federal, dois dos oito deputados eleitos são policiais: o campeão de
votos foi Alberto Fraga (DEM), ex-deputado que foi tenente-coronel da Polícia
Militar. O oitavo colocado foi Laerte Bessa (PR), delegado aposentado da
Polícia Civil. Fraga afirmou que pretende criar uma Frente Parlamentar para
discutir a redução da maioridade penal. “A maior bandeira minha com relação à
segurança pública é acabar com essa impunidade do menor, que tem aumentado a
cada dia a participação de menores em crimes no Brasil. Vou lutar por essa questão
da maioridade penal e atacar as questões do sistema prisional, que precisa ser
reformulado e atualizado”, afirmou.
A chamada
Frente Parlamentar da Redução da Maioridade Penal já foi aberta e registrada em
setembro de 2013. O coordenador do grupo até então era outro deputado federal
da bancada da bala que se reelegeu: Fernando Francischini (SD-PR), também
delegado da PF. “Chegou a hora de falar sobre isso. A sociedade cobra do
Legislativo um posicionamento sobre o assunto, que toma proporções cada vez maiores.
São muitas as proposições que tramitam no Congresso Nacional, mas está faltando
discutir o tema, ponderar posições”, explicou na ocasião.
Representação policial e conservadorismo
Representação policial e conservadorismo
Policial
militar na Bahia e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o tenente
Danillo Ferreira vê como um avanço da democracia que policiais sejam eleitos
para o Congresso, por representarem uma classe pouco assistida politicamente.
“É um avanço democrático policiais passaram a entender que é preciso eles terem
representantes legítimos”, explicou. “Nesse sentido, as candidaturas
trabalhistas de esquerda não se ocupam com as questões dos policiais, falham ao
não olhar para os policiais e isso é preconceito”, complementou.
Na
opinião de Ferreira, entretanto, a pauta de endurecimento de penas contra
menores de idade é “demagógica” e reflexo do conservadorismo da sociedade
brasileira. “Esses policias que levantam essa bandeira obtêm lastro em grande
parte dessa população amedrontada que endossa esse discurso. É um discurso
demagógico”, criticou. “Às vezes, ainda me sinto no conto ‘O Alienista’,
de Machado de Assis, no qual vamos internando, prendendo, enclausurando, a
ponto de não sabermos mais qual dos lados é a prisão e qual é a liberdade.
Propor mais encarceramento é extremamente irracional e não condiz com os
números e a eficácia do nosso sistema prisional. Nós temos um problema
seríssimo de formação familiar”.
Ainda que
este seja uma das principais bandeiras do PSDB, apoiada por boa parte da
população brasileira, a redução da maioridade penal é motivo de discordância
até do ponto de vista jurídico. Na visão de alguns especialistas e do ministro
da Justiça, José Eduardo Cardozo, estabelecer penas para menos de 18 anos seria
inconstitucional por contrariar uma cláusula pétrea da Constituição, aqueles
dispositivos que não podem ser modificados.
"Qualquer
projeto que reduza a maioridade penal nos termos do que está hoje consagrado na
Constituição Federal é inconstitucional, porque todos os direitos e garantias
individuais consagrados na Constituição são cláusulas pétreas, ou seja, não
podem ser modificados nem por emenda constitucional, (...) apenas com uma nova
Constituição", disse no ano passado, em um dos auges do assunto.
Outro ponto de contradição dessa proposta é
que ela fere um acordo internacional que o Brasil se comprometeu a cumprir. O
País é signatário da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente das Nações Unidas. Isso quer dizer que temos o compromisso de
oferecer tratamento penal diferenciado a todos os menores de 18 anos, com
recolhimento em unidades de ressocialização.
Assim como acontece em países como Argentina,
França, Espanha, China, Suíça, Noruega e Uruguai.
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