Política/Análise
Bolsa Família: 11 anos e 11
conquistas
Uma análise livre de
preconceitos revela que o programa aumenta a frequência escolar e cria uma
população mais saudável e uma sociedade mais igualitária
(por Rosana
Pinheiro-Machado e Luana Goveia — publicado 24/10/2014, “Carta Capital”)
(Foto: Pedro
Revillion/Palácio Piratini - Crianças
mais saudáveis com Bolsa Família. As crianças de famílias beneficiárias do
Bolsa Família são mais saudáveis e até 8 milímetros mais altas, um sinal de
diminuição da desnutrição crônica)
No exterior, o
reconhecimento do Programa Bolsa Família é notável: políticos do mundo todo e
pesquisadores das mais prestigiosas universidades querem conhecer essa política
social. Já no Brasil, o cenário é bastante diferente. Passada mais de uma
década, uma grande parte da população ainda tem grande dificuldade de aceitar
os benefícios alcançados pelo Bolsa Família. Poder-se-ia argumentar que o
entusiasmo de fora é fruto do desconhecimento da realidade brasileira. Nós
acreditamos que o que ocorre é exatamente o contrário: fora do Brasil, as
pessoas olham abertamente para o Programa, desprovidas dos preconceitos que
paralisam uma grande parte da população brasileira.
Com base nos relatórios
de impacto do Bolsa Família, sintetizamos aqui algumas das conquistas
alcançadas nos últimos 11 anos. Nosso objetivo é ajudar a desconstruir alguns
mitos que prevalecem no senso comum, como a ideia de que o Bolsa Família está
produzindo uma geração de “vagabundos”. Na verdade, devido à condicionalidade
na área de educação e saúde, o Programa comprovadamente está produzindo
exatamente o oposto: uma geração de estudantes com frequência escolar 10% maior
do que a média nacional, uma população mais saudável e, finalmente,
trabalhadores mais engajados – e consequentemente mais críticos e exigentes -
no mercado de trabalho.
1. O Bolsa Família tem
um custo muito baixo aos cofres públicos
Ao contrário do que é
dito popularmente, em termos econômicos, o Bolsa Família é um programa barato,
representando apenas 0,45% do Produto Interno Público (PIB) brasileiro.
2. Aquecimento da
economia
O dinheiro pago ao
Bolsa Família volta para os cofres públicos via impostos, já que ele é usado
principalmente para a compra de produtos básicos para uso imediato, como comida
e remédios, ou a médio prazo, como bens duráveis. Por ser um dinheiro dinâmico
de alta circulação, ele também aquece a economia de baixo para cima,
dinamizando, consequentemente, o setor de serviços do País. Como resultado, a
cada real adicional gasto no Bolsa Família estimula-se um crescimento de 1,78
reais no PIB.
3. Superação da extrema
pobreza e redução da desigualdade social
O Bolsa Família ajudou
a retirar 36 milhões de pessoas da situação de pobreza. A pobreza e a extrema
pobreza somadas caíram de 23,9% para 9,6% da população. Houve uma redução
inédita da redução da desigualdade de renda no Brasil nos últimos 10 anos, e o Bolsa
Família foi responsável por 13% dessa redução.
4. Melhorias na saúde
da população de baixa renda
Redução em 51% no
déficit de estatura média das crianças beneficiárias. O déficit de estatura é
um indicador de desnutrição crônica e está associado ao comprometimento
intelectual das crianças. Os meninos beneficiários de cinco anos aumentaram 8
milímetros, em média, em quatro anos.
Entre 2005 e 2009, a
cobertura de vacinação entre as famílias beneficiárias passou de 79% para
82%. As mulheres grávidas beneficiárias
têm 1.6 consulta a mais do que as mulheres não beneficiárias na mesma condição.
Houve também redução da
mortalidade infantil entre zero e seis anos em 58% por causas relacionadas à
desnutrição e diminuição das doenças infecciosas relacionadas à desnutrição e à
diarreia, além do aumento da porcentagem de crianças de até seis meses
alimentadas exclusivamente pela amamentação.
5. Melhorias na
educação da população de baixa renda
O Bolsa Família mantém
16 milhões de crianças e adolescentes na escola. Os estudantes beneficiários do
programa têm menor taxa de abandono do que os não beneficiários.
No ensino médio, a taxa
de abandono dos beneficiários do Bolsa Família é de 7,4% ante a dos
não-beneficiários de 11,3%. No ensino fundamental, a taxa de abandono foi de
2,8% para os beneficiários do programa, enquanto a dos não-beneficiários era de
3,2%. Ou seja, o cumprimento da condicionalidade do Bolsa Família faz com que
os beneficiários não apenas frequentem a escola, mas também apresentem melhores
indicadores que crianças pobres e não beneficiárias do programa.
6. Redução do Trabalho
Infantil
O Bolsa Família ajudou
a diminuir o número de horas do trabalho doméstico entre crianças e
adolescentes de 5 a 17 anos – decréscimo de 4,5 horas no geral e de 5 horas
para os meninos. Houve o adiamento de 10
meses na entrada no mercado de trabalho de crianças e adolescentes do sexo
masculino.
7. Empoderamento das
Mulheres
O pagamento é feito
diretamente à mulher responsável pela família, o que levou a um processo de
empoderamento em seus lares. Com um poder sobre os gastos familiares, as
beneficiárias decidem mais sobre as compras e têm mais controle sobre sua vida
conjugal. Com a segurança monetária proporcionada, as mulheres se sentem menos
dependentes dos seus maridos, muitos dos quais agressivos e têm mais poder em
uma eventual separação.
As beneficiárias
ampliaram o uso de métodos contraceptivos (9,8 pontos percentuais de alta),
reforçando a autonomia e o exercício dos direitos reprodutivo entre as
mulheres.
Para as mulheres não
ocupadas, o Bolsa Família contribui para um aumento de 5 pontos percentuais procura por trabalho,
com destaque para a região Nordeste.
8. Superação de
preconceitos contra o Bolsa Família (1): “O Bolsa Família incentiva os pobres a
fazer filhos”
Diz-se que as pessoas
oportunisticamente terão mais filhos para receberem mais benefícios. Na
verdade, a tendência de declínio de fertilidade da população brasileira
continua notável em todas as faixas de renda, sendo que a redução recente da
taxa de fertilidade tem sido ainda maior entre as mais pobres.
9. Superação de preconceitos
contra o Bolsa Família (2): “O dinheiro do Bolsa Família é gasto com roupas de
‘marca’”:
Beneficiárias não
fariam uso adequados dos recursos monetários a elas transferidos. Na verdade,
verificou-se que famílias pobres em situação de insegurança familiar são mais
propícias a gastarem seus recursos em alimentação.
10. Superação de
preconceitos (3): “Efeito-preguiça: o Bolsa Família acomoda e sustenta
vagabundos”:
Em termos de ocupação,
procura de emprego ou jornada de trabalho, os dados são iguais entre
beneficiários e não beneficiários do programa. Ademais, a probabilidade de quem
recebe o Bolsa Família estar trabalhando é maior – 1,7% a mais para homens,
2,5% para mulheres – do que entre pessoas da mesma faixa de renda que não
participam do programa.
Há também estudos que
mostram que o Bolsa Família também não incentiva a informalidade. O incentivo à
acomodação ou à informalidade é praticamente nulo.
Sobre o número de
pessoas que já deixaram o Bolsa Família voluntariamente, calcula-se que foram
1,7 milhão de famílias.
11. Superação de
preconceitos (4): “Bolsa Família estimula corrupção local e clientelismo”
O pagamento é feito da
Caixa Econômica Federal diretamente às famílias, via cartão bancário, sem
passar pela interferência dos agentes do poder local. Agentes locais apenas
coletam informações das famílias beneficiárias, informações estas que são
enviadas ao MDS para análise da elegibilidade das famílias e finalmente o
sorteio das que serão beneficiárias do programa.
Prestígio e Futuro
Por essas e muitas
outras razões, como a melhoria nas moradias e no sentimento geral de bem estar
das populações mais pobres, o Bolsa Família é um modelo no contexto
internacional, sendo considerado o principal instrumento de transferência de
renda do mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU). O Bolsa Família foi
apontado, em 2013, pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura (FAO) como uma das principais estratégias adotadas pelo país que
resultaram na superação da fome, retirando, assim, o país do mapa da fome
mundial. Adicionalmente, a Associação Internacional de Segurança Social (AISS)
concedeu ao Brasil um prestigioso prêmio internacional devido ao caráter
inovador de redução da pobreza trazido pelo Bolsa Família, considerado o mais
importante do mundo dentro dos grupos de programas de transferência condicional
de renda. A instituição espera, ainda, que o Bolsa Família sirva de exemplo
para que mais países implementam programas similares em benefício de seus
cidadãos.
A população brasileira
precisa ter consciência de suas próprias conquistas para que possa reivindicar
pela manutenção e aperfeiçoamento do Programa. Se, em uma década, o Bolsa
Família trouxe resultados tão positivos que sequer eram previstos, é possível
acreditar que, daqui a poucos anos, teremos uma geração de cidadãos que, por
estar ainda mais nutrida, educada e empoderada, reivindicará por seus direitos
fundamentais, exigirá mais respeito e encarará o Brasil de forma mais crítica,
inclusive exigindo melhor qualidade – e não apenas o acesso - dos serviços de
educação e saúde.
Se não está se formando
uma geração de vagabundos, se traz tantos benefícios gastando apenas 0,5% do
PIB, por que muitos ainda se opõem tão veemente ao Programa Bolsa Família?
*Fontes: Campello, T.;
Neri, M. (2013) Programa Bolsa Família:
uma década de inclusão e cidadania. Brasília: IPEA; International Social
Security Association (ISSA); Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome (MDS) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
* Luana Goveia é mestre
em Políticas Sociais pela London School of Economics (LSE) e doutoranda na
Universidade de Oxford
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Boa a pergunta final do
artigo: por que tant@s, como aqui em Açailândia do Maranhão, ainda se opõem tão
veemente ao Programa Bolsa Família? (Eduardo Hirata)