(Charge de Vitor Teixeira. Artigo de Antonio Lassance - Os barões
das grandes corporações midiáticas perceberam que, para haver uma oposição de
direita forte, é preciso uma ampla opinião pública direitista. Publicado na Carta Maior, 20/06/2014)
Faz tempo que as
campanhas eleitorais são espetáculos dantescos, movidos por baixarias sem
limites. Enquanto o Tribunal Superior Eleitoral fica muitas vezes cuidando da
perfumaria, os dinossauros reinam.
Mas há algo de novo
nesta campanha.
A começar do fato de
que boa parte da perversidade de campanha seguia, antes, o seguinte roteiro:
denúncias na imprensa, primeiro em jornais e revistas, que depois se propagavam
na tevê e no rádio e, finalmente, ganhavam a rua pela ação dos cabos
eleitorais.
Agora, o roteiro é:
denúncias pela imprensa, mas divulgadas primeiro via internet; propagação pelas
redes sociais; repetição pela tevê e pelo rádio e, por último, sua
consolidação pelo colunismo e
editorialismo da imprensa tradicional.
Embora essa imprensa
ainda seja, normalmente, a dona da informação, seu impacto é cada vez menos
medido pela audiência do próprio meio - que anda em declínio em praticamente
todos os veículos tradicionais - e mais pela sua capacidade de propagação pela
internet - blogs, redes sociais e canais de vídeo, principalmente pelo Youtube.
E a versão que se propaga da notícia acaba sendo tão ou mais importante do que
a notícia em si.
Antes, as pesquisas
de opinião calibravam os rumos das campanhas. Nesta eleição, a internet é quem
tende a ditar o ritmo. As pesquisas vão servir para aferir, tardiamente, o
impacto de alguns assuntos que ganharam peso na guerrilha virtual.
Antes, o trabalho de
amaldiçoar pra valer os adversários políticos era feito pelos cabos eleitorais
que batiam de porta em porta. Agora, os cabos eleitorais que caçam votos
perambulam pelos portais de internet, pelos canais de vídeo e entram nos
endereços dos eleitores pelas redes sociais.
Uma outra diferença,
talvez tão decisiva quanto essa, é que a direita resolveu aparecer. Antes, o
discurso da direita era de que não existia mais esse negócio de "direita x
esquerda".
A direita,
finalmente, saiu do armário e anda mais raivosa do que nunca. Em parte, a raiva
vem do medo de que, talvez, ela tenha perdido o jeito de ganhar eleições e de
influenciar os partidos.
Por outro lado, a
direita imagina que a atual campanha petista está mais vulnerável que em outras
épocas. A raiva é explicada, nesse aspecto, pelo espírito de "é agora ou
nunca".
Os bombardeios
midiáticos raivosos têm assumido feições mais pronunciadamente ideológicas.
Ao contrário de
outras eleições, os ataques têm não só mentiras, xingamentos e destemperos
verbais de todos os tipos. Têm uma cara de pensamento de direita.
Querem não apenas
desbancar adversários. Querem demarcar um campo.
Não é só raiva contra
um partido. É ódio de classe contra tudo e contra todos os que se beneficiam (e
nem tanto quanto deveriam) de algumas das políticas governamentais.
É ódio contra
sindicatos de trabalhadores, organizações comunitárias, movimentos de excluídos
(Sem Terra, Sem Teto), grupos em defesa de minorias e de direitos humanos que
priorizam a crítica a privilégios sociais e aos desníveis socioeconômicos mais
profundos.
A mídia direitista
tem desempenhado um papel central. Sua principal missão é orientar os ataques
para que eles tenham consequência política e ideológica no seio da sociedade
brasileira.
Como sempre, a mídia
é diretamente responsável por articular atores dispersos e colocá-los em
evidência, conforme uma pauta predeterminada.
Embora seja uma
característica recorrente, no Brasil, a mídia tradicional comportar-se como
partido de oposição, nos últimos anos ela parece seguir uma nova estratégia.
Os barões das grandes
corporações midiáticas brasileiras, com a ajuda de seus ideólogos, perceberam
que, para haver uma oposição de direita forte, é preciso formar uma ampla
opinião pública direitista.
Antes mesmo de cobrar
que os partidos se comportem e assumam o viés de direita, é preciso haver uma
base social que os obrigue a agir enquanto tal.
A mídia tradicional
entendeu que os partidos oposicionistas são erráticos em seus programas e na
sua linha política não por falta de conservadorismo de suas principais
lideranças, mas pela ausência de apelo social em sua pregação.
Em função disso,
coisas como o Instituto Millenium se tornaram de grande importância. O
Millenium tem, entre seus mantenedores e parceiros, a Abert (controlada pelas
organizações Globo) e os grupos Abril, RBS e Estadão. O instituto é também
sustentado por outras grandes empresas, como a Gerdau, a Suzano e o Bank of
America.
O Millenium tenta
fazer o amálgama entre mídia, partidos e especialistas conservadores para gerar
um programa direitista consistente, politicamente atraente e socialmente
aderente.
O colunismo
midiático, em todas as suas frentes, é outro espaço feito sob medida para
juntar jornalistas, especialistas e lideranças partidárias dedicadas a reforçar
alguns interesses contrariados por algumas políticas públicas criadas nos
últimos 12 anos.
A estratégia
midiática de reinvenção da direita brasileira representa, no fundo, uma
tentativa desesperada e consciente dessa mesma mídia de reposicionar-se nas
relações de poder, diante da ameaça de novos canais de comunicação e de novos
atores que ganharam grande repercussão na opinião pública.
Com seu declínio
econômico e o fim da aura de fonte primordial da informação, o veneno em seus
anéis tornou-se talvez seu último trunfo no jogo político.
(*) Antonio Lassance é cientista político.
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