Sem contar as mulheres e as crianças
...“Hoje,
mulheres e crianças são contados, sim. Mas a contagem da qual fazem parte
é macabra e terrível. São contados entre as maiores vítimas da violência
em nosso país. A situação mundial não é muito diferente, mas no Brasil a
coisa chega a níveis exponenciais.”
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O artigo a seguir que nos
sirva- a nós, que nos dizemos protetores e defensores de Direitos Humanos de
Crianças e Adolescentes, Jovens e famílias – de tema de muita reflexão, para
contribuir no conhecimento e encaminhamentos da realidade social extremamente
perversa e cruel aqui em Açailândia do Maranhão.
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Realidade que ‘criminaliza,
endemoniza Crianças, Adolescentes, Jovens, mulheres’ atribuindo a elas e eles a
insegurança, a criminalidade, o caos social que vivemos.
(Eduardo Hirata)
Sem contar as mulheres e as crianças
(RJ., 07/09/2017)
Bordão constante da teologia
feminista, esta frase que consta da perícope do evangelho de Mateus 15,38,
volta hoje – invertida porém – à linha de frente do noticiário e da reflexão
teológica.
O contexto evangélico é a
multiplicação dos pães, quando Jesus de Nazaré, a partir da pobreza de sete
pães e dois peixinhos, dá de comer a uma imensa multidão faminta. O texto
identifica os personagens masculinos que se alimentaram, mas sem contar as
mulheres e as crianças.
Quando as mulheres entraram no campo
da teologia, levantaram suspeita sobre esta frase, mostrando quão machista era
a sociedade daquele primeiro século da nossa era. Também foi assinalado
por homens e mulheres que se deixaram tocar pela Escritura quão profunda se
revelou a revolução do rabi de Nazaré, para quem as mulheres contavam – e
muito! – pois as acolhia e ouvia com carinho, integrava-as em seu seguimento da
Galileia até Jerusalém, apontava-as como exemplo a seus discípulos e
convertia-as em beneficiárias privilegiadas de seus milagres.
Também contavam para Jesus as
crianças, a quem acolhia com alegria e desvelo, opondo-se aos discípulos que
queriam afastá-las porque o perturbariam. Jesus se alegrava de vê-las,
ouvi-las e tê-las por perto, e afirma que delas é o Reino dos céus.
Hoje, mulheres e crianças são
contados, sim. Mas a contagem da qual fazem parte é macabra e terrível.
São contados entre as maiores vítimas da violência em nosso país. A
situação mundial não é muito diferente, mas no Brasil a coisa chega a níveis
exponenciais.
Recentemente, a denúncia de uma
mulher que sofreu abuso em um carro da frota Uber surpreendeu a sociedade.
Atacada e ameaçada pelo motorista, tornou pública a agressão na imprensa
e nas redes sociais. A vítima, machucada, ofendida, humilhada e desrespeitada,
desabafou: "O mundo é um lugar horrível para ser mulher".
O agressor alegou que ela estava
bêbada. Como se isso fosse atenuante para seu comportamento absolutamente
condenável. Uma mulher independente e solteira, que volta para casa à
noite de uma festa ou um encontro com amigos, pode ter ingerido álcool, mas nem
por isso se encontra à disposição das taras de machistas e agressores que
resolvem abusar de sua vulnerabilidade. Chama um uber para não descumprir
a lei seca que vigora em sua cidade e aquele que devia transportá-la segura
para casa a ataca e desrespeita.
Outro caso foi de um mesmo homem que
abusou de várias mulheres em ônibus e transportes públicos. Seu
comportamento chegou ao grau máximo do desrespeito e da violência. Preso e
solto em seguida, voltou à cadeia apenas depois de repetir mais de uma vez o
mesmo crime.
Parece que o mundo evolui, a
sociedade avança, as mulheres conquistam direitos e galgam degraus na escala
social, mas a mentalidade machista permanece intocada. E para estes
homens elas não contam. São objetos para serem usados e abusados, segundo
a vontade e o desejo do macho.
A cada 2 minutos uma mulher sofre violência no
Brasil. Essa estatística parece haver aumentado nos últimos tempos.
Talvez porque hoje as mulheres já não se calem; elas denunciam os abusos
e as agressões recebidas e os expõe no espaço público.
Com as crianças o panorama não é
muito diferente. Desde o espancamento doméstico, onde as agressões à mulher
acabam atingindo igualmente os filhos, até as balas perdidas que interrompem a
vida de crianças pequenas e indefesas, a violência contra os menores só faz aumentar.
Violência anônima, que não mostra o
rosto e atinge os pequenos que estão começando a vida, interrompendo
brutalmente sua infância. As crianças não contam, assim como as mulheres.
E a violência os atropela, semeando morte e terror entre aqueles que são
os mais vulneráveis de um tecido social esgarçado e sem consistência.
O mundo é um lugar terrível para ser
mulher. E para ser criança. E para ser cidadão que passa
tranquilamente pela rua, mas tem esse simples direito cassado pela violência,
pelo terror, pela cegueira agressora, para a qual não contam os cidadãos
pacíficos que estão apenas exercendo seu direito de ir e vir. Mais ainda
quando são mulheres e crianças.
Urge uma conversão em nível
comunitário, social, e não apenas individual. A humanidade é composta por
homens e mulheres. As crianças estão no mundo para serem protegidas e
educadas. Não para serem agredidas, desrespeitadas, espancadas e
assassinadas. Apenas quando o machismo e a violência por ele gerada forem
superados, poderemos, enquanto sociedade, viver a alegria do Evangelho de Jesus
e ver acontecer o Reino por Ele prometido.
* A teóloga é autora de "Simone
Weil - A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco), entre outros livros.
Professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio
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