Em nome da ambição de galgar os degraus do poder,
de manter uma função pública, de usufruir da amizade de poderosos, muitos
abdicam do pensamento crítico, engolem a seco abusos de seus superiores, fazem
vista grossa à corrupção, se abrem em sorrisos para quem, no íntimo, desprezam
15/08/2013
(Frei Betto, escritor, no jornal Brasil de Fato)
Está em cartaz, em alguns cinemas do Brasil, o
filme “Hannah Arendt”, direção de Margarethe Von Trotta. Por ser uma obra de
arte que faz pensar não atrai muitos espectadores. A maioria prefere os
enlatados de entretenimento que entopem a programação televisiva.
Hannah Arendt (1906-1975) era uma filósofa alemã,
judia, aluna e amante de Heidegger, um dos mais importantes filósofos do século
XX, que cometeu o grave deslize de filiar-se ao Partido Nazista e aceitar que
Hitler o nomeasse reitor da Universidade de Freiburg. O que não tira o valor de
sua obra, que exerceu grande influência sobre Sartre. Hannah Arendt refugiou-se
do nazismo nos EUA.
O filme de Von Trotta retrata a filósofa no
julgamento de Adolf Eichmann, em 1961, em Jerusalém, enviada pela revista “The
New Yorker”. Cenas reais do julgamento foram enxertadas no filme.
De volta a Nova York, Hannah escreveu uma série de
cinco ensaios, hoje reunidos no livro “Eichmann em Jerusalém – um relato sobre
a banalidade do mal” (Companhia das Letras, 1999). Sua ótica sobre o réu
nazista chocou muitos leitores, em especial da comunidade judaica.
Hannah escreveu que esperava encontrar um homem
monstruoso, responsável por crimes monstruosos: o embarque de vítimas do nazismo
em trens rumo à morte nos campos de concentração. No entanto, ela se deparou
com um ser humano medíocre, mero burocrata da máquina genocida comandada por
Hitler. A grande culpa de Eichmann, segundo ela, foi demitir-se do direito de
pensar.
Hannah pôs o dedo na ferida. Muitos de nós julgamos
que são pessoas sem coração, frias, incapazes de um gesto de generosidade os
corruptos que embolsam recursos públicos, os carcereiros que torturam presos em
delegacias e presídios, os policiais que primeiro espancam e depois perguntam,
os médicos que deixam morrer um paciente sem dinheiro para custear o
tratamento. É o que mostram os filmes cujos personagens são “do mal”.
Na realidade, o mal é também cometido por pessoas
que não fariam feio se convidadas para jantar com a rainha Elizabeth II, como
Raskólnikov, personagem de Doistoiévski em “Crime e castigo”. Gente que, no
exercício de suas funções, se demite do direito de pensar, como fez
Eichmann.
Elas não vestem apenas a camisa do serviço público,
da empresa, da corporação (Igreja, clube, associação etc.) no qual trabalham ou
frequentam. Vestem também a pele. São incapazes de juízo crítico frente a seus
superiores, de discernimento nas ordens que recebem, de dizer “não” a quem
estão hierarquicamente submetidas.
Lembro de “Pudim”, um dos mais notórios
torturadores do DEOPS de São Paulo, vinculado ao Esquadrão da Morte chefiado
pelo delegado Fleury. Ele foi incumbido de transportar o principal assessor
de Dom Helder Camara, monsenhor Marcelo Carvalheira (que mais tarde viria
a ser arcebispo de João Pessoa), do cárcere de São Paulo ao DOPS de Porto
Alegre, onde seria solto.
Antes de pegar a estrada, a viatura parou à porta
de uma casa de classe média baixa, em um bairro da capital paulista. Marcelo
temeu por sua vida, julgou funcionar ali um centro clandestino de tortura e
extermínio.
Surpreendeu-se ao se deparar com uma cena bizarra:
a mulher e os filhos pequenos de “Pudim” em torno da mesa preparada para o
lanche. O preso ficou estarrecido ao ver o torturador como afetuoso pai e
esposo...
Uma das áreas em que as pessoas mais se demitem do
direito de pensar é a política. Em nome da ambição de galgar os degraus do
poder, de manter uma função pública, de usufruir da amizade de poderosos,
muitos abdicam do pensamento crítico, engolem a seco abusos de seus superiores,
fazem vista grossa à corrupção, se abrem em sorrisos para quem, no íntimo,
desprezam.
Essa a banalidade do mal. Muitas vezes ele resulta
da omissão, não da transgressão. Quem cala consente. Ou do rigoroso cumprimento
de ordens que, em última instância, violam a ética e os direitos humanos.
Assim, o mal viceja graças ao
caráter invertebrado de subalternos que, como Eichmann, julgam que não
podem ser punidos pelo genocídio de 6 milhões de pessoas, pois apenas cuidavam
de embarcá-las nos trens, sem que elas tivessem noção de que seriam levadas
como gado ao matadouro das câmaras de gás.
Dois exemplos da grandiosidade do bem temos, hoje,
em Edward Snowden, o jovem estadunidense de 29 anos que ousou denunciar a
assombrosa máquina de espionagem do governo dos EUA, capaz de violar a
privacidade de qualquer usuário da internet, e no soldado Bradley Manning, de
25, que divulgou para o WikiLeaks 700 mil documentos sigilosos sobre a atuação
criminosa da Casa Branca nas guerras do Iraque e do Afeganistão.
Meu
comentário:
Para
ler, pensar, refletir, sobre o que anda acontecendo (e principalmente sobre o
que não anda acontecendo, no SGD de Açailândia-MA,
sobretudo as instituições que devem assegurar
os Direitos Socias – Conselhos, programas e serviços sócio-assistenciais,
sanitários e educacionais, a política de atendimento dos Direitos da Criança e
do Adolescente, e suas famílias...
Situações, como por exemplo, “...passou dos 18 -dezoito-anos
de idade, não temos nada a ver...).
(Eduardo Hirata)
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