Não foi o primeiro, nem
será o último “linchamento” aqui em Açailândia do Maranhão, município onde bem
mais da metade da população, que se diz cristã (católica ou evangélia) em sua
maioria, quer a pena de morte e a redução da maioridade penal. Gente que se
acha a própria justiça, o próprio “deus” de todas as religiões que pregam a
vida como dom e prerrogativa divina, e que quer a volta do regime militar, da
ditadura...
Conforme a notícia a
seguir, do “Rei dos Bastidores”, registramos mais um linchamento, na história
de violência de nosso município.
E ao final, um texto
para contribuir na reflexão sobre esta barbárie, que desmoraliza o Estado
Democrático de Direito e a Sociedade, pois um grupelho ensandecido e
tresloucado, se acha o próprio Estado...
Se ficar por isso
mesmo, a impunidade quase total que vivemos, será mesmo a desmoralização e a
falência do Estado/governos, será a pura selvageria justificada, não só de
grupelhos tradicionalmente linchadores, mas de todos os grupos que resolverão
suas diferenças linchando-se e exterminando-se uns aos outros...
(Eduardo Hirata)
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VINGANÇA: 50 Mototaxis sequestram,
torturam, e matam com requinte de crueldade suspeito de matar um mototaxista em
Açailândia
(Do blog ‘Rei dos
Bastidores’, 31/01/2014)
Duas testemunhas
oculares ainda não foram ouvidos pela policia e temem serem mortos a qualquer
momento.
Açailândia - Por volta das 22 horas
desta ultima quarta feira, dia 29, um grupo com cerca de 30 e 50
mototaxistas armados com facões, facas e
revolveres invadiram, após chutarem a porta de uma residência em uma rua erma,
no residencial tropical, onde se encontravam três pessoas, que foram
imediatamente 1797255_581175218633961_194118239_ntorturadas com fio de energia
e cordas, sendo que duas destas pessoas conseguiram fugir, deixando no interior
da casa o Valdimar de Araujo Bezerra de 30 anos, que foi amarado e levado na
garupa de um dos mototaxistas.
A vitima Valdimar era suspeito de ter
com um parceiro participado da morte de um mototaxista de Açailândia, (relembre
aqui), identificado como Charles Alves Santos, 27 anos, que foi morto com mais
de 20 facadas, segundo o Instituto Médico Legal de Imperatriz (IML). No ultimo
dia 8 de dezembro de 2013, próximo ao conjunto habitacional Juscelino Oliveira,
no complexo de bairros da Vila Ildemar.
O grupo de quase 50 mototaxistas após
espancar e amarar, levaram a vitima Valdimar de Araújo ate o mesmo local onde o
1797255_581175218633961_194118239_nMototaxista Charles Alves foi morto,
chegando lá segundo testemunhas que ouviram a vitima implorando por sua vida em
quanto era torturado por quase 30 minutos, dizendo que Ele seria inocente e não
tinha nada haver com a morte do mototaxistas. Segundo laudo do IML a morte se
deu por choque hipovolêmico também chamado choque hemorrágico, ou seja perdeu
todo o sangue do corpo, ocasionado por hemorragia interna e externa, pela lesão
dos pulmões e laceração do fígado, por ação de dezenas de facadas, pauladas,
pedradas e dezenas de tiros que foram ouvidos, seguidos de vários mototaxes
deixando o local.
As duas testemunhas oculares que
estavam na casa da vitima Valdimar, e estão com o corpo todo coberto de marcas
de corta e fio de energia que foram usados1797027_1400175513571539_546494255_n
para espanca-los, ainda não foram ouvidos pela policia civil e estão com medo
de serem motos pelos mototaxistas, já que eles não estão contando com proteção
policial.
Segundo a família da vitima, o
Valdimar estaria trabalhando e morando em imperatriz em dezembro quando o
mototaxista Charles foi morto, inclusive tem documentos que provam que Valdimar
estava em imperatriz, portanto não poderia ter participado da morte do
mototaxista Charles.
O presidente do sindicato dos
mototaxistas não foi encontrado ate o fechamento da matéria.
(Foto do linchado Valdimar)
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Linchamentos: por quê?
(Por José Álvaro
Moisés, Professor do Departamento de Ciências Sociais da USP, membro do
Conselho Deliberativo do CEDEC e editor de LUA NOVA)
Por que são cada vez mais constantes,
no Brasil, os linchamentos entre pessoas das classes populares? Por que os
pobres se matam? Ou, dito de outra forma, o que leva alguém a tirar a vida de
um semelhante seu, principalmente, quando se trata de pessoas que, por força da
nossa história recente são, cada vez mais, lançadas à vala comum da fome, da
miséria e da opressão?
A resposta mais comum é bem
conhecida: a sede de "justiça pelas próprias mãos", ou seja, o desejo
de restabelecer o equilíbrio social, a igualdade de oportunidades entre as
pessoas, quando as práticas anti-sociais (roubos, crimes, estupros, etc), mesmo
que praticadas por gente do mesmo meio social, não encontram respostas
aceitáveis por parte da sociedade. Não importa se a própria miséria e a pobreza,
ou o seu incremento (como nos tempos de recessão), estão na raiz dessas
práticas anti-sociais: o que as pessoas das classes populares não aceitam é
conviver com mais injustiça e com mais violência.
Mergulhados em um cotidiano de
carências e de opressões, os pobres não aceitam que outros, mesmo que
semelhantes seus, lhes imponham mais opressão e mais violência. Então, reagem
linchando, matando e, muitas vezes, até esquartejando os que infringem as
regras sociais. Aplicam, então, ainda que cegamente, o que alguns chamam de
"justiça" punitiva.
O que mais chama a atenção não é,
propriamente, que haja reação, mas o tipo e a forma da reação: o sacrifício da
vida, através de morte violenta ou de tortura, quase uma tentativa de afirmar,
pela brutalidade dos atos, o absurdo praticado antes pelo criminoso, pelo
ladrão ou pelo estuprador que ofenderam gente igual a eles. Absurdo que
justificaria outros absurdos como os próprios linchamentos.
Essa reflexão me faz lembrar o mito
da origem do Estado, segundo os pensadores de linha liberal conservadora. Para
alguns deles, o Estado surgiu, na história da humanidade, quando os homens
resolveram controlar a irracionalidade da violência, "a guerra de todos
contra todos". Para operar esse controle, criaram outras irracionalidades,
como o próprio poder do Estado que, muitas vezes, se volta brutalmente contra o
cidadão, fazendo da sua política a lógica, não mais da "guerra de todos
contra todos", mas da guerra dos poderosos contra os que não tem poder
algum, a não ser a força da sua união.
É bem possível que os linchamentos
falem a linguagem cru e rude dos setores da sociedade que não acreditam ou
nunca acreditaram na justiça. Particularmente em um país onde a impunidade dos
poderosos se tornou a prática cotidiana, não há porque se surpreender diante
disso. O que é a justiça entre nós? É o formalismo de uma convenção que serve
pouco para resgatar aquilo para o qual ela foi fundada: a igualdade de
direitos.
Sem direitos, sem Justiça
Se isso é verdade, penso que, mais do
que nos admirarmos ou mesmo indagarmos sobre a inexistência da justiça,
deveríamos refletir sobre a inexistência dos direitos. Não é possível fazer
justiça onde não há direitos. Ou onde os privilégios são acobertados para que a
igualdade não exista. Na verdade, falta no Brasil a própria noção de cidadania.
Onde não há cidadãos, por que haveria justiça?
É claro que a fome, a miséria e a
exploração econômica crescentes dão o pano de fundo onde se definem muitos
delitos, como os pequenos roubos dos que não têm o que comer, os crimes dos que
não têm teto ou a ofensa dos que não têm carinho ou nunca foram amados. Mas, no
fundo, é na inexistência dos direitos que devemos ir procurar a raiz dessa
imensa insatisfação. A impunidade de poucos é confundida com a impunidade de
muitos e, no final das contas, as vítimas de uma e de outra tragédia são as
classes populares.
Por isso, eu penso que, enquanto não
desenvolvermos entre nós a noção de direitos do cidadão, direitos que tem de
ser necessariamente iguais, para valer para todos, não só não haverá justiça
(pois esta, afinal, sempre se refere a direitos), como não haverá razão para
que os ofendidos reconheçam razão nos humilhados, mesmo que essa razão não
implique em conivência com as práticas antisociais como os linchamentos.
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