sábado, 1 de fevereiro de 2014

LINCHAMENTOS: POR QUÊ? - (Reportando ao linchamento de 29/01 em Açailândia do Maranhão?)

Não foi o primeiro, nem será o último “linchamento” aqui em Açailândia do Maranhão, município onde bem mais da metade da população, que se diz cristã (católica ou evangélia) em sua maioria, quer a pena de morte e a redução da maioridade penal. Gente que se acha a própria justiça, o próprio “deus” de todas as religiões que pregam a vida como dom e prerrogativa  divina,  e que quer a volta do regime militar, da ditadura...

Conforme a notícia a seguir, do “Rei dos Bastidores”, registramos mais um linchamento, na história de violência de nosso município.

E ao final, um texto para contribuir na reflexão sobre esta barbárie, que desmoraliza o Estado Democrático de Direito e a Sociedade, pois um grupelho ensandecido e tresloucado, se acha o próprio Estado...

Se ficar por isso mesmo, a impunidade quase total que vivemos, será mesmo a desmoralização e a falência do Estado/governos, será a pura selvageria justificada, não só de grupelhos tradicionalmente linchadores, mas de todos os grupos que resolverão suas diferenças linchando-se e exterminando-se uns aos outros...

(Eduardo Hirata)


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VINGANÇA: 50 Mototaxis sequestram, torturam, e matam com requinte de crueldade suspeito de matar um mototaxista em Açailândia

(Do blog ‘Rei dos Bastidores’, 31/01/2014)

Duas testemunhas oculares ainda não foram ouvidos pela policia e temem serem mortos a qualquer momento.

Açailândia - Por volta das 22 horas desta ultima quarta feira, dia 29, um grupo com cerca de 30 e 50 mototaxistas  armados com facões, facas e revolveres invadiram, após chutarem a porta de uma residência em uma rua erma, no residencial tropical, onde se encontravam três pessoas, que foram imediatamente 1797255_581175218633961_194118239_ntorturadas com fio de energia e cordas, sendo que duas destas pessoas conseguiram fugir, deixando no interior da casa o Valdimar de Araujo Bezerra de 30 anos, que foi amarado e levado na garupa de um dos mototaxistas.

A vitima Valdimar era suspeito de ter com um parceiro participado da morte de um mototaxista de Açailândia, (relembre aqui), identificado como Charles Alves Santos, 27 anos, que foi morto com mais de 20 facadas, segundo o Instituto Médico Legal de Imperatriz (IML). No ultimo dia 8 de dezembro de 2013, próximo ao conjunto habitacional Juscelino Oliveira, no complexo de bairros da Vila Ildemar.

O grupo de quase 50 mototaxistas após espancar e amarar, levaram a vitima Valdimar de Araújo ate o mesmo local onde o 1797255_581175218633961_194118239_nMototaxista Charles Alves foi morto, chegando lá segundo testemunhas que ouviram a vitima implorando por sua vida em quanto era torturado por quase 30 minutos, dizendo que Ele seria inocente e não tinha nada haver com a morte do mototaxistas. Segundo laudo do IML a morte se deu por choque hipovolêmico também chamado choque hemorrágico, ou seja perdeu todo o sangue do corpo, ocasionado por hemorragia interna e externa, pela lesão dos pulmões e laceração do fígado, por ação de dezenas de facadas, pauladas, pedradas e dezenas de tiros que foram ouvidos, seguidos de vários mototaxes deixando o local.

As duas testemunhas oculares que estavam na casa da vitima Valdimar, e estão com o corpo todo coberto de marcas de corta e fio de energia que foram usados1797027_1400175513571539_546494255_n para espanca-los, ainda não foram ouvidos pela policia civil e estão com medo de serem motos pelos mototaxistas, já que eles não estão contando com proteção policial.

Segundo a família da vitima, o Valdimar estaria trabalhando e morando em imperatriz em dezembro quando o mototaxista Charles foi morto, inclusive tem documentos que provam que Valdimar estava em imperatriz, portanto não poderia ter participado da morte do mototaxista Charles.

O presidente do sindicato dos mototaxistas não foi encontrado ate o fechamento da matéria.

(Foto do linchado Valdimar)

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Linchamentos: por quê?

(Por José Álvaro Moisés, Professor do Departamento de Ciências Sociais da USP, membro do Conselho Deliberativo do CEDEC e editor de LUA NOVA)

  
Por que são cada vez mais constantes, no Brasil, os linchamentos entre pessoas das classes populares? Por que os pobres se matam? Ou, dito de outra forma, o que leva alguém a tirar a vida de um semelhante seu, principalmente, quando se trata de pessoas que, por força da nossa história recente são, cada vez mais, lançadas à vala comum da fome, da miséria e da opressão?

A resposta mais comum é bem conhecida: a sede de "justiça pelas próprias mãos", ou seja, o desejo de restabelecer o equilíbrio social, a igualdade de oportunidades entre as pessoas, quando as práticas anti-sociais (roubos, crimes, estupros, etc), mesmo que praticadas por gente do mesmo meio social, não encontram respostas aceitáveis por parte da sociedade. Não importa se a própria miséria e a pobreza, ou o seu incremento (como nos tempos de recessão), estão na raiz dessas práticas anti-sociais: o que as pessoas das classes populares não aceitam é conviver com mais injustiça e com mais violência.

Mergulhados em um cotidiano de carências e de opressões, os pobres não aceitam que outros, mesmo que semelhantes seus, lhes imponham mais opressão e mais violência. Então, reagem linchando, matando e, muitas vezes, até esquartejando os que infringem as regras sociais. Aplicam, então, ainda que cegamente, o que alguns chamam de "justiça" punitiva.

O que mais chama a atenção não é, propriamente, que haja reação, mas o tipo e a forma da reação: o sacrifício da vida, através de morte violenta ou de tortura, quase uma tentativa de afirmar, pela brutalidade dos atos, o absurdo praticado antes pelo criminoso, pelo ladrão ou pelo estuprador que ofenderam gente igual a eles. Absurdo que justificaria outros absurdos como os próprios linchamentos.

Essa reflexão me faz lembrar o mito da origem do Estado, segundo os pensadores de linha liberal conservadora. Para alguns deles, o Estado surgiu, na história da humanidade, quando os homens resolveram controlar a irracionalidade da violência, "a guerra de todos contra todos". Para operar esse controle, criaram outras irracionalidades, como o próprio poder do Estado que, muitas vezes, se volta brutalmente contra o cidadão, fazendo da sua política a lógica, não mais da "guerra de todos contra todos", mas da guerra dos poderosos contra os que não tem poder algum, a não ser a força da sua união.

É bem possível que os linchamentos falem a linguagem cru e rude dos setores da sociedade que não acreditam ou nunca acreditaram na justiça. Particularmente em um país onde a impunidade dos poderosos se tornou a prática cotidiana, não há porque se surpreender diante disso. O que é a justiça entre nós? É o formalismo de uma convenção que serve pouco para resgatar aquilo para o qual ela foi fundada: a igualdade de direitos.


 Sem direitos, sem Justiça


Se isso é verdade, penso que, mais do que nos admirarmos ou mesmo indagarmos sobre a inexistência da justiça, deveríamos refletir sobre a inexistência dos direitos. Não é possível fazer justiça onde não há direitos. Ou onde os privilégios são acobertados para que a igualdade não exista. Na verdade, falta no Brasil a própria noção de cidadania. Onde não há cidadãos, por que haveria justiça?

É claro que a fome, a miséria e a exploração econômica crescentes dão o pano de fundo onde se definem muitos delitos, como os pequenos roubos dos que não têm o que comer, os crimes dos que não têm teto ou a ofensa dos que não têm carinho ou nunca foram amados. Mas, no fundo, é na inexistência dos direitos que devemos ir procurar a raiz dessa imensa insatisfação. A impunidade de poucos é confundida com a impunidade de muitos e, no final das contas, as vítimas de uma e de outra tragédia são as classes populares.

Por isso, eu penso que, enquanto não desenvolvermos entre nós a noção de direitos do cidadão, direitos que tem de ser necessariamente iguais, para valer para todos, não só não haverá justiça (pois esta, afinal, sempre se refere a direitos), como não haverá razão para que os ofendidos reconheçam razão nos humilhados, mesmo que essa razão não implique em conivência com as práticas antisociais como os linchamentos.


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