Violência Sexual contra
Crianças e Adolescentes: em Coari-AM como em Açailândia do Maranhão
O “Fantástico” da
Tv-Globo, neste 2014, repercutiu com a retomada do “caso Coari”, no Amazonas. E
reacendeu o debate sobre a violência sexual contra Crianças e Adolescentes no
Brasil, uma verdadeira pandemania, e que tende a um grande crescimento, com a
Copa do Mundo de Futebol.
Em Açailândia do
Maranhão, a realidade não é muito diferente da de Coari. Também temos um “caso”,
que vem desde 2003, quando da CPI/Comissão Parlamentar de Inquérito, da
Assembléia Legislativa, presidida pela então Deputada Estadual Helena Heluy.
Quase uma dezena de
vítimas, então adolescentes, entre doze e dezessete anos. E outra quase dezena
de acusados(as), a maioria hoje “processados”, numa ação judicial que se
arrasta, no andar moroso cheirando a impunidade do judiciário maranhense. E
este processados, naturalmente, como o prefeito de Coari-AM, “gente grande,
graúda, da então e atual elite social, política e econômica de Açailândia.
As vítimas desse caso,
e suas famílias, estão a ver navios em plena Pré-Amazõnia, sem atenção devida
dos serviços e programas estatais com a obrigação de atender-lhes psicossocialmente,
e sem as devidas respostas judiciais, e reparações. Pior é que em algumas (a
maioria) dessas famílias, continua o ciclo de violações de Direitos, incidindo
fortemente em suas Crianças e Adolescentes, sob o “olhar impávido e omisso” do
Estado/governos, e da própria Sociedade.
E mesmo antes do “caso
da CPI 2003”, final dos anos noventa, outro caso de violência sexual, que
atingiu em cheio três meninas de uma mesma família, e repercute ainda hoje
impactando duas delas, além da matriarca, decaba trabalhadora sexual.
E outras dezenas de
casos impunes, irresolvidos, antigos, recentes. E temos tudo por aqui, isto é, “o
sistema”, para encarar como mais efici~encia o abuso e a exploração sexual.
Temos os órgãos,
serviços e programas públicos, desde as polícias, passando por Conselho
Tutelar, CRAS, CREAS, serviços de saúde, Defensoria e Ministério Público,
Judiciário... Plano Municipal de Enfrentamento... Mil e uma leis, normas,
regulamentações (obedecendo a máxima constitucional do artigo 227: a lei punirá
severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da Crianças e do
Adolescentes... além de garantir seu atendimento e à família).
Quando questionado
sobre a “morosidade/impunidade/negligência-ineficiência-omissão de atendimento
ás vítimas e famílias”, o “sistema” responde que tem gente presa, punida, sim (
o caso do professor Francisco, o caso de João Gonçalves de Elisângela, o caso
do taxista...), mas isso é apenas a “ponta do iceberg”...
A seguir, artigo do
jornal “Brasil de Fato”, por Márcia Acioli, em 05/02/2014, sobre o caso Coari,
muita coisa e ver com os “casos Açailândia do Maranhão”. (Eduardo Hirata)
(na foto, de 2009, divulgada
nacionalmente e de domínio público, uma então adolescente, explorada,
prostituída, drogada – a exemplo de Christianne F...- no Entroncamento das
Rodovias BR 010 Belém-Brasília e BR 222 Açailandia-Santa Luzia)
*****************************************************
Caso Coari: infância
assassinada pela lógica do consumo de sexo de meninas
A violência sexual sempre se manifestou em todas as classes
sociais, no entanto a exploração econômica da sexualidade de crianças está
associada à pobreza e às desigualdades sociais e econômicas
Em janeiro de 2014 é
revelado ao Brasil um sofisticado e brutal esquema de exploração e violência
sexual consolidado há anos no interior do estado do Amazonas. Apesar das
inúmeras denúncias, o fato permaneceu por muito tempo restrito à remota
comunidade de Coari e desconhecido pelo resto do país. Convenientemente a
situação ficou oculta protegendo unicamente os violadores de direitos: os agressores.
Não é novidade a
relação direta entre poder, dinheiro, violência sexual e exploração de
crianças. Por mais escandalosa que seja a notícia, ela soa como “já ouvi essa
história”; e de tanto ouvi-la deixa de causar espanto. Ao deixar de causar
espanto o sofrimento é relativizado, naturalizado.
A violência sexual
sempre se manifestou em todas as classes sociais, no entanto a exploração econômica
da sexualidade de crianças está associada à pobreza e às desigualdades sociais
e econômicas. Há quem lucre, há quem se beneficie com o sequestro da infância.
O caso de Coari,
protagonizado pelo seu prefeito, Adail Pinheiro, mostra o quanto as relações
entre dinheiro, poder, corrupção e violência sexual são muito íntimas.
Interessa aos detentores do poder que a pobreza se perpetue. O que está em jogo
é não só a sobrevivência das famílias, mas também o acesso ao mundo do consumo.
Em situações extremas as próprias famílias entregam suas crianças para o
perverso comércio do sexo. Meninas também são forçadas a levar outras crianças
em troca de dinheiro e objetos de consumo como celulares modernos, roupas e
passeios, mesmo que não queiram.
Ao que tudo indica para
além da pedofilia (que é uma patologia) o prefeito negocia virgindades; bebês,
conforme revelado em telefonema do assessor de Adail divulgado pela mídia.
Meninas muito novas que são usadas e ofertadas em festas privadas como uma
parte de um sofisticado Buffet. Muito dinheiro circula. O município é rico e
suas comunidades pobres.
Em Coari há a suspeita
de desvio de 49 milhões de reais da prefeitura. Dinheiro que teria como
finalidade as políticas públicas responsáveis pelos direitos. A política de
educação, por exemplo, que poderia trabalhar na mesma direção do Plano Decenal
dos Direitos da Criança e do Adolescente. Plano este que trata da promoção dos
direitos humanos, prevenção à violência e do protagonismo de crianças e
adolescentes por seus direitos.
Assim como no interior
da Amazônia há no país uma infinidade de casos de violência e exploração sexual
a espera de uma denúncia e intervenção pela interrupção da prática e atenção
imediata a meninas e meninos que caíram nas redes do perverso comércio humano.
Quanto mais remota a comunidade, mais difícil é o acesso ao que acontece por
lá. Crianças são usadas, descartadas, machucadas e, sem perspectivas, a
infância é assassinada pela lógica do consumo do sexo de meninas e de meninos.
O mais urgente, portanto,
é tirar a violência e o comércio do sexo de crianças da invisibilidade e jamais
perder a capacidade de indignação e de espanto. O reconhecimento da dor é o
primeiro passo para a denúncia.
(Marcia Acioli é assessora política do Inesc e mestre em educação
pela UnB)
********************************************************