A edição n.º 543, deste
sábado, 08/02/2014, do “Jornal do Maranhão”, de Açailândia, “Delegado afirma
que homem morto no polo moveleiro era inocente no caso do assassinato de
mototaxista”,
No final de janeiro,
foi encontrado o corpo torturado e brutalizado de Valdimar Pereira Barros. Fora
chacinado/linchado por cerca de cinquenta pessoas, a maioria mototaxistas,
segundo as notícias. Para esse bando de facínoras linchadores, fora o assassino
de um mototaxista, Charles, em dezembro passado, encontrado no mesmo local, o
Polo Moveleiro.
Escrevi sore o assunto,
e muita gente não gostou do escrito, embora outro tanto me apoiou.
Conforme o “Jornal do Maranhão”, o Delegado Regional
de Polícia Vital Rodrigues condenou “a possível ação dos mototaxistas, já que
para ele além de Valdimar ser inocente no caso ocorrido em dezembro, não cabe a
ninguém fazer justiça com as próprias mãos”.
A policia investigou o
assassinato de Charles, e teria identificado o autor, que está foragido.
Valdimar não teria nada a ver com o caso.
A reportagem do “Jornal
do Maranhão” finaliza, com a declaração do Delegado Regional de Polícia: “as
investigações da morte de Valdimar serão iniciadas e alguns mototaxistas
deverão ser chamados para depor”.
E que seja assim, e o “caso”
seja concluído, encaminhado ao judiciário, e resolvido conforme a lei, sob pena
de desmoralização das autoridades e das instituições, em última instância, as
garantidoras da ordem, da convivência embora todas as diferenças e desavenças, e da “justiça social”.
E sobre o tema “linchamento”,
a seguir, uma excelente leitura e
reflexão nos propicia o jornalista Leonardo Sakamoto.
(Eduardo Hirata)
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Linchar deve ser terapêutico. Se
envolver inocente então, melhor ainda
(Divulgado por Equipe ANDI, 06/02/2014)
Em artigo publicado em seu blog, na
terça-feira (4), o jornalista Amigo da Criança Leonardo Sakamoto diz que,
"ao criticar linchamentos públicos não defendo “bandido'', mas sim o pacto
que os membros da sociedade fizeram entre si para poderem conviver
[minimamente] em harmonia". "Em suma, abrimos mão de resolver as
coisas por nós mesmos para impedir que nos devoremos", conclui. "Não
quero uma saída 'Nicolas Marshall'. Quero apenas que a Justiça funcione. E, com
isso, a sociedade consiga saldar as contas consigo mesma, discutindo-se,
entendendo-se", acrescenta.
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Linchar deve ser terapêutico. Se
envolver inocente então, melhor ainda
(Leonardo Sakamoto, 04/02/2014)
Tenho lido cada vez mais casos de
linchamento ou de justiciamento com as próprias mãos. O que me leva a crer que
parte da população – cansada de esperar que o poder público cumpra seu papel e
garanta condições mínimas de segurança – simplesmente enlouqueceu.
Abrimos mão de resolver as coisas por
nós mesmos para impedir que nos devoremos. O sistema não é perfeito, longe
disso, mas é o que tem para hoje.
Tempos atrás, um homem foi espancado
até a morte em Olinda (PE), por moradores que o confundiram com um suspeito de
estupro. De acordo com a Polícia Civil, a vítima dormia em um terreno baldio
quando foi linchado. Chegou a ser levado para o hospital, mas não resistiu.
Não teve direito à defesa ou à
recurso. Foi julgado e executado pela estupidez humana. Se com o devido
processo legal, inocentes amargam anos de cadeia devido a erros, imagine sem
ele?
O Brasil não tem pena de morte.
Oficialmente, é claro. Porque muitos governos e suas polícias fingem que não
sabem disso. E, não raro, turbas tratam de agir.
Em mais um caso, outro homem foi espancado até a morte e teve
a casa incendiada e o bar destruído após ser acusado de ter sido o responsável
pela morte de uma adolescente em Marília (SP). A investigação, contudo, não
apontou uma pessoa como a responsável. A turba idiota não quis saber e rolou,
ladeira abaixo, uma bola de neve de rumores, fofocas e maldizeres, decidindo
que ele era culpado. Ao final, questionado pela barbárie, um dos participantes
da loucura declarou: “Se a gente fez, ele deve. Alguma coisa ele deve''.
Em 2011, a internet replicou imagens
bizarras de uma mulher espancando um cachorro. Para ela, todo o rigor previsto
em lei, é claro. O problema é que começaram a pipocar no Twitter, Facebook,
blogs e afins uma miríade de pessoas, tão dodóis quanto a dita, sugerindo
linchamento em praça pública, imolação em fogueira, separação de membros por
cavalos em fúria, pisoteamento por bodes chapados em ácido e até assassinato.
Outros queriam a aplicação imediata
da lei de Talião, o velho olho por olho, dente por dente. Ou seja, fazer dela a
mesma peteca em que transformou cretinamente o au-au. O mais interessante é que
os comentários da turba foram ditos e reditos, aprofundados e revisitados, sem
o menor pudor. Era sangue que o povo queria. Cada um queria lavar a alma no
sangue alheio.
Mesmo para os padrões covardes do
anonimato na internet (tem gente que se protege atrás de um monitor pois, na
vida real, sua coragem é menor que seu mouse), esse caso me assustou na época.
Ao criticar linchamentos públicos não
defendo “bandido'', mas sim o pacto que os membros da sociedade fizeram entre
si para poderem conviver (minimamente) em harmonia. Em suma, abrimos mão de
resolver as coisas por nós mesmos para impedir que nos devoremos.
Para muita gente, esse tipo de
decisão sumária é linda, seja feita pelas mãos da população, seja pelas do
próprio Estado, ao caçar traficantes em morros cariocas ou na periferia da
capital paulista.
Sabemos da dificuldade de levar
alguém a julgamento e, estando lá,
conseguir uma condenação real por seus crimes. Mas creio que todos os
que lutam para que Justiça não seja uma palavra bonita numa capa dura de um
livro não se sentem contemplados com o passamento de figuras folclóricas como
Augusto Pinochet, Suharto, Erasmo Dias, Coronel Ubiratan, e tantos outros que
se foram antes de responder pelo que fizeram.
Não quero uma saída “Nicolas
Marshall”. Quero apenas que a Justiça funcione. E, com isso, a sociedade
consiga saldar as contas consigo mesma, discutindo-se, entendendo-se.
Como já disse aqui, não era bom
marido? Mau pagador de impostos? Trapaceava nas cartas? Vendia bebidas vencidas
ou não lavava os copos com decência? As porções servidas no bar não eram
dignas? Era avarento, invejoso, preguiçoso? Lançava-se à luxúria? Torcia para o
time errado? Dava “bom dia” de dentes cerrados? – ah, os dentes cerrados…
Entregava-se à bebida? Não ia à missa todos os domingos? Era econômico nos
elogios? Ou, quiçá, pior? Usava mão-de-obra escrava? Violentava crianças?
Maltratava animais? Pau nele.
Bandido bom é bandido morto? Para
começo de conversa, diga-me com quem andas que te direi quem és. Afinal de
contas, matar é solução para pau que nasce torto, que não tem jeito, morre
torto. E, pior ainda na periferia, onde filho de peixe, peixinho é. Revidar é
nosso direito, pois quem com ferro fere com ferro será ferido. Ou eles ou nós,
pois o pior cego é aquele que não quer ver.
Já disse isso antes e volto a
repetir: é gostoso desistir de pensar e, lugar-comum, ir com a manada, né?
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