Quem é culpado pelo suicídio da
garota de Veranópolis?
Também aqui em Açailândia do Maranhão
comentou-se bastante o destino insensato
e infeliz, trágico, de Giana, do RS., como o de Julia Rebeca, do PI...
Nestes tempos em que meninas, adolescentes, são “linchadas”
moralmente, “...elas é que tentam, elas é
que provocam, elas é que procuram, elas
é que expõe, elas é que querem, elas é que não prestam...” e em que as
mulheres são vulgarizadas, rebaixadas, humilhadas, pela “cultura de massa” (...
que tal a maioria das músicas que “tocam” o carros de som, pelas ruas da
cidade?...), esperar o quê?
Já tivemos casos por aqui, de fotos e
vídeos na internet, que causaram (e continuam causando) muita desgraça.
E a imagem dessas meninas,
adolescentes e jovens, é sempre banalizada.
Constate-se nos casos “Lindomar 100
limites”, que saiu como herói e a menina como a bandida; ou nos mais recentes “casos
da van”, onde no caso da menina, ela é que quis, coitado do homem...
Ou se reflita sobre a impunidade,
legal e social, nos casos das meninas do “Provita”: elas e suas famílias é que “pagam
o pato”, quem mandou tentarem os homens de bem, que não podem nem ter o direito
de se divertir em paz em Açailândia, que elas vem “atentar”, como não se cansa
de justificar um processado comunicador
de tevê?
Ou então, como me disse alguém, homem envolvido num caso de imagens
pornográficas com adolescente “... elas é
que gravam e botam essas fotos na internet para se exibirem e se acharem, só
pra ferrar com a gente, fazer chantage...”
Para refletir, o texto a seguir:
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Está virando rotina: mais uma
adolescente se matou por não suportar a humilhação após o vazamento de foto
íntima. Desculpe falar assim, mas a culpa é de todos nós.
(por Lino Bocchini —
revista Carta Capital, publicado 21/11/2013)
(Na imagem de “veranopolis.jpg”
Página de Giana no Twitter com sua postagem de
despedida.)
.
"hoje de tarde
dou um jeito nisso. não vou ser mais estorvo pra ninguém"
Após escrever e postar esta frase no
Twitter a estudante Giana Laura Fabi, de 16 anos, se matou.
Segundo sua família, a adolescente de
Veranópolis se enforcou em casa na quinta-feira passada, com um cordão de seda.
Ainda segundo a família, o suicídio
da garota teria sido motivado pelo vazamento de uma foto sua mostrando os
seios.
Nesta quarta-feira o delegado da
cidade gaúcha a 176 km de Porto Alegre ouviu um rapaz de 17 anos que confirmou
ter dado um printscreen (comando pelo qual vc "fotografa" a tela de
seu computador) e enviado a foto de Giana para alguns amigos.
Daí, a imagem correu a rede, causando
o "estorvo" a que a menina se referia, e que ela decidiu resolver
dando fim à própria vida.
Quatro dias antes, Julia Rebeca,
estudante piauiense de 17 anos, havia se matado por motivo semelhante. Também
se enforcou, mas com um fio elétrico. Não suportou o que sofreu após um vídeo
em que aparecia fazendo sexo vazar na internet. E igualmente despediu-se pelo
Twitter:
"É daqui a
pouco que tudo acaba. Eu te amo. Desculpe n ser a filha perfeita, mas eu
tentei... desculpa desculpa eu te amo muito. Eu to com medo mas acho que é
tchau pra sempre"
Outros casos parecidos não terminaram
em morte, mas levaram à destruição da vida da pessoa, como aconteceu no mês
passado com Fran, a garota de Goiânia que também teve um vídeo íntimo vazado na
internet .
Em comum entre esses e tantos outros
casos, o fato do alvo ser sempre uma mulher, em geral bem jovem, e vítimas de
pessoas que conheciam bem, e com quem se relacionavam de alguma forma.
A pessoa que vaza a foto ou vídeo é
invariavelmente um homem, e participava de alguma forma do ato.
Em comum, ainda, o fato de todo julgamento
moral sobrar para a mulher, e ela sofrer tanto que em alguns casos sequer
encontra forçar para seguir vivendo.
O homem, em geral, não apenas segue sua vida e
não é punido, como ainda ganha fala de "pegador".
Grêmio e Avril Lavigne
Incomodado com o suicídio de Giana
(ou Giih, apelido que adotara nas redes sociais), passei por seus perfis.
Está tudo aberto e ativo: Twitter, Facebook,
Instagram, AskMe etc. Um memorial virtual detalhado e um tanto chocante. Em uma
análise mais objetiva, percebe-se que não há nada de mais em sua rede ou na de
seus colegas, pelas quais também dei uma passeada.
Encontrei apenas as mesmas coisas que
em geral fazem ou fizeram parte do cotidiano de qualquer adolescente, seja eu,
você, a Fran ou sua filha ou filho.
Giih gostava muito do time do Grêmio e da
cantora Avril Lavigne, relacionava-se com garotos e garotas de sua idade e
trocava com os amigos centenas de mensagens “bobas” --para nós, adultos.
Nas fotos, mais do básico: poses com as amigas
do colégio, com familiares, mostrando o look antes de sair, do cachorro, de
garotos de sua idade, artistas etc.
A adolescente de Veranópolis nem de
longe parecia a depravada que aparentemente se tornou na onda de bullying à sua
volta.
E mesmo que fosse “depravada” para os padrões
morais cristãos que infelizmente regem nossa sociedade, nada justifica o que
aconteceu.
Nada justifica seu sofrimento, sua
morte e o que sua família está sofrendo.
E aí caro leitor e cara leitora, me
desculpe, mas a culpa é de todos nós. Minha e sua inclusive.
Estou longe de ser uma pessoa
moralista. Acho legítima e defendo qualquer forma de interação amorosa ou
sexual, desde que consentida entre as partes.
Defendo a pornografia --de novo, desde que
consentida e entre adultos. E considero brincadeiras e fantasias eróticas
absolutamente saudáveis.
Vivemos numa sociedade que cobra a
cada instante que você tenha sucesso.
E, no caso das mulheres, por sucesso entenda-se
uma cruel e impossível equação na qual você tem que ser magra, bonita e gostosa
mas, por outro lado, não pode ser “fácil”, tem que “se dar o respeito”.
Tem que ser bem sucedida
profissionalmente. E tem que assistir o exemplo de uma mocinha da novela das
oito que, aos 17 anos, usa shorts minúsculos e rebola para milhões de pessoas
toda noite mas, fora das telas, assume o papel de futura esposa respeitosa do
namorado jogador de futebol famoso.
Sai a novela e vem a publicidade: uma moçoila
curvilínea e insinuante atrás da outra. E tem mais: tem que ser mãe dedicada,
mas não pode ter barriguinha pós-gravidez.
E, por favor, mantenha-se sempre uma amante
fervorosa, “uma dama na sociedade e uma puta na cama”. E segue uma enorme lista
de “tem ques” inconciliáveis com a vida real.
Quase a totalidade da TV mundial
bombardeia as adolescentes com esses valores inatingíveis (e machistas pacas)
e, fechando o ciclo, a internet está aí no celular e no laptop do quarto de
cada uma dessas milhões de meninas, convidando-as a se expor de uma forma cada
dia mais fácil, com argumentos cada dia mais sedutores.
E se para mulheres adultas já é
difícil encarar essa barra, imagine a dificuldade para uma menina de 16 anos
passar incólume ao largo desse oceano de cobranças e estímulos e seguir “pura”
até o altar...
Para piorar, ainda há o estigma de “fora de
moda” que ronda o feminismo. Tá duro equilibrar esse jogo.
E, claro, todos os que as cobram,
nunca entraram num site pornô. E poriam a mão no fogo por sua filha, irmã, mãe,
amiga, vizinha, prima ou namorada. Não, ela não é "uma dessas”. Não é
feita da mesma carne das Frans, Gis e Julias da vida.
O mínimo que temos a fazer é parar de
ser hipócritas. Não resolve tudo, mas já seria um bom primeiro passo para
paramos de matar nossas meninas.