(No “DCM/Diário do Centro do Mundo,
04/03/2016)
João Victor
tinha 13 anos. É aquela idade em que você é leve, feliz. Sonha, ri à toa, tem a
vida pela frente.
É a regra.
Mas essa
regra vale pouco quando você vive num país tão injusto e tão desigual como o
Brasil.
Neste
sábado, João Victor deveria estar jogando bola com os amigos. Talvez trocando
mensagens com aquela que viria a ser sua primeira namoradinha.
Mas João
Victor está morto. Foi espancado até a morte por seguranças do Habib’s. Ele
habitualmente pedia dinheiro para as pessoas que iam comer no Habib’s.
Um vídeo
mostrou as circunstâncias da morte. Deveria provocar comoção nacional: João
Victor aparece arrastado como um saco de cimento em seus momentos finais.
Mas nada.
João Victor, nem passou uma semana, já
foi esquecido. É um dos invisíveis da plutocracia brasileira.
Ele não
parecia ter 13 anos. Como toda criança que nasce e cresce na miséria, era
mirrado. No vídeo, parecia ter 7, 8 anos.
Você vê as
imagens e sente uma vontade impotente de pegar aquela criança nos braços e
dar-lhe o conforto possível.
Mas João
Victor está morto. Agora é tarde demais para fazer qualquer coisa por ele.
E ele tinha
13. Só 13.
Quando vejo
casos assim, me ocorre um pensador chamado John Rawls.
Ninguém
formulou uma teoria tão engenhosa sobre uma sociedade justa quanto Rawls
(1921-2002).
Em 1971,
Rawls publicou um livro aclamado: “A Teoria da Justiça”.
A idéia
central de Rawls era a seguinte: uma sociedade justa é aquela na qual, por
conhecê-la e confiar nela, você aceitaria ser colocado de maneira randômica,
aleatória.
Você
estaria coberto pelo que Rawls chamou de “véu de ignorância” em relação à
posição que lhe dariam, mas isso não seria um problema, uma vez que a sociedade
é justa.
Você não
acabaria numa favela. Você, onde quer que estivesse, teria acesso a escolas e
hospitais públicos de alto nível, e coisas do gênero.
É mais ou
menos o que acontece na Escandinávia. E é o oposto do que ocorre em lugares
injustos como o Brasil.
João
Victor, se nascesse na Dinamarca, estaria talvez andando de bicicleta agora.
Seria, como típico adolescente nórdico, alto, forte e saudável.
Mas ele
nasceu no Brasil. No amplo lado miserável nacional.
A ele coube
ser um menino que pede dinheiro na frente de um restaurante.
A ele coube
a invisibilidade social.
A ele coube
a morte aos 13. Arrastado. Arrastado. Como. Um. Saco. De. Cimento.
Não
choremos por ele lágrimas inúteis. Não fizemos nada por João Victor em sua vida
breve. Chorar agora, tão tarde, chega a ser uma ofensa à memória dele.
Choremos
por nós mesmos. Pelo nosso monstruoso fracasso em construir um país justo. Pela
nossa criminosa tolerância diante de tamanha desigualdade.
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É, não choremos mais por JOÃO VITOR.
Choremos por nós mesmos. Pelo nosso monstruoso fracasso em construir um país justo, um
município mais justo. Pela nossa criminosa tolerância diante de tamanha
desigualdade. Nada, ou pouquíssimo de verdade fizemos por eles, nada ou pouquíssimo
fazemos por eles.
E nosso intolerável silêncio
diante da impunidade que vitimou e vitima dezenas e dezenas de JOÃO VITOR
aqui em Açailândia do Maranhão.
Lamentar e remediar é que não adianta, mas tampouco omitir e
esquecer vergonhosamente, também a nada leva, a não ser mais omissão e
impunidade.
Crônicas de mortes anunciadas, assim estamos preparando o
futuro...
(Eduardo Hirata)
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