As reações às manifestações contra o aumento das tarifas de transporte
público revelaram uma face sombria do País
por José Antonio Lima — publicado 14/06/2013,
na revista Carta Capital.
O Brasil, ou melhor, sua classe política, mídia e polícia, está
moralmente falido. Talvez seja redundância fazer tal crítica a este País, em
que corrupção, violações aos direitos humanos e jeitinhos são regra, mas as
palavras (ditas e não ditas) sobre as manifestações contra o aumento das
tarifas de transporte público revelam que a falência moral chegou a um nível
mais profundo.
Após três dias de protestos, convocados pelo Movimento Passe Livre (MPL)
e marcados por condenáveis e lamentáveis vandalismos, estava claro que o clima
em muitas cidades, em especial em São Paulo, era de enorme tensão. Mesmo assim,
não faltaram palavras e atos para incitar a violência e desprezar a moderação.
Na quarta-feira 12, o Ministério Público de São Paulo tentou intermediar
um diálogo. Conseguiu do MPL o compromisso de cancelar os protestos em troca da
suspensão do aumento por 45 dias. O governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin (PSDB), e o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), ignoraram a
promotoria. Ao rejeitar o diálogo, os dois, Alckmin e Haddad, PT e PSDB,
referendaram a repressão policial contra os manifestantes. Governador e
prefeito devem ter feito felizes os defensores de mais repressão contra os
“baderneiros”, “arruaceiros” e “terroristas” .
Na mesma toada seguiu o governador do Rio de Janeiro. Nesta quinta,
Sergio Cabral (PMDB) tentou deslegitimar os protestos, ao captar um "ar
político" e não “espontâneo” nos protestos. Segundo ele, os “baderneiros”
não estavam ali para defender interesses públicos, mas sim para gerar um clima
de confusão.
A postura de Haddad, Alckmin e Cabral conta não apenas com a anuência,
mas com o apoio do governo federal. O ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo (PT), pediu na quarta-feira 12 à Polícia Federal o acompanhamento dos
protestos e, nesta quinta, deu a entender que tropas federais estavam à
disposição. “O governo federal está à disposição do governo de São Paulo e de
qualquer outro estado em que isso aconteça para apoiar naquilo que for
solicitado”.
Na rejeição à moderação e na tentativa de deslegitimar os protestos,
tucanos e petistas contaram com aliados em outras frentes. Em editoriais
publicados nesta quinta-feira, os jornaisFolha de S.Paulo e Estado
de S.Paulo clamaram por repressão policial. “É hora de pôr um ponto
final nisso. Prefeitura e Polícia Militar precisam fazer valer as restrições já
existentes para protestos na avenida Paulista, em cujas imediações estão sete
grandes hospitais”, afirmou a Folha. O Estadão, segundo
quem “chegou a hora do basta”, foi além. “Espera-se que [Alckmin] passe dessas
palavras aos atos e determine que a PM aja com o máximo rigor para conter a
fúria dos manifestantes, antes que ela tome conta da cidade”.
O PT, aquele partido que um dia defendeu direitos inalienáveis e hoje
larga a comissão de Direitos Humanos da Câmara na mão de um fundamentalista
religioso, contou com alguns de seus cegos fieis para deslegitimar os
protestos. Numa orgia de contradições e absurdos, blogueiros ditos
“progressistas” viram nas manifestações um complô contra o PT e criticaram
veemente até o direito a protestar.
Devidamente insuflada e autorizada a agir, a Polícia Militar, esta
excrescência do autoritarismo, fez o de sempre. Agiu de forma brutal e
descontrolada, violando princípios básicos de convivência e democracia. A Tropa
de Choque da PM começou a violência no centro de São Paulo, nesta quinta-feira.
Na rua Augusta, um policial da Rota atirou covardemente contra um grupo de
pessoas. Eram jornalistas da Folha de S.Paulo. Dois deles foram
feridos no olho, uma delas gravemente. Sérgio Silva, fotógrafo da agênciaFutura
Press, corre o risco de perder a visão de um olho após ser atingido também
pela PM. Vídeos mostraram outros ataques absurdos a jornalistas e a cidadãos que pediam "não à violência". O repórter Piero Locatelli, de CartaCapital,
foi detido de forma arbitrária, enquanto fazia a cobertura dos
protestos. O número de manifestantes que foram feridos e detidos pelas forças
de segurança talvez seja incontável.
Diante da crise de representatividade, escancarada pelo fosso existente
entre o poder público e a população, há cada vez menos formas legítimas de
as populações manifestarem suas indignações contra lobbys, bancadas
parlamentares temáticas e autoritarismo de gente eleita. Na Europa e nos EUA,
por meio do movimento Occupy, este fosso fora revelado. Este início de junho,
surgiu também na Turquia. Como em Istambul, o estopim era uma questão banal.
Lá, foi a destruição de uma área verde. Aqui, o preço da passagem de ônibus.
Em meio à crise e à
tensão, sobraram vozes para insuflar a violência e sufocar o debate sobre os
problemas do transporte. Talvez não haja retrato mais simbólico do
caráter de um país.
( Meu comentário:
São Paulo. Rio de Janeiro. Porto Alegre. Brasilia, abertura
da copa das confederações. Açailândia do Maranhão; delegada de polícia presa
por extorsão...
De verdade, a coisa tá feia no nosso Brasil, em nossa
Açailândia... Voltamos aos tempos romanos do “circo máximo”, e dá-lhe festa e
festa, no caso as copas e as olimpíadas, prá distrair a atenção do povo dos
problemas mais sérios, entre eles, nas situações acima citadas, os dos
descalabros das políticas de transporte público e de enfrentamento à violência
sexual contra Crianças e Adolescentes e do atendimento aos Direitos Humanos.
Mas tem mais, muito mais: o Brasil continua matando
indígenas, moradores de rua, sindicalistas, ambientalistas... Aqui em
Açailândia do Maranhão, nesta semana que passou o Centro de Defesa da Vida e
dos Direitos Humanos Carmen Bascaran acolheu uma dezena de trabalhadores, da
região de Bacabal, enganados, explorados, abusados por “empresários” vinculados
ao “programa Minha Casa Minha Vida”...
No caso da delegada de polícia da
mulher, Clenir Reis, como bem diz o Irmão Antonio Soffientini, comboniano, da
Paróquia Santa Luzia, o que se vê é “... toda a atenção nesse momento está focada (cumplice a mídia)em julgar a
delegada como o “mal” e o blogueiro como o herói que teve a coragem de denunciar.
Uma vez mais é silenciada e invisibilizada a realidade das vitimas que foram
abusadas. Delas não se fala. Não faz bem para a cidade falar do problema do
abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes e da ligação com o poder
econômico e politico, melhora não falar das vitimas, melhor esconde-las. Acho
muito grave isso, tanto quanto extorquir dinheiro para abafar casos...”
Ele pergunta, e eu também “...me
pergunto e pergunto para vocês qual seria o papel da sociedade civil nisso. O
que podemos fazer? Esperar que as investigações continuem e ficar calados?
Provocar um debate?...”.
Ou aqui em Açailândia do Maranhão,
como em São Paulo, Rio de janeiro, Porto Alegre ( e Turquia?...) sair às ruas,
ganhar as ruas?...
(Eduardo Hirata)
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