A indignação, sobretudo da juventude, aumenta na
proporção inversa da falência da política tradicional, que virou uma
despachante de interesses privados incapaz de responder aos problemas da
população
Jornal “Brasil de Fato”,14/06/2013
Daniel Cassol
A história se repete. Em Porto Alegre, a primeira
reação da parcela graúda da imprensa foi desqualificar os protestos contra o
aumento da passagem de ônibus e inflacionar os episódios de vandalismo,
ignorando a motivação dos que se manifestavam. Só que a cada novo ato havia
mais gente na rua, mesmo com o aumento da repressão policial. Até que a parcela
graúda da imprensa resolveu tentar entender porque os jovens estavam se
manifestando, para não ficar falando sozinha. Já era um pouco tarde.
Em São Paulo, na noite desta quinta-feira, vivia-se
ainda a fase em que a parcela graúda da imprensa fala sozinha e mostra que não
enxerga um palmo a frente do nariz. A Polícia Militar instala o caos, prende
pessoas por porte de vinagre, agride jornalistas, atira balas de borracha
contra quem está ajoelhado pedindo calma. Mijam sobre as pessoas e a imprensa
diz que é chuva. Mas o protesto foi maior, a população se indignou com a
violência e a cobertura já mudou.
Os discursos foram parecidos, repetiram-se as
polêmicas sobre os limites dos protestos, como se fosse possível organizá-los
como se organiza uma quermesse. Em Porto Alegre, a Justiça acabou determinando
a suspensão do aumento, a prefeitura acatou a decisão e as manifestações, em
parte, arrefeceram. Em São Paulo pode acontecer o mesmo, mas isso já não é mais
importante. O alto custo e a má qualidade do transporte coletivo nas grandes
cidades viraram mero detalhe nessa história.
As manifestações, que se iniciaram pela causa
específica do aumento da tarifa do transporte coletivo, têm como pano de fundo
esse processo que vai tornando as cidades cada vez mais hostis para as pessoas.
Gentrificação, elitização, higienização, cada um nome dá o nome que quiser. As
cidades estão se tornando lugares onde trafegam carros, se erguem
empreendimentos imobiliários, os pobres são mandados para longe e tudo o mais é
proibido. As pessoas estão se sentindo sufocadas e a reação óbvia é que cada
vez mais estão indo para as ruas – a maior arquibancada do Brasil.
A truculência com que agiu a Polícia Militar de São
Paulo veio mostrar que o Estado de exceção não é um exagero ideológico.
Ele ficou escancarado, como se fosse preciso, na detenção e agressão
desavergonhada contra jornalistas (em tese, a polícia teria mais pudores em
agredir a imprensa, mas não). Esse Estado de exceção faz, inclusive, com
que as manifestações ganhem novo significado. E tudo isso tem a ver com a Copa
do Mundo e com a Copa das Confederações, que começa neste fim de semana.
Porque a organização brasileira para estes megaeventos
esportivos não é nada mais do que um catalisador deste processo de exclusão
violenta que vem ocorrendo nas grandes cidades e sufocando as pessoas. E que
vem sendo utilizada como pretexto para a limpeza social e para a implementação
de várias medidas que devem ser chamadas pelo que são: autoritárias.
A tentativa de proibir o acarajé e as festas
juninas foi uma brincadeira de criança. Há coisas muito mais graves avançando a
passos largos em esferas oficiais. Deve ser votado até agosto deste ano um projeto
de lei que pode tipificar ações de movimentos sociais como terrorismo –
vinagre, então, será considerada arma química. Outra proposta em tramitação no
Senado quer definir alguns tipos de crimes que não poderão ser cometidos
especialmente durante o período da Copa, incluindo “limitações ao exercício do
direito de greve”. Em Minas Gerais, a Justiça já proibiu a realização de dois
sindicatos nestes dias de Copa das Confederações. Tudo para o país ficar pronto
para a “Copa de todos”.
Por isso, não enxerga um palmo à frente do nariz
quem continua achando que os manifestantes que estão aparecendo nas capitais
brasileiras são vândalos sem nada melhor para fazer ou que estão simplesmente
protestando pela redução na tarifa do transporte coletivo. As manifestações já
não são mais – se é que um dia foram – só por causa da passagem. O que já foi
chacota hoje é virtude: protesta-se contra tudo que aí está. Seja na Avenida
Paulista, seja nas vilas removidas. Contra o aumento, contra remoções forçadas,
contra a derrubada de árvores. As pessoas estão se manifestando, basicamente,
pelo direito de viver na cidade. E quase sempre alheias aos partidos, que,
assim como a parcela graúda da imprensa, não sabem o que acontece nem na
própria rua.
Qualquer semelhança com o que ocorre
em outras partes do mundo não é coincidência. A indignação, sobretudo da
juventude, aumenta na proporção inversa da falência da política tradicional,
que virou uma despachante de interesses privados incapaz de responder aos
problemas da população. Há um sopro de primavera no Brasil. E até a Copa,
tenham certeza, vai ser maior.
E aqui em Açailândia do Maranhão,
como andam “essas coisas”?
Tida pela revista semanal ‘veja’ (com
minúsculo mesmo...) como uma das futuras vinte metrópoles regionais brasileiras,
nosso município está com “o povo meio
parado”, como me diz um líder comunitário campesino.
“Tanta coisa ruim,
problemas de habitação, de saneamento que não tem, a saúde que prá tudo tem que
sair prá Imperatriz ou Teresina, a educação das crianças que não tem creche e
no total não tá essa boa que falam, a exploração sexual, o trabalho infantil,
os maus-tratos com as crianças, as
drogas e o tráfico tomando conta dos jovens, o estado das ruas, das estradas, o
transporte caro e precário, não dá prá falar em progresso com essa situação
toda...”, lamenta.
“ O pior é que o povo
anda como que anestiado, abestalhado, não tá nem aí, só quer saber de Açai
Folia, balada, show de cantor sertanejo, Copa das Confederações, Neymar... é a
volta do tempo dos romanos, do pão e do circo, não parece, seo Eduardo?”, concluiu.
Concordo em gênero, número e grau. E
como canta a música, “... tudo isso
acontecendo e nós aqui na praça dando milho aos pombos...”.
Ah, Açailândia!...
(Eduardo Hirata)