Rodolfo Garcia tem
três mestrados e já atendeu no Brasil entre 2002 e 2005. Ele elogia a vontade
do governo em apostar no Mais Médicos e afirma que segredo de Cuba é prevenção
Um ano antes de Brasil, Cuba e a Organização
Pan-americana de Saúde (Opas) firmarem o polêmico contrato que permitiu a vinda
dos cubanos para atuar no programa Mais Médicos, eles já se preparavam para
enfrentar os desafios da saúde pública brasileira. Um dos instrutores do curso
de formação que englobou ensino da língua portuguesa e realidade da saúde no
país foi o cubano Rodolfo Garcia, 50 anos, conhecedor dos sistemas de saúde das
duas nações.
Com 26 anos de prática médica, uma especialização,
três mestrados e um doutoramento recém-iniciado, Garcia trabalhou no Brasil de
2002 a 2005 e, agora, está de volta. Em Conceição do Araguaia, no sul do Pará,
atuou à frente do Programa de Saúde da Família (PSF). Orgulha-se de ter
melhorado a qualidade de vida de muitos idosos. “Tenho muitas saudades dos meus
velhinhos de lá”, disse à reportagem de Carta Maior, com lágrimas escorrendo
pela face. “Me apaixonei pelo povo brasileiro. E por isso voltei”.
Ciente de que em um país continental como o Brasil
os desafios da saúde pública são muito maiores do que na pequena ilha onde
vive, ele aponta como a experiência cubana poderá ajudar, disseca o
funcionamento do sistema de saúde baseado em prevenção, lista as doenças
transmissíveis já erradicadas da ilha e explica por que, em Cuba, os pacientes
não morrem na fila de espera por um leito. Ele também fala sobre suas
expectativas quanto ao Mais Médicos. “Com a vontade política que estou vendo
agora, vai no caminho certo”.
Rede
Brasil Atual: Em que circunstâncias você veio trabalhar no Brasil, na década
passada?
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Rodolfo Garcia - Foto: Bruno
Peres/RBA
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Rodolfo Garcia: Primeiramente, eu
vim para o Amapá, como consultor de atenção básica, na frente de um grupo de 40
médicos, que viriam em seguida. Fiquei uns três ou quatro meses, mas não deu
certo por causa da briga dos médicos de lá. Então, prestei um exame de proficiência
em língua portuguesa, fui aprovado, e segui para o Sul do Pará, em Conceição do
Araguaia, onde trabalhei com duas equipes de Programa de Saúde da Família
(PSF). Depois passei rapidamente por Tocantins, mas foi em Conceição do
Araguaia que fiquei mais tempo. E foi muito legal.
Me relacionei muito bem com as enfermeiras, com a
equipe e com a Secretaria de Saúde da cidade. Nós fizemos muita coisa boa na
reorganização da atenção básica às grávidas, às crianças, aos adolescentes, com
planejamento familiar. Mas a ação de maior impacto, em parceria com
organizações da sociedade civil, foi desenvolvida com um grupo de idosos. Eu
tenho fotos, revistas e jornais da época, que divulgaram tudo. O projeto se
chamava Agita Conceição. Nós começamos com poucos idosos, mas depois o projeto
foi crescendo muito. Nós chegamos a fazer desfile de moda com pessoas de mais
de 80 anos.
Então, era mais do que um programa de
atenção à saúde, nos moldes que conhecemos aqui?
Acontece que em Cuba a medicina familiar tem outro
conceito, um conceito muito social. Você olha a pessoa na consulta, depois você
visita a pessoa na casa dela, conhece os problemas da família e tenta ajudar de
algum jeito. Muitas vezes, as pessoas da terceira idade não são bem atendidas
pela família. Então, nós tentamos integrá-las. Em Conceição do Araguaia nós
fazíamos academia pela manhã, depois alguma atividade cultural, com muito apoio
das organizações de massa da região, da secretaria municipal de saúde, das
equipes de PSF. Nós íamos com os velhinhos à praia, fazíamos almoços coletivos,
atividades esportivas. Era muito, muito, muito legal. Eu tenho muitas saudades
da equipe, do pessoal da Secretaria de Saúde e dos meus velhinhos.
A barreira da língua não atrapalhava
o atendimento aos pacientes?
Eu me entendia muito bem com eles. E tenho certeza
que ocorrerá o mesmo com os colegas que estão chegando. Antes de vir para o
Brasil, eu fiz um pequeno curso de um mês. Depois, já no Brasil, estudei mais.
E toda a turma que está chegando agora já fez algumas aulas. E o curso de
acolhimento do Programa Mais Médicos está reforçando a fala portuguesa dos
médicos cubanos. Todos já conseguem entender tudo. E mais de 80% já estão
falando muito bem. E nós chegamos ao Brasil há poucos dias.
Você acredita que este programa vai
ajudar a melhorar a saúde pública brasileira?
Esse programa vai dar certo por causa da concepção
da medicina preventiva. Em Cuba, o médico geralmente mora onde moram seus
pacientes. Aqui também vai morar pertinho. A troca de experiências, a troca de
sentimentos, a humanização da saúde que nós temos, a forma com que nós fomos
formados vai ajudar a fazer acontecer. O médico vai acompanhar cada uma das
famílias, com enfermeiros, auxiliares de enfermaria e agentes comunitários de
saúde. O médico se converte em mais um membro das famílias.
É assim que trabalhamos lá. Fazemos um diagnóstico
da situação de saúde e, além disso, um levantamento das pessoas mais carentes,
as que mais precisam, que passam a ter prioridade. Então, o médico conhece a
problemática. É uma missão muito integradora das condições sociais, higiênicas
e epidemiológicas da região, das condições familiares, de mortalidade, das
causas principais porque as pessoas ficam doentes e dos fatores de risco que
condicionam isso. É uma medicina 100% trabalhada na prevenção, e não depois que
o paciente fica doente. É trabalhar para que a pessoa não fique doente.
A diferença do sistema de saúde
cubano tem a ver com a formação dos médicos, com essa visão mais integrada do paciente
com seu meio?
Eu tenho trabalhado em vários países e tenho visto
vários sistemas. A medicina cubana é preventiva, como eu falava. Nós olhamos
muito para os fatores de risco, para evitar que a pessoa fique doente. É o
princípio fundamental. Nós trabalhamos na prevenção e, se mesmo assim a pessoa
fica doente, trabalhamos com a prevenção de outras doenças, tanto
transmissíveis como não transmissíveis, para evitar as complicações. Além
disso, trabalhamos com a reabilitação das pessoas que já ficaram doentes e
ficaram com algum grau de incapacitação.
Foi o que fizemos com os idosos de Conceição de
Araguaia, além de aproveitarmos a oportunidade para falar da alimentação, dos
possíveis fatores de risco, dos problemas ou possibilidade que têm essas
pessoas da terceira idade de sofrerem quedas, depressão... E tentamos de todo
jeito apoiá-los. Eu fico muito emocionado quando falo porque tenho muitas
saudades dos meus velhinhos de lá [lágrimas escorrem pela face].
Conceição do Araguaia é uma cidade
pequena? É pobre?
Fica no Sul do Pará, na fronteira com Tocantins. É
uma cidade pequena, é pobre, mas não muito. Mas uma coisa que pude observar é
que lá as pessoas são felizes. Eu quero mandar um beijo muito grande e um
abraço muito grande para todos os meus amigos que ficaram lá. Quero muito
revê-los e ter notícias de todos.
Qual a sua especialidade médica?
Eu sou especialista em Medicina e Atenção à Saúde,
mestre em saúde mental, mestre em doença infecciosa e mestre em biossegurança.
Atualmente, trabalho em um instituto de pesquisa. Sou professor e sou
pesquisador. E comecei agora o doutorado. Passei minha vida toda estudando.
Você é casado? Tem filhos?
Tenho um filho que se formou agora em engenharia
mecânica. Sou divorciado e deixei em Conceição do Araguaia uma menina muito
legal... quero mandar um beijo para ela!
Então você viveu uma história de amor com uma
brasileira. Não teve vontade de desertar e ficar no país?
Eu sou muito apegado à família, a Cuba. Então, o
coração ficou dividido. Foi muito difícil, mas sou cubano e volto sempre para
Cuba. Eu posso trabalhar no Brasil dois, três, quatro, cinco anos, mas depois
quero voltar para Cuba, sempre. Esta é a realidade.
Quanto ganha um médico em Cuba? Os
salários que vocês receberão no Brasil, ainda que menores do que os pagos aos
médicos de outras nacionalidades, são atrativos?
O salário varia um pouco: algo entre 500 e 900
pesos cubanos. Se você converter para dólares, dá uns US$ 30, muito pouquinho.
Mas você tem que levar em conta que nós não pagamos seguro, saúde e educação.
Eletricidade, água e gás, é tudo bem pouquinho. Então, temos muita coisa
garantida. A verdade é que o salário tinha que melhorar um pouco, mas ter
muitas coisas asseguradas para nós e nossas famílias é melhor do que ganhar um
grande salário e não ter nada disso.
Mas eu quero deixar claro que não vim ao Brasil
ganhar dinheiro. Vim por solidariedade. Eu falo isso e ninguém compreende.
Nossa turma toda fala uma, duas, três, dez vezes, e as pessoas não compreendem
que não viemos aqui para ganhar dinheiro. Viemos para ajudar, por
solidariedade. Nós viemos aqui melhorar as condições de saúde das pessoas mais
carentes do Brasil. Dar um pouco de carinho, um pouco de afeto, de acordo com a
formação que recebemos em Cuba.
Em geral, é difícil para o brasileiro
entender isso. Mas o povo de Conceição do Araguaia com que o senhor conviveu
compreendia essa relação diferente que o cubano tem com a prática médica?
Ah, o povo não queria me deixar voltar para o meu
país. “O doutor não pode voltar para Cuba”, diziam. Eles fizeram muitas coisas
lindas para mim e fiquei muito emocionado, fiquei apaixonado pelas pessoas do
Brasil. Eu conheci muitas pessoas boas no Brasil. E por isso eu voltei. Por
essa experiência anterior tão boa. A diferença é que, agora, sou um
profissional com mais 10 anos de experiência.
Nesse meio tempo, você trabalhou só
em Cuba ou foi a outras missões internacionais?
Eu estive na África, por 2,5 anos, em Burkina Faso,
um pequeno país no oeste africano [região do deserto do Saara]. É muito difícil
trabalhar lá pelas condições climáticas: a poeira e a temperatura muito alta,
de até 52 graus. E muitas doenças, muitas doenças mesmo. Mas a gente vai
trabalhando, trabalhando, se tornando uma melhor pessoa, um melhor
profissional. A gente vai acumulando experiências para melhor servir.
Como está sendo essa nova e recente
experiência no Brasil?
O curso de acolhimento é de muita qualidade. Tem
professores muito bem formados. Antes de vir para o Brasil, como eu já estive
aqui, formei parte da turma que está vindo. Faz 11 meses que venho entrando no
site do Ministério da Saúde do Brasil para aprender tudo sobre atenção básica e
repassar para eles. Então, a turma já vem bem formada e agora está
recapitulando tudo aqui. Os professores estão muito contentes, porque estudamos
tudo previamente. Dei um curso de 11 meses, de português e doenças mais
frequentes que aparecem no Brasil.
E quais são as doenças comuns no
Brasil que vocês não têm em Cuba, em função da excelência do sistema de saúde e
da vigilância epidemiológica?
Em Cuba, temos muitos médicos. A cobertura do
sistema de saúde é de 100%. Essa é uma coisa muito boa, porque se pode fazer um
diagnóstico de saúde baseado na realidade que se tem no país. No Brasil, há
muita carência de médicos no Norte e Nordeste. São muitos municípios que não
têm médico nenhum. O Ministério da Saúde conhece a situação, mas a coisa mais
detalhada só se vai conhecer à medida que for dando cobertura nessas regiões.
Em Cuba, não há doenças transmissíveis, como malária, mal de chagas,
leishmaniose, acidentes ofídicos [acidentes por animais peçonhentos, como
cobras e escorpiões].
E a dengue?
Dengue tem em toda a América Central, mas Cuba é um
centro de referência para a Organização Pan-americana de Saúde (Opas). Antes
dos nós virmos para o Brasil, houve um congresso internacional no Centro de
Medicina Tropical sobre dengue. Lá é muito bem controlado porque há muita
vontade política. Todo mundo fica em cima do problema: os médicos, os agentes
de vetores, como chamamos lá. A direção do país coloca à disposição da saúde
todos os recursos para regular a dengue. E aí a doença se controla muito
rápido.
Outro problema grave que temos no
Brasil é a longa espera na fila por um leito no sistema de saúde pública, que,
muitas vezes, resulta em mortes de pacientes. Isso também acontece em Cuba?
Não. Já superamos isso. Há muito tempo não ocorre
um caso desses. Temos os médicos de família. Além disso, tem a policlínica, que
integra os consultórios. Esse é o nível primário. Depois, tem o nível
secundário, formado pelos hospitais ginecológicos, pediátricos e de clínica
geral. Além disso, tem os institutos de cardiologia, de nevrologia, o terceiro
nível. Então, as pessoas que precisam vão transitar por todo esse sistema,
sempre acompanhadas pelo médico da família. Pela organização, nós temos um
sistema de saúde de primeiro mundo.
O que falta para o Brasil atingir
esse nível de excelência, para ter uma medicina preventiva forte?
É preciso lembrar que o problema em Cuba é mais
fácil de controlar, porque é uma pequena ilha. Já o Brasil é quase um
continente. As coisas aqui são um pouco mais complicadas. Mas a vontade
política que estou vendo agora vai no caminho certo. O Brasil precisa de mais
médicos e precisa reconhecer que viemos por um contrato tripartite (Opas,
Brasil e Cuba) para trabalhar em parceria com os colegas brasileiros. Não
viemos tirar o trabalho de ninguém, o salário de ninguém. Nós vamos trabalhar
nas regiões mais carentes, onde não há médicos.
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Meu comentário:
Prá contribuir nesta polêmica toda
sobre o programa “Mais Médicos” e a importação, sobretudo de cubanos(as).
Lembrando que aqui em Açailândia do
Maranhão, a publicação do “currículo” e das atividades do secretário municipal
de saúde, Denison Lima Santos Gigante, filho da prefeita Gleide Lima Santos,
pela revista “Saúde News”, edição n.º 59,
e o “Jornal do Maranhão”, edição
527, pode ajudar a entender por que “faltam médicos brasileiros”...
Como escreveu “Val Social: ... o moço tem tantos empregos em diferentes
municípios que não se sabe como ele consegue comparecer em todos os lugares...”.
Ou ainda: observe-se que vários
empregos são “públicos”, e como consegue o onipresente médico secretário dar
conta de tantos cargos...
Que venham os(as) estrangeiros(as),
que venham os(as) cubanos(as)...