Padre Dario Bossi, Comboniano, da Paróquia Santa Luzia do
Piquiá, nos brinda, como sempre, com uma instigante e oportuna reflexão,
A saga/odisseia do povo do Piquiá de Baixo, Açailândia-MA.,
em busca do reassentamento para escapar da morte, assassinado pela fumaça, pelo
pó, pela muinha, pelo envenenamento do
ar, da água e do solo, chacinado pela poluição ambiental infernal.
Eu, por exemplo, pouco vou ao “distrito industrial do Piquiá”,
símbolo do “progresso” trazido pelas siderúrgicas, pela ferrovia, pela Vale,
pelo Grande Carajás...
Tenho enfisema, em dez minutos eu “me entupo”, a respiração
baqueia, é preciso correr, em busca ar
mais puro, mais fresco...
Mas vamos à bela porém enfática reflexão do Padre Dario, que bem demonstra o
momento de força e consciência do povo do Piquiá de Baixo... (Eduardo Hirata)
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A força da verdade
(Uma reflexão sobre o
que Piquiá de Baixo nos ensina...)
(Por Padre Dario Bossi)
As histórias que a
gente lê nos mantêm informados, e isso é justo.
Mas quando uma história
começa a se tornar familiar, a gente cria como uma amizade com seus
protagonistas, um vínculo que supera a informação fria, e isso é humano.
Hoje voltamos a falar
do povo de Piquiá de Baixo. Já devem ter ouvido muito sobre essa pequena
comunidade da pré-Amazônia maranhense, vítima há três décadas da poluição
siderúrgica e dos projetos devastadores da empresa Vale.
Há seis anos Piquiá
luta para fugir da poluição e passo a passo avança no lento e progressivo êxodo
rumo ao reassentamento. No xadrez dessa longa batalha, a Associação de
Moradores está aprendendo estratégias e experimentando ações para desbloquear a
indiferença e a hipocrisia dos poderes públicos e privados que enfrenta.
No final de fevereiro,
chegou de novo o momento de levantar a voz. Vários prazos e acordos assinados e
nunca respeitados venciam naqueles dias. Precisava mudar de marcha, depois de
meses de negociações, diplomacia, pressões políticas, campanhas midiáticas,
denúncias e manifestações de solidariedade em nível nacional e internacional.
Precisava de algo mais
forte e permanente. A Associação tinha se reunido várias vezes, semanas antes,
para decidir o que e como fazer. O desafio era vencer o medo de enfrentar os
poderosos, mas ainda mais superar com entusiasmo e paixão a desilusão dos
pobres.
As empresas dia e noite
vomitam gás, pó e barulho em cima do povo, aliadas e protegidas pelos poderes
públicos. Essa situação ainda não se resolveu também por causa da resignação
dos pequenos, que não têm energias para resistir muito tempo. Quando faltam
sinais de vitória e de futuro, eles abaixam a cabeça, ou fogem em busca de uma
outra vida.
Precisava de algo que
ao mesmo tempo despertasse opressores e oprimidos.
Era uma quinta-feira,
ao nascer do sol. Um velho carro de som passava pelas ruazinhas adormecidas e
empoeiradas de Piquiá de Baixo, acordando as pessoas: “Corram, rápido, todo
mundo na pracinha do povoado!”.
Das comunidades do
interior chegavam alguns reforços, organizados pelo MST e pelo Sindicato dos
Trabalhadores/as Rurais. A diretora da escola liberou os alunos da quarta série
e um bom grupo de crianças de uniforme alcançou o círculo de pessoas na praça,
que ia engrossando.
Meia hora depois, o
grupo era grande o suficiente para a ação não violenta planejada: fechar a
entrada das duas maiores empresas siderúrgicas bem em frente ao povoado, sem
deixar entrar nem sair os caminhões de minério, carvão ou ferro-gusa.
Por trinta horas as
pessoas resistiram, debaixo de uma chuva torrencial, seguida do forte sol
maranhense.
Passaram a noite,
enfrentaram a pressão da polícia e a arrogância dos gerentes das empresas.
Num momento de cansaço,
logo depois do amanhecer do outro dia, seu Florêncio pegou o microfone e com
sua voz fraca, interrompida pela tosse constante, leu um trecho do apóstolo
Tiago. Fitava os chaminés da empresa, como se estivesse falando com pessoas:
“Digo a vocês, ricos: suas riquezas apodreceram; seu ouro e prata está sendo
corroído pela ferrugem. Vocês condenaram e mataram o justo e ele não pode vos
resistir”.
Poucas horas depois,
chegou o presidente do sindicato patronal. Visivelmente nervoso, tinha deixado
a capital para alcançar, de avião, os manifestantes. Inicialmente com tom suave
e sedutor, declarava que as empresas há tempo eram sensíveis à causa do Piquiá
de Baixo e colaboravam com suas necessidades.
Chegou a definir-se
“parceiro” da comunidade. Dona Tida não aguentou mais e com firmeza e palavras
simples desvendou essa hipocrisia.
A falsidade è a pedra
angular da ganância a todo custo, pintado como motor do desenvolvimento de
regiões que continuam, porém, entre as mais pobres do País: bolsões de pobreza
e lixões da produção industrial sem escrúpulos nem limites, inevitáveis para as
firmas vencerem a concorrência e maximizarem o lucro.
Por outro lado, a
simplicidade e transparência das pessoas, que agem na verdade, mete medo e pode
realmente mover as montanhas. É o Satyagraha de Gandhi: “agarrar-se à verdade”,
que de fato nos liberta.
Sabendo da justiça de
suas ações, os moradores de Piquiá levantavam a voz e não recuavam nem de um
passo. Nenhum desconto às exigências de quem sofre!
Por uma vez, a firmeza
do povo venceu: resignado, o sindicado industrial assinou o acordo de pagamento
da indenização do terreno para o reassentamento. A terra prometida se
aproximava de alguns passos.
Falta ainda muito,
porém. Caros amigos/as de Piquiá, permaneçam atentos às vozes das periferias,
para que não venham a ser sufocadas.
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