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PIQUIÁ, Açailândia-MA: Um
inferno siderúrgico na Amazônia
O Piquiá, e sobretudo a
comunidade do Piquiá de Baixo, está na pauta, e não só local-regional, mas
nacional e mundial...
A seguir,um artigo de Mario Osawa, no site
Envolverde-SP.relatando história de um menino, assassinado queimado pela “muinha”,
sobras do “progresso” instalado naquele bairro- distrito industrial-
hiperpoluído.
Quando “o progresso”
chegou, encontrou o povo, de vocação agrícola camponesa. Veio a rodovia BR 222 Açailândia-Santa Luzia, contruída quando o
atual senador pelo Acre, e ex´-Presidente da República e do Senado, José
Sarney. E veio o “Projeto Grande Carajás” e nele embutido, a Estrada de Ferro
Carajás, a exploração do minério de ferro, as siderúrgicas...
Os meninos então (e
como hoje...) empinavam pipa, jogavam bola, e foi assim brincando, direito indiscutível
de Crianças, que o menino morreu, após um sofrimento indescritível...
Mas não foi só este
menino, houve outro, e mais recentemente, mais um...
Para os(as) “desenvolvimentistas”,
estas “fatalidades” soam como “os ônus do progresso”, o preço a pagar pelo
progresso do povo...
Relacionando com os
DCA/Direitos de Crianças e Adolescentes, e prá sentir como vão as coisas no “sentimento
público-governamental” de quem tem a obrigação de "cuidar do povo", a Articulação do Selo
UNICEF Município Aprovado Edição 2013-2016 e o COMUCAA/Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente de Açailândia-MA., marcaram uma reunião
com a Prefeita, Gleide Lima Santos, para as 1000 horas de ontem, sexta-feira,
07, mas ela cancelou à última hora, alegando que estava participando de uma
reunião na sede das Promotorias de Justiça, justamente tratando de “situação”
do povo do Piquiá de Baixo, mobilizado num protesto desde o dia anterior,
bloqueando acesso a siderúrgicas.
Mas a Prefeita não
participou da reunião nas Promotorias, foi representada pelo Procurador do
Município, e ainda frustou a reunião do Selo UNICEF ...
É assim, que nosso
governo, aliado ao capitalismo empresarial predatório, trata dos Direitos de Crianças
e Adolescentes, e dos Direitos Humanos...
Não é à tôa que meninos
continuarão a morrer queimados nas “muinhas”, ao buscarem suas bolas ou
pipas...(Eduardo Hirata)
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Terramérica – Um inferno siderúrgico
na Amazônia
(por Mario Osava*,
publicado no site Envolverde-SP, revista digital, 08/03/2014)
(Fotos do autor: * Florêncio
de Souza Bezerra aponta com o pé um punhado de carvão pulverizado,
perigosamente inflamável, na sarjeta de uma rua de Piquiá de Baixo. * Uma família sorri para a câmera
enquanto se protege do calor à sombra de uma árvore. A estrada a separa da
indústria de ferro gusa, que torna impossível a vida no bairro. * Uma rua de
Piquiá de Baixo danificada pela erosão, e as habituais casas deterioradas. Os
moradores esperam por um demorado reassentamento em uma área expropriada pela
justiça.)
Piquiá de Baixo, Brasil, 10 de
fevereiro de 2014 (Terramérica).
- “Meu sobrinho tinha oito anos
quando pisou na ‘munha’ (carvão pulverizado) e queimou as pernas até os
joelhos”, conta Angelita Alves de Oliveira neste pedaço da Amazônia brasileira
transformado em armadilha mortal para seus habitantes. O tratamento em
hospitais distantes não conseguiu salvar a criança, porque “seu sangue ficou
intoxicado, segundo o médico. Minha irmã jamais voltou a ser a mesma mulher.
Perdeu seu filho mais novo”, disse a professora Oliveira. Seu marido também foi
vítima dessas queimaduras, como comprovam as cicatrizes em suas pernas.
A munha ou “moinha”, segundo o
dicionário siderúrgico português, é o pó de carvão vegetal resultante da
produção de ferro gusa, material intermediário na obtenção de aço, que fez de
Piquiá de Baixo, na faixa oriental da Amazônia brasileira, um caso trágico de
contaminação industrial. Trata-se de um bairro da zona rural de Açailândia,
município do Maranhão, que nasceu com os acampamentos de operários que se
instalaram em 1958 para construir a rodovia Belém-Brasília, um eixo centro-norte
de desenvolvimento e integração do Brasil, que gerou muitos desastres
ambientais e sociais.
A ferrovia inaugurada em 1985 para
transportar minério de ferro da gigantesca mina na Serra de Carajás, selou o
destino de Açailância como entroncamento e polo siderúrgico. Piquiá de Baixo
ficou cercado por cinco unidades produtoras de ferro gusa, pelos trilhos e por
grandes armazéns de minérios. Enquanto isso, o carvão vegetal para alimentar as
caldeiras siderúrgicas se somava à pecuária para fazer de Açailância um foco de
desmatamento e trabalho escravo.
Essas chagas diminuíram diante da
repressão estatal e diferentes pressões. Mas a contaminação em Piquiá se
agravou, segundo testemunhos colhidos para esta reportagem. O resíduo
pulverizado de carvão continua ameaçador. A secura o torna inflamável a um
ligeiro toque. Isso custou a vida do sobrinho de Angelita em 1993, quando
poucos conheciam o quanto é letal esse pó negro. As pessoas ficaram cautelosas
e os acidentes menos frequentes, mas não acabaram. Outra criança, de sete anos,
se queimou até a cintura em 1999 e agonizou durante três semanas.
“Vi gado incinerado”, disse Florêncio
de Souza Bezerra, que foi camponês e agora é membro ativo da Associação
Comunitária de Moradores de Piquiá, onde vive há dez anos com nove filhos e
dois netos, em uma casa grande de madeira e amplo quintal. Os montículos de
munha podem ser vistos nas ruas por onde passam os caminhões das siderúrgicas e
em pelo menos um depósito a céu aberto no qual este repórter entrou sem
encontrar nenhum controle.
Porém, a queixa mais frequente dos
moradores é contra o ar envenenado. “Há pouco mais de um ano morreu uma menina
com pó de ferro nos pulmões e câncer, depois de 15 dias na terapia intensiva”,
recordou Florêncio. Na pequena praça do bairro, o ativista vai apontando as
casas cujos moradores morreram de doenças respiratórias. Angelita contou que um
“exame mostrou manchas em meus pulmões há um ano, e o médico me acusou de fumar
quando jovem, mas nunca coloquei um cigarro na boca”.
Ela deseja dar “uma esperança de vida”
às suas netas, que vivem aqui “ingerindo contaminação 24 horas por dia”. “Já
vivi bastante, mas minhas netas não”, afirmou, aos 61 anos de idade, mais de 30
dedicados ao ensino. Sua casa fica ao lado da Gusa Nordeste, uma das cinco
unidades produtoras de ferro gusa. A situação se agravou “há dois anos”, quando
a empresa começou a produzir cimento, segundo ela, lançando um pó negro que
suja tudo em segundos e, em algumas madrugadas, torna impossível ver sua casa
da estrada, a apenas 30 metros de distância.
Para a empresa foi um avanço, porque
se trata de aproveitar a escória do alto forno como matéria-prima, evitando uma
volumosa quantidade de dejeto e abastecendo o mercado local da construção com
um produto que antes era preciso trazer de longe. A Gusa Nordeste destaca sua
responsabilidade ambiental porque emprega a munha como combustível,
economizando carvão granulado, e o gás derivado da produção de ferro gusa é
usado para gerar toda a energia elétrica que a empresa precisa.
Porém, a realidade reconhecida pela
justiça, por várias autoridades e inclusive pela indústria, é que a
contaminação do ar, da água e da terra torna inviável manter Piquiá de Baixo no
local onde nasceu, há mais de 40 anos. Já há uma proposta aprovada pela justiça
e pela câmara municipal para reassentar as 312 famílias que restam em Piquiá de
Baixo, em um terreno de 38 hectares a seis quilômetros da atual.
Em dezembro, a justiça ordenou a
expropriação da área e fixou seu valor no equivalente a US$ 450 mil, mas o dono
exige quatro vezes essa quantia, e assim se prolonga a agonia para os moradores
de Piquiá. A própria comunidade elaborou um projeto urbanístico, que inclui
casas, escola, praça, lojas e igrejas, explicou Antonio Soffientini, membro da
Justiça Nos Trilhos, uma rede de dezenas de organizações que apoiam a população
afetada pelo “sistema Carajás”.
Na Serra de Carajás, a empresa Vale,
que foi privatizada em 1997, extrai cerca de 110 milhões de toneladas anuais de
minério de ferro, que percorrem 892 quilômetros em trem até o porto Ponta da
Madeira, em São Luis, capital maranhense, para ser exportado. Uma pequena parte
fica em Açailância. Como provedora da indústria local de ferro gusa, a Vale tem
responsabilidade direta na contaminação, acusa a organização Justiça Nos
Trilhos.
“Poderia suspender a entrega do
minério até a indústria instalar filtros e pôr fim ao drama de Piquiá”, opinou
Antonio, missionário italiano do movimento católico comboniano. Isso geraria
uma crise de desemprego em Açailância, advertiu Zenaldo Oliveira, diretor
global de Operações Logísticas da Vale. Este polo siderúrgico já vive uma queda
de atividades desde 2008.
Os seis mil empregos que oferecia
nessa época caíram para atuais 3.500 atuais, segundo Jarles Adelino, presidente
do Sindicato dos Metalúrgicos de Açailândia. Ele se queixa dos altos preços que
a Vale impõe à matéria-prima, que representam metade dos custos do ferro gusa.
No entanto, isso não se reflete na cidade, que exibe hotéis e sinais de
prosperidade. É que várias obras próximas oferecem trabalho temporário,
explicou Jarles, e cada emprego em uma produtora de ferro gusa gera dez postos
indiretos. (Envolverde/Terramérica)
(* O autor é
correspondente da IPS.)
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