(Por: José Carlos Lassi
Caldeira, médico)
O medo de dizer não aos filhos, aos
irmãos, aos amigos, nos dias hedonistas atuais, onde a regra é mostrar-se
sempre "bem" e demonstrar ao respeitável público do facebook que se
está sempre no gozo dos prazeres da vida, tem contribuído para a deturpação dos
valores, para a não aceitação de limites, para o desrespeito dos direitos dos
próximos e para a desorganização do tecido social. Hedonismo, aqui usado, não
no sentido filosófico-epicurista, da busca necessária e genuína do prazer como
recompensa de um esforço, mas no sentido do prazer pelo prazer, do
demonstrar-se sempre feliz, independente das circunstâncias.
Meu ilustre colega psiquiatra, José
Sebastião, certa feita disse-me: "O caráter molda-se no não. Ele dá a
dimensão dos direitos e deveres". Na verdade, a compreensão do
"não" constitui a primeira introjeção do conceito de lei, da noção do
espaço pessoal -- inviolável sem a permissão do outro e dos nossos deveres com
relação aos direitos da coletividade.
Se à criança não é ensinado o valor
do não, teremos, com muita probabilidade, adolescentes e adultos com desvios de
condutas e, como consequência, a violência que hoje é, no Brasil, a maior causa
de mortes entre jovens. Homicídios, acidentes de trânsito, suicídios,
principalmente entre homens jovens em idade produtiva, são responsáveis por
quase 10% do total de mortes anualmente no país: muito mais que numa guerra.
A violência é gerada por conflitos
onde uma ou mais partes não cedem: não foram educados para aceitar as
frustrações e os impedimentos. Não contemporizam, não compreendem e nem aceitam
princípios, o que leva a comportamentos sugestivos de psicopatologias das mais
variadas magnitudes.
Na adolescência, com o inevitável
contato com o mundo fora de casa e com o complexo de super-homem, surgem
pesadamente as consequências da ausência das negativas e, em muitos casos, o
uso de drogas lícitas e ilícitas na tentativa de aplacar as dores e os desequilíbrios
afetivo-emocionais. Não apenas o álcool, a maconha, a cocaína e o crack, mas
também o uso indiscriminado e cada vez mais irrestrito de antidepressivos,
ansiolíticos, antipsicóticos etc.
A consequência do uso abusivo dos
entorpecentes é o advento frequente de condutas antissociais, as agressões às
famílias, os comportamentos esquizoides. Os extremos dessas condutas perversas
são o que mais se vê na maior parte do tempo dos nossos telejornais, na forma
de matricídios, homicídios, latrocínios e agressões de toda ordem (isso tem
viciado muito a audiência, aproximando-a ou do pânico ou da indiferença ou do
sadismo).
As outras drogas citadas, vendidas
geralmente com prescrição médica, vêm sendo usadas em uma escala
impressionante, mesmo em depressões reativas, como nas perdas, para
desfavorecer a tristeza, o pesar, a tolerância. O hedonismo não permite mais a
dor, o luto, o arrependimento. Como contraponto, provoca o riso sem a graça, o
achar-se iluminado quando tudo está escuro.
Vivemos uma época de trevas onde
impera o sim. E caminhamos celeremente para uma época em que teremos muitas
saudades de um não bem dito: ene-a-o-til. Dever-se-ia buscar entre tese e
antítese uma hipótese que permitisse o sim e o não viverem em harmonia,
principalmente na educação das novas gerações.
(Fonte: Portal da ANDI/Agência
de Notícias dos Direitos da Infância)
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