Enquanto “aproveitamos”
o carnaval, a Vale segue seu plano, de exportar milhões a mais de toneladas de minério
de ferro e outras riquezas minerais, através da duplicada estrada de ferro
Carajás (EFC), até 2018.
E Açailândia do
Maranhão, de “carona” nesse grande “progresso”, fruto do “PGC/Projeto Grande
Carajás” busca realizar a predição da
revista Veja, de que muito breve será uma das 20- vinte- metrópoles regionais
brasileiras...
Enquanto isso, quem
paga o “ônus do progresso”? Quem morre atropelado, ou tem seu gado atropelado, ou
sua moradia rachada, ou sua comunidade ferozmente impactada: o barulho, o vai e
vem de caminhões e máquinas pesadas, o
treme-treme, as centenas de trabalhadores forasteiros...
Em verdade, trinta anos
de EFC, e tal do progresso transformou em quê, no quê, as realidades do
Distrito Industrial do Pequiá, aqui em Açailândia; ou das comunidades de Nova
Vida, Presa de Porco, ou as apontadas no artigo a seguir, da revista Carta
Capital?
(Eduardo Hirata)
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Brasil profundo
Ferrovia e mineração,
casamento impotente diante da pobreza brasileira
Três décadas depois de
sua construção, o corredor de Carajás continua sendo provedor de mão de obra
barata para regiões mais prósperas e grandes projetos amazônicos
(por Envolverde — publicado 03/03/2014, na revista Carta
Capital)
(na foto, de Mario Osava/IPS, vendedores informais oferecem
comida e bebida aos passageiros da Ferrovia Carajás, na estação de Alto Alegre
de Pindaré, no noroeste do Estado do Maranhão)
A Ferrovia Carajás,
considerada a mais eficiente do Brasil, mantém um serviço de passageiros que
lhe causa perdas, para beneficiar a população. Porém, isso pouco alivia seu
pecado original: nasceu para exportar minerais, cruzando uma região de pobreza
crônica. Três décadas depois de sua construção, o corredor de Carajás, por onde
passa um terço do minério de ferro exportado pelo Brasil, continua sendo
provedor de mão de obra barata para regiões mais prósperas e grandes projetos
amazônicos, segundo a IPS constatou ao percorrer a área.
Auzilândia, povoado de
12 mil habitantes e humildes casas dos dois lados dos trilhos, “fica vazia” ao
final de cada ano, segundo Leide Diniz. Seu marido foi, “pela segunda vez”,
para o Estado de Santa Catarina, mais de três mil quilômetros ao sul, viajando
três dias em ônibus. Deixou seus três filhos com ela em novembro, para
trabalhar em um restaurante durante a temporada turística de verão. “Ganha e
volta”, se conforma a mulher, porque “aqui não tem emprego”, explicou.
Uma corrente
estabelecida há alguns anos leva para Santa Catarina a maioria dos
trabalhadores errantes de Alto Alegre do Pindaré, município de 31 mil
habitantes onde fica Auzilândia, no interior do Maranhão, Estado de transição
do semiárido Nordeste do país para a Amazônia.
O Maranhão, por onde
passam dois terços dos 892 quilômetros da Ferrovia Carajás, continua enviando
trabalhadores para muitas regiões do país, em geral para tarefas temporárias ou
precárias, como mineração de ouro artesanal na Amazônia ou corte de cana-de-açúcar.
Também é a principal origem das vítimas da escravidão moderna, especialmente na
pecuária e no carvão vegetal. Seu Índice de Desenvolvimento Humano está em
penúltimo lugar entre os 27 Estados brasileiros, e sua renda por pessoa está em
último.
A Ferrovia Carajás e
sua empresa concessionária, a transnacional brasileira da mineração Vale, terão
uma nova oportunidade para ajudar o desenvolvimento local. Está em andamento a
duplicação de seu traçado, até agora de via única, e da extração na Serra de Carajás,
no Pará. A partir de 2018, serão extraídos 230 milhões de toneladas anuais do
minério de mais alto teor de ferro do mercado mundial.
A ampliação se estende
ao porto de águas profundas Ponta da Madeira, em São Luís, capital maranhense,
por onde é exportada a produção de Carajás, que compreende também manganês,
cobre e outros minerais, e que converte a Vale na segunda empresa mundial do
setor. O investimento exigido é de US$ 19,5 bilhões, a maior parte em
logística.
Em seu apogeu, a
construção empregará 8.645 trabalhadores, segundo a Vale. Os empregos
permanentes, quando entrar em operação a duplicação da ferrovia, serão 1.438 e
a prioridade é contratar gente local, promete a empresa. Uma fraca alavanca
para o desenvolvimento em um corredor tão extenso. A ajuda mais significativa
virá de investimentos sociais da empresa, cujo lucro está entre os maiores do
Brasil.
Um novo projeto de lei
sobre mineração, que será aprovado este ano, forçará a que uma pequena parte
desse dinheiro beneficie os municípios que sofrem os impactos diretos de sua
atividade. Para garantir esse e outros recursos e aproveitá-los melhor, os 23
municípios do Maranhão pelos quais o trem passa se juntarão para coordenar suas
ações e sua relação com a Vale.
A empresa fez um
diagnóstico de interesses econômicos locais, com o desenho de “projetos para
cada microrregião ao longo da ferrovia”, informou o diretor de Operações
Logísticas da Vale, Zenaldo Oliveira. Em uma comunidade pode-se adequar uma
fábrica de farinha de mandioca, e em outra, fruticultura e sucos, citou como
exemplo. A Vale, fundada pelo Estado em 1942 e privatizada em 1997, só apoia
iniciativas em educação, saúde e geração de renda, detalhou Oliveira, pois é
onde estão as maiores carências que travam o desenvolvimento local.
Atualmente, com apenas
uma via para os dois sentidos, 12 trens de carga ligam diariamente Carajás com
São Luís. Afirma-se que são os mais longos do mundo, com 330 vagões, quatro
locomotivas e cada um carregado com mais de 30 mil toneladas de minerais, mais
de cem milhões de toneladas por ano. Os trens voltam carregados de
combustíveis, fertilizantes e outros produtos de consumo no interior.
Os trens de
passageiros, a preços subsidiados porque “a população local não pode pagar seu
custo real”, é “um benefício social” de transporte barato e permanente em uma
região onde as chuvas costumam fechar estradas, pontuou Oliveira. Em suas 15
paradas, especialmente em Alto Alegre do Pindaré, uma multidão de vendedores,
na maioria mulheres, se aproxima das janelas para oferecer água gelada e
alimentos aos 360 mil passageiros anuais da ferrovia.
Esse precário sustento
pode desaparecer com o novo projeto, porque os vagões terão ar-condicionado e
suas janelas permanecerão fechadas. “Buscaremos soluções” antes da substituição,
talvez organizando cooperativas de fornecedores, disse o diretor da Vale.
Em Alto Alegre opera há
tempos a Cooperativa de Trabalhadores e Vendedores, cuja fundação a Vale apoiou
e que chegou a vender comida na cantina do trem há dez anos, mas “por pouco
tempo”, segundo sua diretora, Alice Cunegundes, de 58 anos e três filhos.
Depois a Cooperativa, que chegou a ter 93 sócias, fornecia até três mil
refeições diárias à prefeitura, até que o atual prefeito, eleito em 2012,
cancelou o acordo, “prejudicando a iniciativa”, lamentou.
Apoiar os
empreendedores, melhorar escolas e capacitar milhares de operários são algumas
das ações sociais e ambientais da Vale e de sua Fundação. No entanto, “são
projetos pontuais, que não incentivam o desenvolvimento efetivo do território”,
ressaltou George Pereira, secretário-executivo da Associação Comunitária
Itaqui-Bacanga, cuja fundação e sede, também “produtos de investimentos sociais
da Vale”, servem aos 58 bairros em torno do porto Ponta da Madeira.
Além disso, estão longe
de compensar os danos à população do corredor de Carajás, segundo a Justiça
sobre Trilhos, campanha de movimentos sociais e religiosos que defende direitos
das populações afetadas pela ferrovia. Em 2012, suas denúncias e as da
Articulação Internacional dos Afetados pela Vale conseguiram atribuir à empresa
o prêmio Olho Público, criado por organizações internacionais como Greenpeace
para apontar as transnacionais que mais violam os direitos humanos e as normas
ambientais, segundo milhares de votantes.
Acidentes fatais,
contaminação com pó dos minerais e rachaduras nas casas próximas à via são
alguns desses impactos. A ferrovia paga seus próprios pecados e os de sua
parceira perfeita, a mineração de ferro.
Também faz parte do
Programa Grande Carajás, um conjunto de empresas de mineração, aço, alumínio,
celulose, pecuária e hidroeletricidade com que o governo pretendeu desenvolver
a Amazônia oriental nos anos 1980. Esse programa deixou desmatamento acelerado,
contaminação letal onde se concentrou a indústria do ferro gusa, trabalho
escravo e outras violências, enquanto o desenvolvimento humano pouco avançou,
segundo as estatísticas.
Acidentes, apesar das
medidas de segurança
Os avós trabalhavam na
plantação, a mãe descascava arroz no pilão e o irmão mais velho cortava o
cabelo. Ninguém se deu conta de que o menino de 15 meses cruzou o quintal
engatinhando, atravessou o portão e chegou aos trilhos, a poucos metros de
distância. Assim contou Leidiane de Oliveira Conceição a tragédia que lhe tirou
seu filho. “O trem da Vale para mim é só perda. O pior foi matar meu neto, mas
também tive atropeladas 14 vacas prenhas de uma só vez”, acusou o avô,
Evangelista da Silva, que também reclama uma indenização pela terra que a
ferrovia ocupou.
Os trens da Vale são
considerados os mais seguros do Brasil. A segurança inclui cancelas
eletrônicas, viadutos, campanhas de informação e rondas de 24 horas de
vigilantes que retiram “mais de 80 pessoas por mês” de situações de risco, como
bêbados e deficientes visuais, segundo Elmer Vinhote, supervisor do Centro de
Controle de Operações da Ferrovia Carajás. Os atropelamentos e choques caíram
de 20, em 2009, para “três ou quatro” por ano atualmente, assegurou.
Mas os desastres e as
disputas judiciais parecem inevitáveis. A mãe de Mario Farias morreu atropelada
em 1996 e ainda não chegou a indenização. Em Auzilândia, um idoso bêbado foi
salvo pela “ronda” há alguns meses, segundo moradores locais. Dezenas de
famílias se queixam de rachaduras em suas casas, devido à construção de um
viaduto sobre os trilhos e pedem novas casas, mais longe, ou uma indenização.
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