Reprodução dedicada a
quem, em Açailândia do Maranhão e no
Brasil, se empenha em “tascar a lenha em nosso país”, falando mal de tudo, do
Bolsa-Família à copa do mundo de futebol
(competição esportiva, espetáculo, entretenimento, e não uma guerra
santa...)...
E cumprimentando a Professora Isabel Tessmer, que recentemente
comentou sobre o assunto no facebook.
(Eduardo Hirata)
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A ideologia do fracasso
Sem ufanismo, mas também sem catastrofismo. Para isso, ajuda
muito um bom jornalismo.
(Por Celso Vicenzi, no
jornal “Brasil de Fato”, SP, 04/07/2014)
Manchete da Folha
de São Paulo de domingo, dia 29 de junho, após a vitória brasileira
nos pênaltis contra o Chile: “Júlio César e trave salvam Brasil de vexame em
casa”.
Há muito tempo – mas
cada vez mais – os maiores veículos de comunicação do país têm feito escolhas
editoriais que procuram menosprezar os avanços sociais e criar um sentimento de
derrota, em todas as áreas. Tentaram de tudo para transformar a Copa do Mundo
num pesadelo nacional e não pouparam más notícias. Algumas catastróficas (caos
aéreo, imobilidade urbana, violência etc).
A Copa não foi um
primor de organização, mas está longe de comprometer o espetáculo. Pelo
contrário: os estádios estão cheios, os turistas e torcedores – exceções à
parte – só têm elogios para o clima de alegria e fraternidade. Os imprevistos
são aqueles comuns a qualquer grande evento em qualquer lugar do mundo.
Os gastos com estádios,
que pareciam fora da realidade, revelaram-se bem menos exorbitantes do que a
imprensa tentou incutir entre os brasileiros. Segundo a própria Folha, o
equivalente a uma semana do que se investe em educação no país. E parte do
dinheiro investido é empréstimo e retornará aos cofres públicos.
Quase nenhuma
reportagem abordou as vantagens de sediar a Copa, os empregos gerados, os
investimentos realizados na infraestrutura, que irão permanecer. E mais do que
tudo: quanto vale uma imagem positiva do país, como esta que parece que os
turistas e as seleções que aqui estiveram estão levando a seus países? Quanto
vale ser o centro da atenção do mundo por 30 dias? Quanto vale mexer com a
autoestima de um país? E, aqui, não me refiro ao desempenho da seleção, mas à
alegria de receber elogios à nossa hospitalidade, às belezas do país, às
virtudes de nosso povo.
Vale muito. E é por
isso que a Folha – aqui apenas como exemplo, pois representa o pensamento de
boa parte da nossa mídia – exagera e tenta criar na população brasileira, em
contraponto à autoestima que vive neste momento, um clima de menosprezo ao seu
país.
Perder um jogo, ainda
mais em Copa do Mundo, desde que não seja por um placar elástico, nunca foi nem
nunca será um vexame. Temos a mania de achar que, sobretudo no futebol,
qualquer adversário é fácil de ser batido. Mais do que isso: não basta vencer,
é preciso dar show, é preciso dar olé. Nas derrotas, dificilmente o brasileiro
reconhece as qualidades do time adversário, preferindo encontrar culpados: o
treinador, o goleiro, um ou mais jogadores.
Nesta Copa, o último
campeão – a Espanha – não passou da primeira fase e foi fragorosamente
derrotado por 5 a 1 na estreia. Depois de vencer a Copa de 1998, no mundial
seguinte, a França também não passou da primeira fase, perdendo dois jogos e
empatando um. Saiu do mundial sem ter feito um único gol. Imaginem se
fosse o Brasil!
A seleção brasileira
não tem a obrigação de vencer a Copa porque joga em casa. É apenas um dos
favoritos. Das 19 Copas já realizadas, em apenas seis o campeão foi o país
sede: Uruguai em 1930, Itália em 1934, Inglaterra em 1966, Alemanha Ocidental
em 1974, Argentina em 1978 e França em 1998. Ou seja, ganhar em casa é exceção.
A disseminação do
espírito “vira-lata”, como bem o definiu o escritor Nelson Rodrigues, do país
que nunca faz nada certo, o exagerado endeusamento de outros países, resquícios
de uma nação que foi colonizada, tudo isso ganha amplitude em boa parte da
mídia brasileira. A crítica é fundamental, mas a manipulação de fatos com
interesses políticos e econômicos torna-se evidente, em milhares de exemplos no
cotidiano de boa parte de nossas emissoras de rádio e TV, revistas e jornais –
agora também em portais mantidos pelos principais veículos de comunicação.
Temos grandes problemas
a resolver no país, entre eles a necessidade de democratizar os meios de
comunicação – o que tendenciosamente a mídia traduz por censura, omitindo que
vários países democráticos impedem tamanha concentração da propriedade dos
meios de comunicação e impõem regras que levam em consideração muito mais o
interesse da população do que o dos donos desses veículos.
A ideologia do
fracasso, do “vira-latismo” – já quase uma ciência! – gera na população a falsa
ideia de que tudo de pior que acontece no mundo ocorre com mais intensidade no
Brasil. No entanto, não somos o país mais corrupto, embora sejamos um dos mais
desiguais. Segundo a ONG Transparência Internacional, o Brasil ocupa a 72ª
posição entre 177 países. Apesar de ser a sétima economia do planeta, é o 12º
com maior desigualdade – o quarto na América Latina. E quando se instituem
programas como o Bolsa Família, elogiado pela ONU como exemplo no combate à
miséria, a desinformação e a omissão da mídia levam boa parte da população a
considerá-lo apenas um programa eleitoreiro ou um gasto desnecessário e sem
resultado.
Embora não se diga,
setores poderosos da economia e da política brasileira, da nossa elite, têm
muito a ganhar com a corrupção. A honestidade tem um custo que nem todos estão
dispostos a pagar. Gostamos de alardear a meritocracia num país que se
notabiliza pelo apadrinhamento das relações, já amplamente estudado por vários
sociólogos e intelectuais.
Por vias tortas, o
Brasil vive um momento peculiar da sua história, marcada até aqui
principalmente por um passado colonialista, escravocrata e ditatorial. Vivemos
o mais longo período democrático e estamos aprendendo a enxergar o que de fato
impede a criação de um país mais justo e com melhor qualidade de vida. Durante
séculos, tentaram culpar o povo – miscigenado, analfabeto, ignorante, malandro
– pelo “atraso”. Hoje, está mais claro que nos falta uma elite disposta a
empoderar o povo, libertá-lo da opressão e da exclusão em que vive, derrubar
privilégios entre os mais ricos e dividir a riqueza para que alcancemos o
desejado patamar de um país com mais justiça social, melhores serviços públicos,
mais qualidade de vida e menos violência (sem esquecer que a desigualdade
social é a maior de todas as violências).
Contra a ideologia do
fracasso, das frases feitas do tipo “aqui nada dá certo”, “o Brasil é assim
mesmo”, “o governo não faz nada”, “o brasileiro não trabalha”, “o povo não sabe
votar” e outros chavões, há que se disseminar um sentimento de construção, de
valorização do que temos de melhor, de crítica ao que precisamos mudar, mas,
sobretudo, de responsabilidade pelo país que somos.
Sem ufanismo, mas
também sem catastrofismo. Para isso, ajuda muito um bom jornalismo.
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