(Informe de Eduardo Hirata, da Secretaria Executiva do Fórum DCA Açailândia - Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán)
Em tempos de férias
escolares, copa do mundo de futebol e a televisão, aberta e por assinatura,
massificando na maioria dos lares brasileiros, com a audiência de milhões de
Crianças e Adolescentes, a propaganda e o consumismo exageram...
Mas pouc@s de nós “estamos
aí” para a questão, quer dizer, para o debate sobre “benefícios mas sobretudo
malefícios” da propaganda, tanto a específica, infantil, como a geral, sobre
nossa Infância e Adolescência.
Para refletir sobre o
assunto, segue um artigo da “Carta Capital”:
· Fabricando consumidores
Proibição do Conanda à
publicidade infantil
é ignorada. Para especialistas, falta
de maturidade das crianças as torna
um público mais suscetível ao
apelo das marcas
(Por Thais Paiva, da ‘Carta
Fundamental’ –edição n.º 59, revista Carta Capital, SP)
Elas participam de 80% das decisões
de compra da família, segundo a Interscience, e passam, em média, 5 horas e 22
minutos diários em frente à televisão – o tempo, estimado pelo IBGE, é superior
ao despendido em período escolar no Brasil ou no convívio com os pais. São elas que apresentam aos familiares novos
produtos e os informam sobre o que está ou não na moda. Em outras palavras, as
crianças são um importante e rentável alvo para os anúncios publicitários e
outros tipos de comunicação mercadológica. O fato pode ser constatado pela
quantidade de personagens de desenhos e filmes infantojuvenis que estampam
marcas de roupas, brinquedos, materiais escolares e produtos alimentícios. A
mensagem dos comerciais é invariavelmente a mesma: as crianças mais felizes e
populares são aquelas que possuem determinado item. E, claro, os bons pais,
aqueles que presenteiam seus filhos com ele.
Pauta constante nas casas e escolas,
a discussão acerca da publicidade e do consumismo infantil ganhou novo fôlego
em março deste ano com a aprovação da Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente, o Conanda, órgão vinculado à Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República. O texto passa a classificar
como abusivas todas as formas de publicidade dirigida às crianças e
adolescentes. Combinada ao artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, que
prevê como abusiva e ilegal a publicidade que se aproveite da deficiência de
julgamento e experiência da criança, a resolução tem força para proibir a
veiculação desse tipo de propaganda. Segundo o documento, estão banidas
quaisquer comunicações mercadológicas com intenção de persuadir esse público ao
consumo, utilizando-se, entre outros, de uso de linguagem infantil, efeitos
especiais, excesso de cores, trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas
por vozes de criança e participação de celebridades e personagens com apelo ao
público infantil.
A resolução, porém, não está sendo
respeitada pela Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), a Associação
Brasileira de Agências de Publicidade (Abap) e outras entidades ligadas ao ramo
publicitário, que declararam que “reconhecem o Poder Legislativo, exercido pelo
Congresso Nacional, como o único foro com legitimidade constitucional para
legislar sobre publicidade comercial” e que “a autorregulamentação exercida
pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) é o melhor e
mais eficiente caminho para o controle de práticas abusivas em matéria de
publicidade comercial”.
“A resolução do Conanda não é lei e
não pode infringir a Constituição Federal, por isso, entendemos que não tem
aplicação legal”, diz Paulo Gomes de Oliveira Filho, assessor jurídico da Abap.
“A resolução estabelece que pelo simples fato de ser direcionada ao público infantil
já é uma propaganda abusiva, não importa que o conteúdo não o seja, o que é um
absurdo.” Para o advogado, a publicidade é um ponto infinitamente pequeno
dentro da orientação da criança. “Não dá para colocar a propaganda como a caixa
de Pandora, responsável por todos males do mundo, pela obesidade infantil, por
exemplo. São os pais que sabem se devem ou não levar o filho ao fast-food e se
ele pode comer um ou dois sanduíches”, diz.
Para Diego Medeiros, defensor público
do estado de São Paulo e representante da Associação Brasileira de Magistrados,
Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude no
Conanda, a Resolução nº 163 soma esforços ao Código de Defesa do Consumidor e o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para maior compromisso e
responsabilidade da sociedade em relação ao tema. “Os operadores de direito
devem ficar atentos para que a aplicação harmônica desses três instrumentos
normativos seja pauta no cenário político brasileiro. A resolução traz
respaldos e princípios definidos dentro do ECA e deve repercutir de forma
administrativa ou até mesmo judicial, no sentido de fazer os publicitários se
responsabilizarem por condutas consideradas abusivas”, diz.
A aprovação do documento foi
festejada pelo Instituto Alana, organização sem fins lucrativos de assistência
social, educacional e cultural para crianças, que vem lutando a favor da
proibição desde 2006. “A criança não tem desenvolvimento cognitivo para
compreender a intenção persuasiva das mensagens publicitárias, o que é real e o
que não é. Logo, não existe relação de igualdade entre anunciantes e público
infantil. Com a proibição, elas serão poupadas desse apelo consumista, dessa
inversão de valores onde para ser alguém na vida ela precisa ter tal coisa”,
diz Isabella Henriques, diretora do instituto. A responsabilidade de cuidado
das crianças, defende Isabella, não é exclusivamente da família, mas também da
sociedade e do Estado. “Os pais têm sua responsabilidade, sem dúvida, mas eles
não têm como lutar contra essa avalanche de anúncios publicitários sozinhos,
que entram em casa por diversos veículos de comunicação e instituições. Cabe ao
poder público fazer uma regulação e às empresas respeitar essas normas”,
aponta.
Em resposta à postura das empresas, o
Instituto Alana encaminhou em maio uma denúncia à Secretaria Nacional do
Consumidor do Ministério da Justiça. Segundo nota da organização, as campanhas
publicitárias continuam falando diretamente com as crianças. Boa parte das
trilhas sonoras, linguagem e personagens utilizados ainda têm conotação voltada
diretamente ao público infantil. A Senacon comprometeu-se em analisar o caso.
Infância vs. consumo
Ao contrário do que alegam as
entidades publicitárias, a propaganda tem um impacto direto e nocivo na vida e
desenvolvimento dos pequenos. É o que retrata o documentário Criança, a Alma do
Negócio (2008), dirigido por Estela Renner (de Muito Além do Peso). Sob um
olhar crítico, o filme revela como as marcas manipulam o desejo e a fantasia
infantis, a fim de transformá-los em consumidores mirins. Em uma das cenas, a
psicóloga Roberta Carneiro mostra para um grupo de crianças um cartão com a
imagem de um avestruz. Nenhuma criança consegue dizer o nome do animal. Mas o
cenário é bastante diferente quando os cartões trazem os logotipos de empresas
de telefonia. As respostas são instantâneas, estão na ponta da língua.
Para a psicóloga norte-americana
Susan Linn, diretora da Campanha por Uma Infância Sem Comerciais (CCFC) e
autora do livro Crianças do Consumo: A infância roubada, a publicidade e o
marketing podem ser apontados como um fator constitutivo dos problemas que as
crianças enfrentam hoje. “Não são a única causa, é importante destacar. Mas são
um fator da obesidade infantil, dos distúrbios alimentares, da sexualização
precoce das meninas, da violência juvenil, do estresse familiar e um fator
importantíssimo na aquisição de valores materialistas, a falsa noção de que
marcas ou as coisas que compramos nos farão felizes”, disse durante o II Fórum
Internacional Criança e Consumo, promovido pelo Instituto Alana.
Além disso, a publicidade dirigida ao
público infantil vale-se da falta de autonomia e maturidade da criança para
vender seus produtos, dizem os especialistas. “O adulto tem capacidade de
escolher, de discernir se aquela propaganda é fantasiosa ou real. A criança,
não. Quando uma propaganda diz que sem aquele produto ela não será feliz, para
ela aquela mensagem traduz um fato”, diz Júlio Pompeu, professor de Ética do
Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito
Santo. Essa diferença entre realidade e ficção só é construída mais tarde.
“Basta ver uma criança brincando com uma caixa de papelão como se fosse um
carrinho. Se você chuta a caixa, ela chora não porque você chutou o papelão,
mas porque chutou o carrinho”, diz.
Pompeu ressalta ainda que a
publicidade infantil não está circunscrita à propaganda de brinquedos e outros
itens do universo da criança. “Quem fica mais tempo em casa vendo tevê são as
crianças. Os anunciantes sabem que é com elas que precisam conversar. Então
colocam na propaganda de celular uma criança falando para elas se
identificarem, usam a criança para atingir o adulto.” A ideologia consumista
presente na publicidade estimula também a precocidade, tratando as crianças
como “miniadultos”, pois quanto mais cedo se tornarem consumidores, melhor.
“Erotiza-se a criança, principalmente as meninas. Há um discurso machista muito
presente que qualifica a mulher quanto à sua beleza. A menina legal é a
princesa. Aquela que é bonita e não a que é competente”, diz o professor.
A promessa de felicidade impacta não apenas o indivíduo, mas a
sociedade como um todo. Segundo Isabella, a criança de uma família com recursos
pode até ter seus desejos atendidos, mas nunca ficará feliz. “O mercado não
quer o cliente satisfeito, e sim querendo sempre mais”, diz. Por outro lado, a
criança que não tem tantas condições vai continuar nutrindo o desejo da posse,
se sentindo inferior aos demais. “Isso pode influir em uma passagem para o
campo da violência. Pesquisas já mostram que um dos fatores que levam crianças
e adolescentes a se envolverem em roubos, furtos ou tráfico de drogas é o
desejo de ter produtos que possam levá-los a ter status social”, aponta
Isabella.
A generificação, ou seja, a distinção
entre gêneros, é outro ponto exacerbado pela publicidade, diz Amana Mattos,
professora de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e
pesquisadora na área de Infância, Juventude e Gênero. “Hoje você encontra
fralda descartável para meninos e para meninas, pois assim se criam
necessidades específicas, novos nichos de consumo. Se antes você comprava uma
bola para ser compartilhada entre um casal de filhos, hoje você tem de comprar
duas, porque tem bola de menino e de menina. Isso também acontece em relação às
idades: criam-se subdivisões, fases, dentro da infância e com isso novas
possibilidades de venda”, conta.
Entretanto, Amana ressalta que a
proibição da publicidade dirigida ao público infantojuvenil, por si só, não
resolve o problema. “A questão central é: que valores estão sendo passados para
as crianças? Proibir não resolve o problema que é o consumo naturalizado em
nossa sociedade”, diz. Para a professora, é papel da escola e dos pais
discutirem sobre a questão. “É importante construir uma capacidade crítica nas
crianças e adolescentes. Mostrar como a publicidade cria vontades, necessidades
inventadas, totalmente desconectadas com o nosso cotidiano.”
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