(Informe de Eduardo Hirata, da Secretaria Executiva do Fórum
DCA Açailândia – Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen
Bascarán)
Precisamos nos convencer que futebol é esporte, competição e
negócio (comércio – indústria). São tremendos interesses econômicos, o
capitalismo selvagem na sua mais “legítima” acepção.
E o texto a seguir, transcrito do jornal “Brasil de Fato”,
nos ajudará a repensar o nosso papel de “torcida”, preparando corações e mentes
para daqui a quatro anos, na Rússia.
Ou até antes, tem Olimpíadas em 2016, e aqui no Brasil, no
Rio de Janeiro, “que continua lindo, continua sendo...”.
Que a frustação da “perda” da copa de 2014, e aqui “em casa”,
não se transforme numa odisseia rumo a uma consquista obrigatória no futebol
das Olimpíadas, “título que o Brasil – país do futebol, agora questionável-
ainda não conseguiu, mas a Argentina, sim...”.
*****
Sobre ganhar e perder
O sistema de mercadoria do futebol precisa da vitrine das
competições para vender seus produtos. E esses produtos são as pessoas. Aqueles
que se destacam nos certames mundiais, quando voltam para seus times de origem
podem pleitear contratos mais polpudos, podem buscar novos times, fazer mais
propagandas de televisão. O dinheiro entra na medida em que o sucesso avança.
Essa é a lógica. A derrota é um corte
brusco no valor da mercadoria/pessoa.
(Por Elaine Tavares, no
jornal “Brasil de Fato”, SP, 09/07/2014)
(Foto de Hansvon
Mateufell/Agência O Globo)
Desde alguns meses
tenho trabalhado com um grupo de educadores da cidade de Rio Grande, no Rio
Grande do Sul, que faz parte de um Centro de Referência Esportiva. O propósito
desse centro vai na contramão de tudo aquilo que aprendemos ao longo da vida
sobre o que seja a prática esportiva.
Num tempo em que os
seres humanos estão cada vez mais engalfinhados na competição, esses educadores
trabalham com o esporte educacional, uma metodologia que busca aflorar nas
crianças as suas habilidades esportivas, respeitando o ritmo de cada uma e
despertando o que de melhor podem fazer dentro de seus limites. É um processo
de cooperação e solidariedade. Um desafio e um encantamento.
No geral, desde bem
pequenos, aprendemos o processo de competição. Na escola, a professora inventa
a lógica das estrelinhas para os melhores da classe, e depois das provas os
alunos comparam as notas, coisa que, no mais das vezes, provoca em alguns o
triste sentimento da derrota e do fracasso. Então, vêm desde os mais tenros
anos o aprendizado de que, na vida, estamos sempre a competir. Quem é o mais
bonito, quem é o mais rápido, o mais inteligente, o mais habilidoso, o mais
esperto. Difícil demais sair desse enrosco depois que entramos na vida adulta.
Por isso talvez seja
tão difícil enfrentar algumas derrotas, normais na caminhada humana. Não passar
de ano, perder o namorado, encerrar uma amizade de longa data. Nada pode turvar
a estrada de sucessos sob pena de um mergulho profundo nas águas da tristeza,
depressão, imobilidade. É que aprendemos que o bom é ganhar.
Só que o ganhar
pressupõe sempre um perdedor. Vai daí que uma vitória sem tristeza é
impossível. Alguém sairá machucado. Alguém chorará, alguém mergulhará nas
trevas do fracasso. E a derrota sempre está colada ao fraco, ao feio, ao
incapaz, ao inútil. Elementos que tantas dores provocam no outro. Estamos
vivendo agora no Brasil a tão falada Copa do Mundo, um certame de futebol,
antes arte, agora nada mais que força e rendimento. Nele, como em quase todo
jogo, alguém vence, e outro perde. É indefectível.
Assim, desde o início
das competições, foram muitas as cenas de lágrimas e ranger de dentes daqueles
que saíram do jogo. Os perdedores clamam aos céus: Por quê? Por quê? Fizeram
tudo certo, treinaram, trabalharam e perderam. O que deu errado? Ora, nada deu
errado. Apenas estavam numa competição, e ela, por sua natureza exige que
alguém seja vencedor e outro perdedor. Não há saídas. Mas, em vez de entender o
processo como tal, sempre há que buscar o "culpado", a velha ideia do
bode expiatório, aquele que, detectado e punido, expurgará toda a dor do
fracasso de cada um. Um fracasso que não real, mas imposto pela lógica
competitiva.
Se o jogo fosse só uma
brincadeira, ninguém perderia e não haveria fracassos. Mas, a coisa não é
assim. O Brasil viveu seu momento de perda. Um "vexame", como diz a
imprensa. Sete gols a um. Venceram os alemães. Derrotados e perplexos, os
jogadores brasileiros protagonizaram cenas de profunda dor, desespero e
perturbação. Estavam na lona, e esse sentimento aumentou em ondas no dia
seguinte, com as capas dos jornais e as manchetes televisivas. "Derrota,
humilhação, fracasso". Perder é o pior dos mundos e isso não é por acaso.
O sistema de mercadoria
do futebol precisa da vitrine das competições para vender seus produtos. E
esses produtos são as pessoas. Aqueles que se destacam nos certames mundiais,
quando voltam para seus times de origem podem pleitear contratos mais polpudos,
podem buscar novos times, fazer mais propagandas de televisão. O dinheiro entra
na medida em que o sucesso avança. Essa é a lógica. A derrota é um corte brusco no valor da
mercadoria/pessoa.
A Copa do Mundo, se
jogada dentro do espírito do esporte como jogo, como brincadeira, não deveria
trazer essa pressão. Poderia ser o alegre encontro de mundos diferentes, de
distintas formas de jogar, no qual cada país mostraria suas habilidades,
diversas, por sua geografia, por seu clima, por sua cultura. E as pessoas se
divertiriam e aprenderiam a trocar experiências. Vencer ou perder não
significaria nada. Os estádios seriam abertos ao público gratuitamente, para
que todos pudessem vivenciar a beleza do esporte, gritando e vibrando na hora
do gol, fosse de quem fosse.
Ao final das partidas
ninguém choraria, ninguém se sentiria derrotado, humilhado ou triste. Mas,
isso, agora, é um utopia. A Copa não é espaço de alegria. É mercado de carne.
Ali estão sendo realizados negócios milionários, envolvendo vidas de pessoas.
Por isso um encontrão pode significar o fim de tudo para alguém. É a arena dos
leões da antiga Roma. Viver ou morrer. Por isso me entristeço com as lágrimas
dos jogadores brasileiros, de joelhos diante da nação.
Como nas arenas
romanas, as pessoas na arquibancada, que pagaram para ver a vitória, não tem
condescendência. A derrota haverá de ser punida com piadas, agressões e, é
claro, haverá de surgir o "culpado", que purgará tudo até a próxima
copa. Sei que muitos daqueles meninos que ali estão vendendo sua força de
trabalho ganham muito bem para isso. Alguns, levam em um mês o que um
trabalhador comum não ganharia em anos. Mas, não importa. Eles são igualmente
carne à venda no mercado desse mundo dominado pelo capital. Tão trabalhadores
como aqueles que perderam a vida na construção dos estádios.
Apenas custam mais,
agora. Mas isso não dura para sempre. A idade avança, a contusão aparece e a
mercadoria se desvaloriza. Alguns conseguem ajeitar a vida, outros não. Esse é
o selvagem mundo da competição. E, assim, enquanto a mídia aponta suas
metralhadoras contra algum provável culpado, eu me encho de ternura por aqueles
educadores anônimos lá na cidade de Rio Grande, trabalhando outra forma de ser
no mundo, a duras penas, em frente ao mar. Cotidianamente ensinam às crianças
que o esporte pode ser prazeroso se for apenas uma prática corporal destinada a
alegria e ao jogo. Por conta disso, a cada dois meses, eles fazem os Festivais
Esportivos, nos quais as crianças, junto com seus pais, parentes e amigos, se
divertem à larga, jogando todo o tipo de jogo sem a pressão de ganhar. A única
razão de estar ali é movimentar o corpo e dar risada.
Momentos de completa
inutilidade, do ponto de vista do capital. Um aprendizado lento que pode
demorar gerações. Cooperar, ajudar o outro, perceber os limites, incentivar,
desacelerar o passo para esperar o colega, permitir o gol para ver o riso na
cara do amigo. Essas coisas simples de uma vida boa. Vejam que isso não é coisa
impossível. É utópico, mas já caminha. Está vivo lá na ponta sul do Rio Grande.
Pessoas como Carlos, Felipe, Douglas e tantos outros que disseminam essa forma
de praticar o esporte não estão na arena de carne do grande certame mundial,
não elevarão seus salários nem farão propagandas na TV.
São sonhadores que
andam aí, nos caminhos vicinais, a disseminar belezas, forjando um novo jeito
de vivenciar nossa humanidade, na cooperação e na solidariedade. Quando o dia
deles termina não há lágrimas de derrota, mesmo que não tenham vencido os jogos
dos quais participaram, porque ali, o importante foi a troca e o aprendizado
mútuo. Se lágrimas há, é de alegria. Porque vale a pena virar o mundo do
esporte de ponta cabeça, como nas velhas brincadeiras de criança. Uma
cambalhota, uma risada e são todos campeões!...