(por Raimundo
Garrone, do Jornal Pequeno, São Luís, 25/07/13)
CARTA ABERTA
AO SECRETÁRIO ESTADUAL DE SEGURANÇA PÚBLICA DO MARANHÃO
EXCELENTÍSSIMO
SENHOR ALUÍSIO MENDES
Considerando as declarações acerca do Estatuto da Criança e do
Adolescente proferidas pelo Secretário Estadual de Segurança Pública do
Maranhão, Aluísio Mendes, durante entrevista à Rádio Mirante AM, na última
quinta-feira (18), quando tentava explicar o aumento do número de assaltos a
ônibus na capital maranhense, o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente Padre Marcos Passerini vem se manifestar:
Lamentamos o pronunciamento do Secretário Estadual. Contudo,
infelizmente, as palavras apenas confirmam a postura do Governo Estadual no
trato das questões do atendimento socioeducativo: a mera transferência para
“outro” da RESPONSABILIDADE que lhe é própria.
O ECA é fruto de um amplo debate, local, nacional e internacional. Seu
ponto forte, inclusive, vem da própria Constituição Federal de 1988, nossa
Carta Magna. Trata-se da doutrina da proteção integral, cujo teor do artigo 227
transcrevemos:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão”.
Esse texto constitucional é ainda referendado pelo artigo 5º da Carta.
Portanto, agredir o ECA é desprezar uma luta histórica que procura dar a
crianças e adolescentes o direito de se desenvolverem e de se tornarem adultos
cidadãos, estejam eles nos bairros de elite ou na periferia; na capital ou no
interior do Estado; sejam filhos e filhas de políticos ou de domésticas. Todas
as crianças e adolescentes são iguais perante a Lei.
É o ECA a lei que trata da violência sexual contra crianças e
adolescentes; que trata do direito à convivência familiar e comunitária; que
normatiza sobre a família substituta, guarda e adoção; que normatiza a
profissionalização dos adolescentes e trata do combate ao trabalho infantil;
que dispõe sobre viagens, impondo barreiras para o tráfico de crianças.
Imagine, Secretário, que foi necessário um lei para garantir a crianças e
adolescentes o direito de brincar (ECA, artigo 16, inciso IV)!
E, claro, o ECA legisla sobre a responsabilização dos adolescentes que
cometem ato infracional. Ao adolescente infrator a lei prevê sanções – que
podem ser desde a advertência, passando por reparação de danos até à privação
da liberdade – bem como a possibilidade do procedimento judicial. Além do ECA,
há também a Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que trata especificamente
do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).
É, portanto, uma falácia difundir que o ECA é responsável pelo aumento
da criminalidade. O aumento dos delitos juvenis acompanham o crescimento da
violência, na cidade e no campo. Na recente pesquisa “Mapa da Violência 2013:
mortes matadas por armas de fogo” os dados do Maranhão são tenebrosos. Um dos
dados aponta o crescimento de 344, 6% na mortalidade por armas de fogo no
Estado, no período de 2000/2010. “Entre os jovens, o crescimento da mortalidade
por armas de fogo foi mais intenso ainda. Se no conjunto da população os
números cresceram 346,5% ao longo do período, entre os jovens esse crescimento
foi de 414,0%”, diz a pesquisa.
Agora, vamos aos fatos: tal como a Lei de Responsabilidade Fiscal ou a
Lei da Ficha Limpa, o ECA precisa sair do papel. O legislador fez a sua parte.
Cabe agora ao Poder Executivo – do qual a Secretaria de Estado de Segurança
Pública e o Governo do Maranhão são instâncias integrantes, respondendo pela
esfera estadual – cumprir as determinações do ECA e do SINASE para que a
responsabilização dos adolescentes infratores ocorra como deva ser.
Não podemos deixar nossos jovens à própria sorte. Ou é o legado de morte
que deixaremos para nossa juventude? Se considerarmos a oferta e a qualidade de
saúde, trabalho, lazer, cultura, esporte e educação direcionadas à população
juvenil de nosso Estado estamos longe de garantir que tanto potencial seja
canalizado para desenvolvimento de nossos meninos e meninas e de nosso
Maranhão.
Embora não justifique, esses indicadores explicam a negação de direitos
a que estão submetidos meninos e meninos que estão na criminalidade. Pesquisas
locais dão conta que há adolescentes que estão cumprindo medidas
socioeducativas no Maranhão, que entraram na Unidade de Atendimento sem o
documento de identidade! Como dizer que ele/ela era um cidadão/cidadã se o
registro básico não há? Contudo, estamos prontos pra trancafiá-lo num espaço
que não lhe dá condições de ressocialização. É assim que cumprimos o papel de
algozes da nossa juventude sob o pretexto da punição pelo ato infracional.
Então, Secretário, não se trata apenas de prender. A responsabilização
do adolescente precisa acontecer e deve ser feita conforme determina o SINASE.
Sobre isso, o Governo do Maranhão já foi diversas vezes notificado e até
condenado judicialmente, como na Ação Civil Pública que nós do CDMP movemos há
seis anos, e pela intervenção do Ministério Público Estadual, que desativou há
um ano a única unidade de internação existente no Estado devido às condições
insalubres, tanto para os adolescentes quanto para os funcionários. A
propósito, essa intervenção do Ministério Público exigiu a retirada imediata
dos adolescentes, mas até o mês de abril deste ano ainda tínhamos adolescentes
naquela Unidade. Resumindo, hoje, 24 de julho de 2013 completa um ano que o
Estado do Maranhão não dispõe de Unidade de Internação para o atendimento
socioeducativo de adolescentes infratores. Veja, portanto, que é preciso
cumprir a Lei – o ECA e o SINASE.
No mais, nós do Centro de Defesa Pe. Marcos Passerini estamos à
disposição para conversarmos sobe esse assunto. Receba-nos para discutirmos as
políticas públicas para área da infância que vão desde às medidas
socioeducativas, já citadas acima, como também pela estruturação da Delegacia
da Criança e Adolescente, do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente
Infrator e do Centro de Perícias Técnicas para a Criança e o Adolescente (cujos
laudos estão demorando meses para sair), além das ações de enfrentamento ao
trabalho infantil entre outras.
São Luís, 24 de julho de 2013.
Maria Ribeiro da Conceição
Coordenadora Geral
(original assinado)
· Obs: Maria Ribeiro da Conceição é
também a Conselheira Presidenta, representante da sociedade civil organizada
maranhense, do CEDCA-MA/Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do
Adolescente, atualmente empenhado, com o Ministério Público, a Defensoria
Pública e o Judiciário, numa “guerra” contra o Estado do Maranhão, para a efetivação
do SINASE e atenção digna e humana
aos(as) Adolescentes em medidas socioeducativas.