Estatuto da Criança e do
Adolescente mostra resultados positivos, mas muitos pontos ainda precisam ser
implementados
(Jornal “Brasil
de Fato”, SP. 26/07/2013)
Patrícia Benvenuti, da Redação
Tratar a criança e o
adolescente como sujeitos de direitos, fornecendo a eles condições adequadas
para seu desenvolvimento. Em poucas palavras, esse é o objetivo do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) que, em 13 de julho, completou 23 anos. Criado
em 1990, dois anos após a Constituição, o ECA garante às crianças e
adolescentes uma série de direitos como saúde, alimentação, educação, esporte,
lazer, cultura e convivência familiar e comunitária, dentre outros pontos.
Fruto de mobilização
popular, o Estatuto representa um marco para a efetivação dos direitos humanos
no país. “Crianças e adolescentes foram colocados na pauta nacional, coisa que
antes não acontecia”, afirma a coordenadora nacional da Pastoral do Menor,
Marilene Cruz.
A juíza da Vara da
Infância e Juventude do Fórum Central de São Paulo e membro da Associação de
Juízes para a Democracia (AJD), Dora Martins, também ressalta o ineditismo do
Estatuto. O principal avanço, para ela, foi apresentar crianças e adolescentes
como sujeitos de direitos. “O ECA foi uma mudança de paradigma: a criança não é
um objeto menor para ser cuidado, é um sujeito de direitos”, explica.
Até a criação do
Estatuto, no início dos anos 1990, o tratamento dispensado às crianças e
adolescentes seguia o Código de Menores (1979). Marcado por forte
discriminação, o Código se dirigia aos “menores em situação irregular”, que
eram sempre aqueles em situação de rua ou em conflito com a lei. O remédio era
sempre o mesmo, a reclusão.
Para o advogado Ariel de
Castro Alves, presidente da Comissão da Infância e Juventude da OAB de São
Bernardo do Campo e membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, o ECA pôs
fim à “visão correcional” e universalizou a questão.
“O menor era sempre o
filho do pobre; as crianças, sempre os filhos das famílias mais abastadas. O
Estatuto veio a romper isso: todos são crianças e adolescentes e iguais perante
a lei”, destaca Alves, que também é ex integrante do Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
Outro conceito
importante trazido pelo Estatuto, de acordo com o advogado, é a ideia de que a
família não é a única culpada pelas ações de uma criança ou adolescente. A
legislação também aponta o Estado e a sociedade como responsáveis pela
situação. “Somos todos responsáveis quando estamos diante de uma criança nas
ruas, vítima de trabalho infantil, exploração sexual ou mesmo de um adolescente
em conflito com a lei. Essa é a grande ruptura que o Estatuto introduziu na
legislação”, afirma.
Avanços
A conquista de uma
legislação específica para garantir os direitos das crianças e adolescentes vem
conseguindo, aos poucos, trazer melhorias. A integrante da coordenação do
Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria)
Karina Figueiredo enfatiza que 23 anos é um tempo reduzido para mexer com
questões culturais tão arraigadas, como a forma de se encarar os jovens na
sociedade.
No entanto, considera
que a mudança é perceptível. Cita como exemplo a criação dos conselhos
tutelares, que passaram a trabalhar com a ideia de não mais separar as
famílias. “Antes se separava irmãos, cada um ia para um lado, se separavam
famílias. Hoje isso não acontece mais”, pontua.
Alguns indicadores
também mostram a importância do Estatuto. O mais expressivo se refere ao índice
de mortalidade infantil. Até 1990, a média chegava a 60 mortes para cada mil
nascimentos. Atualmente, são 16 mortes para cada mil. Os casos de gravidez na
adolescência também caíram para 30% nesse período, e até o trabalho infantil
apresentou redução: se hoje ainda são 3,4 milhões de crianças e adolescentes explorados,
na década de 1980 eram 9 milhões.
Outro ponto positivo
ocorreu em relação ao tratamento de jovens em situação de abandono. Os antigos
orfanatos foram substituídos por abrigos, que têm que ser instalados em casas e
ter, no máximo, 20 crianças. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), 36 mil crianças vivem nesses locais.
É preciso mais
Apesar dos avanços, há
um longo caminho para se efetivar, de fato, os direitos das crianças e dos
adolescentes. Muitos pontos ainda precisam sair do papel, como a destinação
privilegiada de recursos públicos para projetos que garantam a proteção de
crianças e adolescentes, prevista no artigo 4º do Estatuto. “Essa destinação
privilegiada de recursos jamais existiu”, afirma Ariel de Castro Alves.
A consequência é a
impossibilidade de garantir o funcionamento efetivo de serviços como conselhos
tutelares e delegacias especializadas. Enquanto as delegacias são poucas em
todo o país, os conselhos existem em 99,3% das cidades, mas enfrentam problemas
de infraestrutura, falta de pessoal e trabalhadores mal remunerados. E nem o
Poder Judiciário, que poderia tomar medidas para o cumprimento da legislação,
tem pernas suficientes.
Uma pesquisa do CNJ em
2010 revelou que apenas 6% das comarcas têm varas especializadas exclusivas da
Infância e Juventude. Mesmo iniciativas importantes como o Disque 100, que
recebe denúncias de violações contra crianças, adolescentes e outros grupos sociais,
acabam por perder efetividade, já que não há quem apure as informações. A falta
de atendimento às famílias é outro problema grave, como explica Alves.
Nos municípios, a
responsabilidade costuma ficar com os Centros de Referência de Assistência
Social (Cras) que, igualmente capengas, acabam funcionando meramente como
locais de cadastramento.
Em geral, segundo o
advogado, é oferecido apenas o programa Bolsa-Família, que não dá conta das
diferentes de demandas envolvidas em cada caso. Para ele, o cenário revela a
falta de prioridade do poder público. “A área social ainda é tratada com
completo desdém e desleixo pelos governos”, critica.
“O ECA é um avanço em
termos de garantias escritas no papel, mas na realidade a aplicação dele é
muito complexa”, avalia a juíza Dora Martins. Ela cita o caso das creches,
garantidas para crianças de zero até quatro anos. Atualmente, apenas 20% das
crianças brasileiras nessa faixa etária têm acesso às unidades. Só em São
Paulo, cidade mais rica do país, há um déficit de 100 mil vagas.
“Vamos supor que sejam
80 mil famílias: são 80 mil mães que não conseguem trabalhar e deixam a criança
presa em casa, no vizinho ou na rua”, ressalta Dora.
Outro ponto estagnado,
de acordo com Karina Figueiredo, do Cecria, é a criação de políticas de lazer,
cultura e esporte. “Não se tem no país uma política de esporte, cultura e lazer
para infância e adolescência, que são direitos fundamentais. É uma área em que
se avançou muito pouco”, lamenta.
“Nesses 23 anos nós
avançamos, mas não estamos no patamar em que se possa dizer que o Estatuto está
sendo colocado em prática”, sentencia Marilene, que cita o cumprimento do
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) como outro desafio a
ser conquistado.
(Foto: Marcelo Camargo /
ABr)
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Em Açailândia do
Maranhão – já publicamos- avançamos um bocado nestes 23 anos do ECA: temos os
dois Conselhos- Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente/COMUCAA e
Tutelar/CONTUA, entre os melhores do Maranhão, em termos de recursos humanos,
materiais, equipamentos, orçamentários, e de qualidade e efetividade de
serviços, embora o CONTUA só tenha garantido através de um TAC/Termo de Ajuste
de Compromisso de Conduta, do MPE/Ministério
Público Estadual e Prefeitura. E de frequentemente, como agora, deixa-se faltar
instrumentos essenciais ao funcionamento, como telefone e internet no COMUCAA e
telefone no CONTUA.
O FIA/Fundo Municipal
para a Infância e a Adolescência,
expressa a autonomia deliberativa do COMUCAA na aplicação de recursos, e é
considerado modelo em todo Estado, tanto pelo TCE/Tribunal de Contas do Estado
como pelo MPE. Praticamente a uma década não tem faltado recursos ao/do FIA
para investimentos em projetos e atividades, inclusive governamentais, para a
formação continuada e fortalecimento não só dos Conselhos, como de todo o SGD/Sistema
de Garantia de Direitos.
Temos os Planos de Enfrentamento
à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, de Prevenção e Erradicação
do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente e de Promoção,
Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar
e Comunitária, mas suas implementações deixam a desejar.
A rede de
atendimento e o SGD, previsto pelo ECA,
existe fisicamente, mas ainda carece de articulação, que dever ser alçada do COMUCAA, integração, mobilização,
e de potencializar e qualificar seus serviços. Faltam serviços especializados (delegacias
e varas de infância e adolescência, por exemplo), pessoal (a maioria dos
programas sociais)...
E as estatísticas, como
as apresentadas nos relatórios do CONTUA, reafirmam um quadro preocupante de
violações de Direitos, além do fato de que, 23 anos depois, nosso ECA ainda é
um “belo porém mal criticadissimo e
desconhecido documento legal”.
(Eduardo Hirata)