(Do
domtotal.com)
Chacina da Candelária completa 20 anos nesta
terça-feira 23/07
A chacina da Candelária, que
terminou com a morte de oito pessoas (entre elas uma criança de 11 anos e um
adolescente) que dormiam na porta da catedral do mesmo nome, no centro do Rio
de Janeiro, completa vinte anos na noite desta terça-feira (23/07), com todos
os condenados pelo caso em liberdade. Na época, o crime chocou o país e teve
repercussão internacional.
A investigação da chacina levou
três à condenação de três PMs. O pivô da série de assassinatos, o soldado
Marcus Vinícius Emmanuel Borges, de 46 anos, está foragido. Os outros dois PMs
tiveram as penas extintas e também se encontram em liberdade.
Desde 1996, Borges foi julgado e
condenado por três vezes. A primeira sentença que recebeu foi de 309 anos de
prisão. A defesa recorreu, e o Tribunal do Júri reduziu o tempo de detenção
para 89 anos. Insatisfeitos, promotores apresentaram um recurso, e a pena do
ex-PM acabou em 300 anos. O policial passou 18 na cadeia — em junho do ano
passado, foi beneficiado com um indulto e ganhou a liberdade. O Ministério
Público do Rio recorreu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e, após um ano,
os ministros do órgão suspenderam o indulto. Com base na decisão, no último dia
10, a juíza Juliana Benevides de Barros, da Vara de Execuções Penais, expediu
novo mandado de prisão para Borges, que até a última sexta-feira não havia sido
encontrado.
A ONG Anistia Internacional
emitiu na última quinta-feira (18/7) um comunicado relembrando o aniversário da
chacina em que criticou a ação violenta da Polícia Militar e afirma que o
crime, que chocou o país e teve repercussão internacional, é motivo de reflexão
para os demais assassinatos em massa ocorridos na capital fluminense. Em razão
da vida do papa Francisco ao Rio de Janeiro, a entidade organizou uma
manifestação de memória no local no último dia 19, que contou com a presença de
familiares das vítimas.
No comunicado, a organização
também lembra as chacinas de Vigário Geral, morro do Borel, via Show e Baixada
Fluminense. Contando todos esses crimes juntamente com a Candelária, foram
totalizadas 66 mortes, a sua maioria de adolescentes negros e pobres.
Leia abaixo a íntegra do comunicado:
“No dia 23 de julho se completam
20 anos da chacina da Candelária, na qual foram mortos oito jovens – seis
deles, menores de 18 anos. Quatro foram mortos a tiros, na escadaria da igreja.
Um foi assassinado ao tentar fugir. Outro morreu dias depois em decorrência dos
ferimentos. Dois foram levados de carro pelos criminosos até o Aterro do
Flamengo, onde foram executados.
Para a Anistia Internacional, o
aniversário do crime é motivo para reflexão sobre a persistência da violência
policial no Brasil. No caso do Rio de Janeiro, passadas duas décadas, ocorreu
uma sucessão de execuções extrajudiciais do mesmo tipo. Desde a Candelária,
houve chacinas em Vigário Geral (1993), com 21 mortos; no morro do Borel
(2003), com quatro mortos; na Via Show (2003), com 4 mortos; e na Baixada
Fluminense (2005), com 29 mortos. Todas foram cometidas por policiais e as
vítimas foram majoritariamente adolescentes negros e pobres.
Os três condenados pela chacina
da Candelária cumpriram penas de prisão, mas já estão em liberdade. Todos eram
policiais militares à época dos assassinatos. Outros seis suspeitos foram
absolvidos, apesar de indícios preocupantes de seu envolvimento na chacina. Um
deles, policial militar, foi morto em 1994 em uma troca de tiros com policiais
civis da unidade anti-sequestro. Apesar de avanços, a impunidade tem sido a
regra em casos relacionados às chacinas e outras formas de violência policial contra
pessoas pobres no Brasil.
Mais de 50 crianças e jovens
dormiam nas escadarias da Igreja da Candelária na noite do massacre. Wagner dos
Santos, ferido na chacina e principal testemunha do crime, vive atualmente na
Suíça, onde buscou refúgio após sofrer uma segunda tentativa de assassinato, em
1994. Ele levou oito tiros e sofre de envenenamento por chumbo, perda parcial
da audição e dos movimentos do rosto, e de sequelas psicológicas. Sobreviventes
da chacina acabaram mortos de forma violenta em outros momentos. Fábio Gomes de
Azevedo foi morto pela polícia em 1996, numa operação contra o tráfico de
drogas. Sandro Barbosa do Nascimento foi morto pela polícia em 2000, ao
assaltar um ônibus no Rio de Janeiro, incidente retratado no documentário
“Ônibus 174”. Elizabeth Cristina de Oliveira Maia foi assassinada em 2000,
pouco antes de depor em um processo contra policiais. Os responsáveis por sua
morte nunca foram identificados.
Os padrões internacionais -
os Princípios sobre Prevenção Efetiva e Investigação de Execuções Extralegais,
Arbitrárias e Sumárias - estipulam que: "Deve haver investigações
abrangentes, imediatas e imparciais de todos os casos em que haja suspeitas de
execuções extralegais, arbitrárias e sumárias, incluindo aqueles em que queixas
de parentes ou outros relatos confiáveis sugiram mortes por causas não-naturais
nas circunstâncias acima".
O Estatuto da Criança e do
Adolescente, que completou 23 anos em 2013, estipula em seu art. 4º: “É dever
da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar,
com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária”.
A Anistia Internacional acompanha
há décadas as investigações sobre a Candelária e outras chacinas, lembrando as
autoridades de que todos aqueles suspeitos de responsabilidade criminal ou de
violações de direitos humanos devem ser levados à justiça; apoiando os
sobreviventes e os parentes das vítimas; monitorando avanços e obstáculos à
efetivação da justiça e dos direitos humanos no Brasil, que o Estado tem
falhado, sistematicamente, em assegurar.
A persistência da violência
policial - ou daqueles que parecem agir com a autorização, apoio ou consenso do
Estado - contra jovens, em particular negros e pobres, ressalta a importância
de que as execuções extrajudiciais cometidas pela polícia sejam investigadas de
forma imediata, imparcial, independente e julgadas por tribunais civis. A
Anistia Internacional defende ainda que a formação e a capacitação das forças
policiais sejam totalmente reestruturadas e estejam baseadas nos princípios dos
direitos humanos, reconhecendo o direito à vida de todos e todas, em especial
daqueles que vivem nas periferias e favelas das cidades”.
(Foto R7 com : Rodrigo Fernandes
tinha 14 anos, e foi atingido por um tiro. Sobreviveu, mas a chacina o marcou
para sempre : “Minha cicatriz será eterna”)
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20 anos depois, o extermínio de
adolescentes e jovens se aprofunda, no vácuo de políticas públicas e descaso
social.
Estado e Sociedade na prática “condenam,
punem e matam” adolescentes e jovens, e a maioria ainda quer redução da idade
penal e mesmo a pena de morte...
A “população de rua”, aqui também em Açailândia do Maranhão se mata e
fica por isso, ninguém aí pro azar, como em dois casos recentes, no “Rabo da
Gata” e Praça do Pioneiro.
Triste Açailândia, triste Maranhão,
triste Brasil, 20 anos depois!
(Eduardo Hirata)