Concordando com Frei
Betto, ajudando-nos a entender melhor a conjuntura nacional...(Eduardo Hirata)
Barafunda
Brasileira
(Por Frei Betto, no
jornal Brasil de Fato, 28/11/2013)
“ No Brasil, a esquerda
está no poder? Suponhamos que sim. Mas quem são os líderes de sua base aliada?
Todos conhecemos sobejamente: Sarney, Collor, Renan Calheiros, Jáder Barbalho,
Maluf, Romero Jucá, Kátia Abreu...”
Faustão é mestre em lembrar
expressões populares que padeceram com o tempo. Arrastão já foi trabalho de
pescadores e, hoje, é assalto coletivo em grandes concentrações urbanas. Quem
ainda diz “mandar brasa”, “sujeito pau”, “aquele broto” ou “mocorongo”?
Deonísio da Silva, mestre em nosso
idioma, escreveu o imprescindível “De onde vêm as palavras” (Mandarim),
desnudando-as em suas etimologias, significados e empregos.
Palavras, como tudo, se gastam com o
tempo. Perdem o brilho, o significado e, portanto, o uso. É o caso de direita e
esquerda. No tempo da bipolaridade mundial entre capitalismo e socialismo, elas
demarcavam terrenos nítidos. Hoje, o que é ser de direita ou de esquerda?
No Brasil, a esquerda está no poder?
Suponhamos que sim. Mas quem são os líderes de sua base aliada? Todos
conhecemos sobejamente: Sarney, Collor, Renan Calheiros, Jáder Barbalho, Maluf,
Romero Jucá, Kátia Abreu...
Como um governo de um partido de
trabalhadores pode se dar tão bem com o patronato brasileiro e manter relações tensas
com movimentos sociais, como indígenas e sem terra?
Fora o PSDB e alguns pequenos
partidos, todos os setores conservadores da sociedade brasileira apóiam o
governo, incluindo empreiteiras, bancos e mineradoras, principais fontes de
financiamento de campanhas eleitorais. Espero que a reforma política – quando
houver – impeça candidatos de receberem grana de pessoas jurídicas, e as
doações de pessoas físicas fiquem limitadas ao teto de um salário mínimo.
Agora estão presos companheiros meus
na luta contra a ditadura, como Dirceu e Genoíno. Todos foram condenados por
juízes nomeados, em sua maioria, pelo governo petista. Considero ilegal,
injusta e despropositada a maneira como foram detidos na data da Proclamação da
República. Fazer espetáculo com a dor alheia é tripudiar sobre a dignidade
humana.
Aliados do governo acusam a grande
mídia de conivência com a espetacularização do julgamento. Por que então o
Planalto não dá andamento aos projetos de regulamentação e democratização da
mídia? Por que não impede a formação de oligopólios? Por que a publicidade
financiada pelo governo federal privilegia exatamente veículos de oposição do
Planalto?
Em dez anos de governo petista, o
Brasil melhorou muito, graças ao aumento real do salário mínimo, à redução do desemprego,
à política externa independente, à solidariedade aos governos progressistas da
América Latina e aos programas sociais – embora eu lamente que o Fome Zero,
emancipatório, tenha sido trocado pelo Bolsa Família, compensatório.
Amigos “de esquerda” se queixam que
os aeroportos estão demasiadamente cheios de famílias de baixa renda. No
Nordeste, o jegue foi trocado pela moto. E as multinacionais automotivas
continuam a entupir nossas ruas de carros, sem que haja investimento em
transporte público.
É o efeito tostines: no Brasil, o
produtos são caros porque dependem do sistema rodoviário? Ou os produtos são
caros porque os caminhões são abastecidos com petróleo? Temos 8 mil quilômetros
de litoral, rios caudalosos navegáveis, e quase nenhuma navegação comercial. E
quando se fala em ferrovia se pensa no trem-bala, capaz de transportar a elite
no circuito Campinas-São Paulo-Rio e não em trilhos que cortem o país de ponta
a ponta, facilitando o escoamento barato de nossa produção.
Sim, o atual governo é muito
diferente do governo FHC. E muito semelhante. Prometeu investigar as
privatizações – “herança maldita” – do governo anterior, e ficou o dito pelo
não dito. E adotou o mesmo procedimento: privatização do Campo de Libra, que
abriga petróleo, um produto estratégico; e de rodovias, portos e aeroportos,
sem prestar atenção na queda do lucro da Vale após ser privatizada e do valor
das ações da Petrobrás depois que 60% delas passaram às mãos do capital privado
e na falência da Vasp. E não houve nenhuma iniciativa de reestatização, como
fez Evo Morales na Bolívia.
Segundo o IPEA, órgão federal, a
desigualdade social entre os mais ricos e os mais pobres no Brasil é de 175
vezes! Por que não são tomadas medidas estruturais para reduzi-la? Em 10 anos
de governo petista, houve apenas uma reforma estrutural no Brasil, a da
Previdência do funcionalismo público, que favorece o capital privado.
Enquanto o orçamento da República
destinar mais de 40% do nosso dinheiro para pagar juros, amortização e rolagem
da dívida pública, e menos de 8% para a Saúde e a Educação, o Brasil continuará
sonhando em ser o país do futuro.
Frei Betto é escritor, autor de “O
que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.