Nos meus idos de
criancice, lá em Curitibanos, Santa Catarina, Natal era muito mais Menino Jesus
e Presépio, e muito pouquinho de papai noel...
Um Natal assim parecido
como de Elaine Tavares...
(Eduardo Hirata)
Um menino a passear!
Eu acreditava piamente
que havia um menino, bem sapeca, magrelinho e sem camisa, que saracoteava pelo
mundo, montado numa grande estrela, levando presentes invisíveis aos olhos. E
eu esperava o ano inteiro por esta noite de passeio divino
(Elaine Tavares, jornalista, Brasil de Fato,
19/12/2013)
Sou filha do meu tempo e espaço.
Nascida numa família cristã, desde pequenina o natal significou presépio, ou
seja, a montagem da hora mágica na qual um menino veio ao mundo para anunciar
uma boa nova.
E, com ele, a promessa de que haveria outra
aliança e que nossos pecados todos estariam perdoados. Lá em casa sempre demos
prioridade a isso.
Nunca ao Papai Noel, brinquedos,
compras, etc... A expectativa era a chegada do menino. Eu mesma sempre colocava
o sapato na janela, mas a mãe explicava: “os presentes não são coisas, são
sentimentos e desejos”.
Então, quando o dia amanhecia eu
entendia que um gurizinho tinha nascido e, por força da mágica da religião,
também havia passado pela janela deixando amor, saúde, alegria e todas essas
coisas boas. E recolhia aquele sapato como se fora a coisa mais preciosa do
mundo.
Na minha mente de criança eu
imaginava não um velhinho montado no trenó, com renas e todas estas coisas da
celebração européia.
Eu acreditava piamente que havia um menino,
bem sapeca, magrelinho e sem camisa, que saracoteava pelo mundo, montado numa
grande estrela, levando presentes invisíveis aos olhos.
E eu esperava o ano inteiro por esta noite de
passeio divino. E o legal era que o fato dele ser um guri tirava toda a
pomposidade do sagrado filho. Era como esperar um amigo, coisa íntima.
Depois eu cresci e fui conhecendo
outros mitos, outras religiões. Aprendi a dar pago à terra (Pachamama) em
agosto, a respeitar o trovão, a folha de coca, as plantas, os animais.
Aprendi a honrar Kuaray, jacy,
Ñanderu. Aprendi a reverenciar outras manifestações criadas pelo humano para
sustentar suas dores e medos. Porque é disso que se trata quando se fala de
deuses. Eles são redes nas quais descansamos de nossos terrores.
E, esta construção humana me enche de ternura,
porque reconheço aí a fragilidade da nossa raça. Isso me emociona.
Mas, apesar de tudo o que aprendi
sobre os outros deuses, o natal ainda me encanta de um jeito muito especial,
talvez porque esteja colado na minha mãe, que já encantou.
Então, a despeito de todas as
impossibilidades, eu espero o menino. Às vezes, nos tumultos familiares ou no
barulho da festa, pode parecer que eu o esqueci, mas não. Lá no fundo do meu
coração, eu o espero.
E o vejo chegar, montado na estrela, rindo seu
riso de cristal. Também a despeito de tudo, ainda deixo meu sapato na janela e
o recolho de manhã com a absoluta certeza de que ali dentro estarão os
presentes. Os que verdadeiramente importam.
E, assim, neste natal, como em todos
os outros já vividos, meu jesuzinho haverá de vir passear. E eu estarei
esperando...
Que ele passe por aí também!...
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