E, então, mais um “natal”... Quase
nada mudou, em relação a outros anos. Ou mudou?
Com certeza, não foi o “Natal, do
Menino Jesus, a festa cristã do nascimento...”, mas sim mais que nunca o natal
do papai noel, do consumo, do supérfluo,
do excesso....Festa mundana, me disse um amigo evangélico. (ou como me diz uma amiga: Edu, eu me sinto
mal no natal, tanto fingimento, falsidade, hipocrisia, tanto desperdício,e
ainda se tem a cara de pau de falar de fraternidade, solidariedade, é esmola
para vez em quando aliviar a consciência...).
Nas tvs e noticiários, os mesmos
informe de sempre - natal violento, trágico, de muita bagunça. Assassinatos,
brigas... E a mídia se embriaga com isso,
embriagando todo o povo, por tabela...Ah,
e dia 26, a noticia mais importante é a dica de como trocar o presente que não
agradou, que não serviu...
Como foi o natal de crianças e
adolescentes, as mais de trinta mil em todo Brasil ( e umas duas dezenas aqui
em Açailândia do Maranhão) que (sobre)vivem em “abrigos”(unidades de
acolhimento institucional), que lá estão por que não respeitamos e cumprimos
seu direito à convivência familiar e comunitária?
E como foi o natal das jovens,
arrancadas da noite para o dia de suas
famílias, comunidades, amigos(as), a pretexto de terem suas vidas protegidas, e
jamais retornaram, quase uma década depois?
E natal, segundo mais da metade
dos(as) brasileiros(as), não é a festa da família, reunida para celebrar “uma
nova vida”? Por que não se conseguiu assegurar este direito dessas jovens, e suas famílias e comunidades,
amigos(as)? Será que por isso, mais uma vez como nos anos anteriores, seu natal
foi incompleto?
E como foi o natal das dezenas e
dezenas de Crianças e Adolescentes explorados(as)
no trabalho infanto-juvenil, como a “Meninada dos Ovos de Codorna”?
E como foi o natal de adolescentes
açailandenses, cumprindo medidas sócio-educativas, em meio a comoção nacional
pela redução da idade penal e pelo aumento no rigor das penalidades, ao mesmo
tempo que o Estado e a sociedade cumplice não estão nem para cumprirem o
undécimo do que pede o ECA/Estatuto da Criança e do Adolescente, que completou
vinte e três anos de vigência neste país de esquecidos(as), da omissão, do
descaso e da impunidade?
Certamente, esse natal que tanto fala em fraternidade, solidariedade,
não tem nada a ver como estes temas “chatos”, desmanchas-prazeres das festanças
de fim de ano. É tempo de celebrar e comemorar-, a Família, a Paz, a Esperança!
O resto fica prá depois do recesso...(Não
é hora prá se falar e tratar de direitos...)
Em tempo: não basta o natal já desvirtuado,
e já se começa a pensar na Páscoa, dos chocolates, dos coelhinhos, dos
presentes, das viagens e passeios estimulados pela indústria do turismo... A
indústria, o comércio não perdem tempo, é preciso satisfazer o(a)
consumidor(a), atender a demanda...
Bom, mas prá contribuir a aclarar o
assunto, nada melhor que a entrevista de Frei Betto, da qual extraio alguns
itens a propósito...
(Eduardo Hirata)
“Mercado procura obscurecer a
dimensão de Jesus no Natal”
(Trechos de entrevista
de Frei Betto a Guilherme Almeida, jornal
Brasil de Fato, 25/12/2013)
...
*O Natal é um exemplo história
religiosa que mudou de sentido? O que é o Natal?
Um casal de Nazaré, Maria e José, vão para
Belém. Lá são rejeitados e convocados pelo recenseamento do Império Romano.
Tem várias hipóteses de por quê eles foram
rejeitados. A minha é que foram rejeitados porque Maria chegou grávida e eles
não estavam oficialmente casados.
Então, eles literalmente ocuparam uma terra
privada. Eu costumo brincar que, no dia seguinte, o “Diário de Belém” deve ter
dado a manchete: Família de sem-terra ocupa propriedade rural.
Jesus nasceu em um curral. Isso é muito
simbólico. Na época de Jesus, quem lidava com animais, como o açougueiro, era
socialmente rejeitado. Está lá na Bíblia visivelmente. Mas muita gente não tem
olhos pra ver.
· Mesmo com esse pano de fundo, por que o Natal se transformou em um
feriado de troca de presentes?
A data tem um sentido religioso muito
forte e é muito sedutora do ponto de vista de seu simbolismo.
O mercado procura cada vez mais obscurecer a
dimensão de Jesus de Nazaré e impor o Papai Noel, que tinha originalmente a cor
verde.
A Coca-Cola impôs a cor vermelha. Isso é
histórico. Há uma 'Papainoelização' que transforma o Natal em uma festa do
consumo.
· O que você indica para retomar o sentido original?
Eu tenho dito a muitos casais que têm
sensibilidade religiosa e filhos pequenos que tenham muito cuidado.
Temos que resgatar a espiritualidade e do
sentido religioso da festa.
Se não vamos entrar no grande paradigma da
pós-modernidade, que pode ser o mercado e não a solidariedade.
A religião foi um paradigma medieval. A razão
foi o paradigma moderno.
· E agora?
O mercado quer se impor na
pós-modernidade. É a mercantilização de todas as dimensões da vida.
Isso já ocorre fortemente nas duas grandes
datas cristãs, que são o Natal e a Semana Santa.
Essa última virou miniférias. Poucos se lembram que é a celebração da morte
e ressurreição de Jesus.
(Carlos Alberto Libânio Christo, mais conhecido como Frei
Betto, vive no convento de ordem dominicana, em Perdizes. Autor de 53 livros,
já ganhou o Prêmio Jabuti pelas obras “Batismo de Sangue” e “Típicos Tipos –
perfis literários”.
Adepto da Teologia da Libertação, é um grande defensor dos
direitos humanos no Brasil e uma das maiores vozes em favor dos movimentos
populares. Foi assessor especial do presidente da República Luiz Inácio Lula da
Silva, entre 2003 e 2004, e coordenou o programa Fome Zero. Desde de que
professou na Ordem Dominicana, em 1966, acompanha as mudanças na Igreja
Católica.)