E aqui no Brasil, no Maranhão e em Açailândia, ainda temos que
encarar muitas bestas e necessitamos praticar o Ubuntu.
E estamos precisados mais que nunca de Nelsons Mandelas, senão, como será o terceiro milênio?
O texto a seguir, de Leonardo Boff,
esclarece
O significado de
Mandela para o futuro ameaçado da humanidade
Depois de passar 27
anos de reclusão e eleito presidente da Africa do Sul em 1994, se propos e
realizou o grande desafio de transformar uma sociedade estruturada na suprema
injustiça do apartheid que desumanizava as grandes maiorias negras do pais
condenando-as a não-pessoas, numa sociedade única, unida, sem discriminações,
democrática e livre
(De Leonardo Boff, no
jornal Brasil de Fato, 09/12²013)
Nelson Mandela, com sua
morte, mergulhou no inconsciente coletivo da humanidade para nunca mais sair de
lá porque se transformou num arquétipo universal, do injustiçado que não
guardou rancor, que soube perdoar, reconciliar pólos antagônicos e nos
transmitir uma inarredável esperança de que o ser humano ainda pode ter jeito.
Depois de passar 27
anos de reclusão e eleito presidente da Africa do Sul em 1994, se propos e
realizou o grande desafio de transformar uma sociedade estruturada na suprema
injustiça do apartheid que desumanizava as grandes maiorias negras do pais
condenando-as a não-pessoas, numa sociedade única, unida, sem discriminações,
democrática e livre.
E o conseguiu ao
escolher o caminho da virtude, do perdão e da reconciliação. Perdoar não é
esquecer. As chagas estão ai, muitas delas ainda abertas. Perdoar é não permitir
que a amargura e o espírito de vingança tenham a última palavra e determinem o
rumo da vida. Perdoar é libertar as pessoas das amarras do passado, é virar a
página e começar a escrever outra a
quatro mãos, de negros e de brancos.
A reconciliação só é
possível e real quando há a admissão completa dos crimes por parte de seus autores e o pleno
conhecimento dos atos por parte das vítimas. A pena dos criminosos é a
condenação moral diante de toda a sociedade.
Uma solução dessas,
seguramente originalíssima, pressupõe um conceio alheio à nossa cultura
individualista: o ubuntu que quer dizer: “eu só posso ser eu através de você e
com você”. Portanto, sem um laço permanente que liga todos com todos, a
sociedade estará, como na nossa, sob risco de dilaceração e de conflitos sem
fim.
Deverá figurar nos
manuais escolares de todo mundo esta afirmação humaníssima de Mandela:”Eu lutei
contra a dominação dos brancos e lutei contra a dominação dos negros. Eu
cultivei a esperança do ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual
todas as pessoas vivem juntas e em harmonia e têm oportunidadades iguais. É um
ideal pelo qual eu espero viver e alcançar. Mas, se preciso for, é um ideal
pelo qual estou disposto a morrer”.
Por que a vida e a saga
de Mandela funda uma esperança no futuro da humanidade e de nossa civilização?
Porque chegamos ao núcleo central de uma conjunção de crises que pode ameaçar o
nosso futuro como espécie humana. Estamos em plena sexta grande extinção em
massa. Cosmólogos (Brian Swimm) e biólogos (Edward Wilson) nos advertem que, a
correrem as coisas como estão, chegaremos por volta do ano 2030 à culminância
desse processo devastador. Isso quer
dizer que a crença persistente no mundo inteiro, também no Brasil, de que o
crescimento econômico material nos deveria trazer desenvolvimento social,
cultural e espiritual é uma ilusão. Estamos vivendo tempos de barbárie e sem esperança.
Cito o o insuspeito
Samuel P. Huntington, antigo assessor do Pentágono e um analista perspicaz do
processo de globalização no término de seu O choque de civilizações: “A lei e a
ordem são o primeiro pré-requisito da civilização; em grande parte no mundo
elas parecem estar evaporando; numa base mundial, a civilização parece, em
muitos aspectos, estar cedendo diante da barbárie, gerando a imagem de um
fenômeno sem precedentes, uma Idade das Trevas mundial, que se abate sobre a
Humanidade”(1997:409-410).
Acrescento a opinião do
conhecido filósofo e cientista político Norberto Bobbio que como Mandela
acreditava nos direitos humanos e na democracia como valores para equacionar o
problema da violência entre os Estados e
para uma convivência pacífica. Em sua última entrevista declarou:”não saberia
dizer como será o Terceiro Milênio. Minhas certezas caem e somente um enorme
ponto de interrogação agita a minha cabeça: será o milênio da guerra de
extermínio ou o da concórdia entre os seres humanos? Não tenho condições de
responder a esta indagação”.
Face a estes cenários
sombrios Mandela responderia seguramente, fundado em sua experiência política:
sim, é possível que o ser humano se reconcilie consigo mesmo, que sobreponha
sua dimesão de sapiens à aquela de
demens e inaugure uma nova forma de estar
juntos na mesma Casa.
Talvez valham as
palavras de seu grande amigo, o arcebispo Desmond Tutu que coordenou o processo
de Verdade e Reconciliação:“Tendo encarado a besta do passado olho no olho,
tendo pedido e recebido perdão e tendo feito
correções, viremos agora a página — não para esquecer esse passado, mas
para não deixar que nos aprisione para sempre. Avancemos em direção a um futuro
glorioso de uma nova sociedade em que as pessoas valham não em razão de
irrelevâncias biológicas ou de outros estranhos atributos, mas porque são
pessoas de valor infinito, criadas à imagem de Deus”.
Essa lição de esperança
nos deixa Mandela: nós ainda viveremos se sem discriminações pusermos em
prática de fato o Ubuntu.
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