Caramba, que justiça
(com j minúsculo mesmo...) é essa, narrada pelo Frade Marcos Sassatelli, no
artigo que, concordando com ele em gênero, número e grau, transcrevo a
seguir?
E no nosso querido
Maranhão, como será que andam as coisas, o judiciário criou juízo e começa a
dar (bom) exemplo?
Aqui em Açailândia, já
teve (será que não foi revogada ainda?) uma lei municipal, do início dos anos
noventa, governo Leonardo Lourenço de Queirós, concede(u) “auxílio moradia a
juízes(as), naturalmente com o rico dinheirinho público da terrinha...
O que acontece em Goiás,
e certamente acontece também em outros Estados, e também na esfera federal,
deve ser bem refletido pela gente ingênua que acredita que com o desenrolar da AP 470 (me recuso a usar a
palavra sacada pela grande imprensa, Veja à frente...), a corrupção e as
maracutaias já eram...
2013 terminando ótimo,
no campo judicial...
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Uma Justiça “injusta”
Concordo plenamente, em
gênero, número e grau, com Humberto Milhomem, quando afirma: “mais uma vez
percebe-se que o Brasil é o país dos oportunistas, dos aproveitadores, das
castas privilegiadas, dos marajás...”
(Por Fr. Marcos Sassatelli, no jornal
“Brasil de Fato”, 30®/12/2013)
Lendo a manchete “TJ aprova
vale-alimentação para juiz e desembargador” (O Popular, 17/12/13, 1ª página),
fiquei profundamente estarrecido e indignado.
Lembro que - além do
auxílio-alimentação (R$ 418 mensais) - os magistrados recebem também o
auxílio-moradia (10% do salário,
mensalmente) e o auxílio-livro (12% do
salário, uma vez ao ano). O salário de juiz em início de carreira é cerca de R$
22 mil e o salário do presidente do TJ-GO é cerca de R$ 30 mil. Coitados, os
nossos juízes e desembargadores, estão passando necessidade! Poderiam ser
inscritos no programa “Bolsa-Família”! Ironias a parte, é realmente um
descaramento total.
Concordo plenamente, em gênero,
número e grau, com Humberto Milhomem, quando afirma: “mais uma vez percebe-se
que o Brasil é o país dos oportunistas, dos aproveitadores, das castas
privilegiadas, dos marajás...”. E ainda: “a extensão do vale-refeição aos juízes
e desembargadores - privilégio que outras categorias do Judiciário já possuem -
é, antes de tudo, uma acinte à população”.
Para mostrar o absurdo e a
imoralidade do benefício, ele lembra, como exemplo, “que os professores dos
Estados e dos Municípios de todo o Brasil não têm direito sequer ao lanche
servido aos alunos, muito menos ao vale-refeição. E por que essa categoria não
é merecedora deste direito?”.
Humberto continua dizendo: “muitos
professores, para dar conta das contas em casa, trabalham em dois turnos, tendo
menos de uma hora para almoçar, uma vez que as aulas terminam às 12:15 e
começam às 13 horas. Vão, então, para o segundo turno com fome, sem se
alimentar. E quanto ganham os professores? O salário é de R$ 1.567,00. Isto
mesmo! Com este mísero salário não têm direito ao vale-refeição”.
A partir dessa realidade de gritante
desigualdade, ele pergunta: “quanto ganha um desembargador?”. Responde: “mais
de R$ 20 mil. Estes absurdos - afirma Humberto - nos fazem entender por que o
Brasil é um dos países mais injustos do mundo, um país de contrastes que só
crescem”
Termina, pois, o seu desabafo,
dizendo: “agora, com todos esses privilégios, por que nossa Justiça é a pior do
mundo, ninguém consegue entender. Talvez esteja na hora do Governo Federal, a
exemplo dos médicos, importar juristas cubanos mais eficientes e menos caninos
na hora de atacar o erário” (Humberto Milhomem. Ib, 18/12/13. Carta dos
leitores, p. 6).
Humberto, todos e todas, que temos um
mínimo de sensibilidade humana e de senso ético, somos solidários e solidárias
com a sua justa indignação.
Em contraste com a denúncia de
Humberto, vejam agora o despudor do juiz de direito e presidente da Associação
dos Magistrados do Estado de Goiás (ASMEGO), Gilmar Luiz Coelho. Para justificar
o injustificável, a ASMEGO - através de seu presidente - “reitera que não
defende nenhum tipo de privilégio para qualquer categoria. Defende, ao
contrário, respeito, dignidade e igualdade no tratamento de qualquer
trabalhador. Ao requerer o pagamento do direito, o fez fundamentada na
Constituição Federal (artigo 129, parágrafo 4º) e na Resolução 133 do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), que prevê equiparação entre as carreiras da
Magistratura e do Ministério Público”.
A ASMEGO ressalta “que o direito não
é vedado pelo CNJ, sendo pago nos Tribunais Superiores e na imensa maioria dos
Tribunais de Justiça brasileiros. Destaca que o valor aprovado pela Corte
Especial do TJ-GO é bem inferior ao que é pago, por exemplo, ao MP: R$ 418,00
para magistrados, enquanto o MP paga a promotores e procuradores R$ 710,00. E
também que não haverá pagamento retroativo a cinco anos, como no caso do
Ministério Público” (Ib.).
Vejam, também, o despudor do promotor
Alencar José Vital, presidente da Associação Goiana do Ministério Público
(AGMP). Ele afirma, com todas as letras, que “não vê imoralidade no pagamento
do auxílio-alimentação”. Para o promotor, “a concessão é legal e há outros
benefícios que o MP-GO ainda não recebe”. E adianta: “vou atrás para
recebermos”
Apresentando as razões, Alencar José
diz: “o pedido do pagamento do auxílio-alimentação retroativo a 2008 e do
reajuste do valor partiu da AGMP. Qual a justificativa para esse pedido? Esse
benefício está previsto para o Ministério Público Federal (MPF) desde 1993. Com
a criação do CNJ, passou-se a dar um caráter de similaridade nacional para os
magistrados e membros do MPF. Com isso, o Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP) reconheceu a simetria entre MPF e MPs estaduais. E é importante
ressaltar que isso já vale para outros órgãos da Justiça, como STF, STJ, que já
recebiam o auxílio. Nós fomos um dos últimos Estados a pagar esse benefício”.
Sobre o assunto em questão, o
promotor demonstra ter uma visão meramente legalista, corporativista e
egocêntrica. Nas suas palavras não transparece a mínima preocupação com a
sociedade, que é estrutural e legalmente injusta, que exclui e descarta as
pessoas com a maior frieza e crueldade, e que é baseada na lei do mais forte,
que é a lei da barbárie.
A respeito da conquista do benefício
(que, diante de Deus - tenho certeza - é um malefício), Alencar José declara:
“comemoramos entre nós. A nossa obrigação, da Associação, é lutar pelos nossos
direitos. Na medida em que a PGJ aquieceu a um pedido nosso, que foi feito
dentro da lei, da fundamentação que se aplica a todo território nacional, não
vejo problemas”.
Perguntado se, na concessão do
benefício do auxílio-moradia, não há imoralidade, o promotor diz: “o norte da
sociedade moral é a lei. Porque o julgamento moral dessa ou aquela ação é
subjetivo. Agimos em cima da legalidade”.
Não dá para acreditar que um promotor
possa, honestamente, fazer uma afirmação como essa. Até uma criança do Ensino
Fundamental sabe que nem tudo o que é legal, é ético. Na sociedade, a
imoralidade é, na maioria das vezes, legalizada e institucionalizada. Ora,
quando a lei é injusta, toda pessoa ética tem a obrigação de não aceitar os
benefícios concedidos por ela e, se for necessário - em nome do direito à
“objeção de consciència” - tem também a obrigação (mesmo com risco de vida) de
praticar a “desobediência civil” e de lutar para que a lei seja mudada. O
comportamento ético é o comportamento mais humano possível numa determinada
situação concreta.
Defender o “auxílio-alimentação e
outros auxílios em causa própria, é muita cara-de-pau dos magistrados. Esses
juízes e desembargadores não têm moral e, portanto, não têm condição de fazer
justiça. Como podemos confiar numa Justiça “injusta”, que é um verdadeiro
assalto aos cofres públicos? É lamentável que, em pleno século XXI, exista
ainda tanto atraso cultural e ético.
Que - depois de recebermos, com
alegria e esperança, a Boa Notícia do Natal de Jesus - 2014 seja, para todos e
todas nós, um ano de muito compromisso com a construção de uma nova sociedade,
justa, igualitária, de verdadeiros irmãos e irmãs. Feliz Ano Novo!
Em tempo: voltarei a escrever no
início do mês de fevereiro/14.
(Fr. Marcos Sassatelli,
Frade dominicano é doutor em Filosofia (USP) )