Começando a semana, a cidade
movimentada com o consumismo do natal, o corre corre e o estresse das pessoas,
e cada vez mais onipresente e onipotente nestes tempos globalizados, o
inveitáveel celular!
Eu não aguento mais tanta
perturbação: é no coletivo, é no táxi, é na rua! Dia desses, em plena Duque de
Caxias movimentadíssima, não foi um esbarrão, foi um empurrão, e a
jovem,derrubando o celular que manejava, ainda me esculhambou! E no ônibus, voltando
de São Luís, duas mulheres infernizaram por mais de duas horas, falando
alto suas besteiras e fofocas!
É, celular hoje, é de lamentar, é sinônimo
de má-educação!
E o artigo do Frei Betto, a
seguir,contribui para melhor entendermos
essa má-educação, verdadeira praga modernosa!
(Eduardo Hirata)
(Cartum de Netto)
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Meu celular, minha vida
O Brasil é o 60º país do mundo mais
conectado por celular, e o 4º a dar mais lucros às empresas de telefonia. O
brasileiro gasta, em média, 7,3% de sua renda mensal com o uso do telefone
móvel.
( Frei Betto, no jornal
Brasil de Fato, 05/12/2013)
Há uma nova doença nos anais da
medicina: a nomofobia, o medo de ficar sem celular. O termo foi cunhado no
Reino Unido, e deriva de “no mobile phobia”. O fato é óbvio: para qualquer
lugar que se olhe, as pessoas estão atentas ao celular – rua, restaurante,
local de trabalho, ônibus, metrô, escola, e até igreja.
Não sem razão, a revista Forbes
considerou o mexicano Carlos Slim, em 2013, pela quarta vez consecutiva, o
homem mais rico do mundo, com uma fortuna calculada em 73 bilhões de dólares.
Com negócios na área de comunicação em vários países, no Brasil ele controla a
Globopar (Net), a Claro e a Embratel.
O Brasil é o 60º país do mundo mais
conectado por celular, e o 4º a dar mais lucros às empresas de telefonia. O
brasileiro gasta, em média, 7,3% de sua renda mensal com o uso do telefone móvel.
Em julho deste ano, nosso país dispunha de 267 milhões de aparelhos.
Essa fissura de manter o celular
ligado o tempo todo – e manter-se ligado ao celular todo o tempo (até na hora
de dormir) – se explica pela hipnose coletiva gerada pelas redes sociais.
das anomalias de nossa época pós-moderna é o
esgarçamento das relações pessoais e comunitárias. A família tradicional, que
se reunia à mesa de refeições ou na sala para conversar, é hoje um bem escasso.
As relações matrimoniais mal resistem à primeira crise. Segundo o IBGE, as
uniões conjugais duram, em média, cerca de sete anos!
Na opinião de Aristóteles, amizades
são imprescindíveis à nossa felicidade. No entanto, nesse mundo competitivo,
muitas andam contaminadas por inveja, ciúme, cobranças, ou prejudicadas pela
falta de tempo.
Resta então, nesse mar revolto no
qual naufragam antigos e saudáveis costumes, a ilha salvadora do celular! O
aparelho corresponde muito bem às contradições da pós-modernidade: por ele me
comunico, sem conversar; opino, sem me comprometer; me expresso, sem me
envolver; troco mensagens e torpedos, sem me doar a ninguém e a nenhuma causa.
O fascínio do celular consiste em
amenizar minha solidão sem exigir solidarizar-me. Estou na rede, interajo com
inúmeras pessoas e, no entanto, fico na minha, olhando o meu umbigo,
indiferente ao fato de algumas dessas pessoas estarem sofrendo ou, pelo menos,
necessitando de minha presença física consoladora ou incentivadora.
O celular faz de mim, Clark Kent, um
Super-Homem. Eu, a quem quase ninguém presta atenção, agora gozo de um público
multimídia ligado no que expresso. Em contrapartida, o celular me rouba tempo:
de leituras, de trabalho, de convivência familiar e com amigos. Com ele ligado
no bolso ou ao meu lado, fica cada vez mais difícil a concentração.
O celular é um espelho mágico. Repare
como as pessoas o fitam. É como se vissem na tela. Por ser um equipamento
eletrônico dotado de múltiplos recursos, ele me traz a sensação de que sou um
Pequeno Príncipe capaz de visitar sucessivamente diferentes planetas.
No celular eu me enxergo como
gostaria que as pessoas me vissem. Com a vantagem de que ele dissimula minha
verdadeira identidade, meu modo de ser, permitindo que eu me esconda atrás
dele. Ele faz de mim um ser onipresente. O que transmito é captado por uma rede
infinita de pessoas que, por sua vez, podem reproduzir a inúmeras outras.
Hoje em dia os consultórios médicos
já lidam com crianças, jovens e adultos que padecem de nomofobia. Gente que não
consegue se desconectar do aparelho. Vive as 24h do dia ligada a ele.
Ah, como é saudável estar bem consigo
mesmo e manter o celular desligado por um bom tempo, sobretudo à noite! Mas
isso exige o que parece cada vez mais raro nos dias atuais: boa autoestima,
falta de ansiedade, consistência subjetiva, gosto pelo silêncio e uma vida
ancorada em um sentido altruísta.
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Frei Betto é escritor, autor do romance “Aldeia do silêncio” (Rocco), entre outros livros.