O que explicaria o
clamor tão grande em Açailândia do Maranhão
e no Brasil, pelo encarceramento de adolescentes infratores e pela redução redução penal?
O ano de 2013 encerra
com o debate da questão, cada vez mais exarcebado e radicalizando perigosamente...
E aqui no nosso Estado,
a situação é ainda mais terrível, com o que vem acontecendo no sistema
prisional, uma verdadeira barbárie.
E no fato de que “oficialmente”
não se pode “internar” adolescentes infratores, pois as unidades de internação
estão judicialmente internadas, e sem registro de funcionamento,
concedido pelo
CEDCA-MA/Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente.
E é preciso ressaltar
que a situação não é de hoje, e é sempre preciso lembrar aos (as) açailandenses
que defendem o encarceramento prisional e a redução da idade penal (quase
sempre em “integração” com a pena de morte...) que quatro adolescentes foram
assassinados cumprindo pena de internação, aos cuidados do Estado (e também da
sociedade, que tem responsabilidades, sim) e nove adolescentes e jovens quando
egressos dessa penalidade também tiveram abreviadas violentamente as suas
vidas.
Pior ainda é que por
aqui há um “verdadeiro pavor” em debater o assunto, por parte das instituições
e autoridades mais diretamente vinculadas à questão, e que experiências positivas tanto no Brasil como no mundo,
tenham sido abandonadas, como a “criação” de uma Justiça Juvenil Restaurativa,
a implantação de Práticas Restaurativas e a participação açailandense nas
atividades da Rede Maranhense de Justiça Juvenil.
Por aqui, não temos
plano, política de atendimento, e o ECA/Estatuto da Criança e do Adolescente é flagrantemente
pisoteado.
Aliás, falando no ECA,
é um absurdo que se queira mudar (fazer outra) a lei e reduzir a idade penal,
encarcerando adolescentes nos presídios/penitenciárias “comuns”, quando em 23-
vinte e três- anos do ECA., praticamente nada se fez e se faz para cumpri-lo, o
que com toda certeza propiciaria outro quadro nacional?
Para encerrar 2013, e
começar 2014 com essa pauta, “esperando” que nosso SGD/Sistema de Garantia de
Direitos e rede de atendimento” enfim reúna,
sente, converse, se articule e mobilize para cumprir o ECA, a “Lei do SINASE/Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo”, como é de sua obrigação,
Segue artigo publicado
na revista Carta Capital, uma das muitas contribuições ao debate e busca de
soluções (menos a redução da idade penal, que não é solução alguma...)
(Eduardo Hirata)
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“Menor bom é menor preso?”(por Rodrigo Martins, revista Carta Capital,
— publicado 27/12/2013)
Nove em cada dez
brasileiros são favoráveis à redução da maioridade penal, a despeito da
oposição do governo federal, de juristas, da Igreja Católica e de organizações
de direitos humanos
No início de abril, o universitário
Victor Hugo Deppman, de 19 anos, foi abordado por um rapaz armado na porta de
casa, em São Paulo. Mesmo após entregar o celular, sem esboçar qualquer reação,
acabou executado com um tiro na cabeça.
A morte brutal logo ganhou destaque
na mídia e reacendeu um debate que se arrasta há mais de duas décadas no
Brasil, sempre de volta à baila quando a classe média se vê vítima de novo ato
de barbárie: a redução da maioridade penal.
O assassino, soube-se mais tarde, era um
adolescente infrator reincidente. Ele assumiu a autoria do crime, ocorrido três
dias antes de completar 18 anos. Como não havia atingido a idade para a
responsabilização criminal, voltou a cumprir medida socioeducativa na Fundação
Casa. Antes dos 21 anos, deve estar solto, como determina o Estatuto da Criança
e do Adolescente.
Diante da repercussão na mídia e em
meio aos protestos convocados por amigos e familiares, o instituto Datafolha
saiu às ruas para aferir a opinião da população quanto à possibilidade da redução
da maioridade penal, prevista em mais de 50 projetos em tramitação no
Congresso. O resultado: 93% dos paulistanos mostraram-se favoráveis à
responsabilização criminal de jovens a partir dos 16 anos, e não mais aos 18,
como determina a atual legislação. A adesão maciça à ideia poderia ser
influenciada pelo calor dos acontecimentos.
Mas, passados dois meses, o Vox Populi voltou
às ruas com a mesma pergunta, dessa vez em uma pesquisa de abrangência
nacional. A conclusão foi estarrecedora: 89% dos entrevistados acham necessário
encarcerar os adolescentes infratores.
Um consenso popular que desafia as
políticas públicas em voga na sociedade. O resultado das pesquisas contraria a
posição defendida pelos governos Lula e Dilma, a opinião de juristas que
enxergam na proposta um “populismo penal”, o entendimento da Igreja Católica e
de incontáveis organizações de defesa dos direitos da criança e do adolescente,
a vislumbrar na redução da maioridade penal mais malefícios que benefícios.
Curiosamente, nenhum outro tema
polêmico da agenda nacional mobiliza tamanha concordância da população. Segundo
diferentes pesquisas, proposições como pena de morte e casamento gay, por
exemplo, costumam dividir a população ao meio. Ao menos um quarto defende a
legalização da maconha ou a descriminalização do usuário de drogas. O que
explicaria, então, o aparente paradoxo lógico?
Por que boa parte da população que se mostra
liberal em temas igualmente polêmicos é tão taxativa quando se trata de prender
adolescentes como bandidos comuns?
“Não se pode dizer que todos os que apoiam a
redução da maioridade penal são conservadores ou reacionários. Dentro de um
universo tão amplo, há seguramente cidadãos com posições progressistas em
relação a direitos civis e individuais, mas que se sentem acuados pela
violência e seduzidos por soluções mágicas”, avalia o cientista político Marcos
Coimbra, diretor do Vox Populi. “No mundo todo, há uma predisposição da opinião
pública a acreditar que a violência só vai reduzir com mais repressão, mais prisões
e penas mais duras. E não há uma defesa enfática do argumento contrário.
Com a espetacularização dos crimes cometidos
por menores na televisão, quem se dispõe a dizer abertamente que a prisão para
os adolescentes não é justa?”
Especialistas, ONGs de direitos
humanos e organismos internacionais bem que tentam demonstrar as falácias da
proposta. “Os adolescentes são mais vítimas que autores de violência. Em 2011,
eles foram responsáveis por, aproximadamente, 1,8 mil homicídios, 8,4% do
total. No mesmo ano, 4,3 mil jovens entre 12 e 18 anos incompletos foram
assassinados.
Mas quando um garoto negro é morto na
periferia poucos dão atenção. A mídia costuma dar destaque apenas quando
cidadãos de classe média ou alta são as vítimas”, critica Mário Volpi, coordenador
do programa de Cidadania dos Adolescentes do Unicef, ligado às Nações Unidas.
“Em 2011, os homicídios cometidos por
menores representaram 3,7% do total de casos no Brasil. Nos EUA, onde diversos
estados tratam adolescentes como adultos, inclusive na eventual aplicação de
pena de morte ou prisão perpétua, eles foram responsáveis por 11% dos
assassinatos.”
Na avaliação do advogado Rafael
Custódio, da ONG Conectas, o que está em jogo é a política penal que o Brasil
pretende adotar. Se o foco é punitivo, o País tende a seguir o exemplo
americano de encarceramento em massa. Trata-se de uma abordagem distinta do
direito restitutivo, que preconiza a recuperação dos infratores para a futura
reinserção social. “É impossível de isso ser feito num presídio comum, ainda
mais com a atual superlotação. Hoje, a população carcerária brasileira é
superior a 550 mil detentos, e há um déficit de 200 mil vagas. O Estado não
garante a segurança dos presos, eles são alvo de extorsões do crime organizado.
Para sobreviver nesse ambiente hostil, muitos se associam a facções
criminosas.”
De fato, não parece fazer sentido
jogar os 60 mil jovens que cumprem medidas socioeducativas em presídios
convencionais se o objetivo é tirá-los do crime. Ainda que 43,3% deles sejam
infratores reincidentes, no encarceramento adulto a média é ainda pior. Sete em
cada dez presos que deixam o sistema penitenciário voltam ao crime, uma das
maiores taxas de reincidência do mundo.
Mas não deixa de ser legítima a preocupação da
população com sua própria segurança, afirma Renato Janine Ribeiro, professor de
Ética e Filosofia da Universidade de São Paulo. “Se a redução da maioridade
penal não é boa, qual é a melhor opção? Deixar tudo como está? Estamos perdendo
tempo com esse sim ou não para a mesma proposta, e os chamados ‘setores
progressistas’ não apresentam alternativas.”
O filósofo teme que a solução
simplista de reduzir a idade penal apenas sirva para antecipar a prática
delituosa entre os adolescentes. Caso a maioridade passe a valer a partir dos 16
anos, por exemplo, o que garantiria que o tráfico não passasse a aliciar jovens
de 13 ou 14 anos, por exemplo? De toda forma, propõe uma alternativa: “Quando
um adulto alicia um menor para praticar um roubo e o adolescente mata uma
pessoa, o adulto deveria ser responsabilizado pelo homicídio. O mesmo deveria
valer para qualquer outro crime”.
A busca por opções também levou o
vereador paulistano Ari Friedenbach (PPS) a propor outra inovação. Em 2003, ele
sofreu com o brutal assassinato de sua filha Liana, de 16 anos, caso em que
houve a participação de um adolescente. Defensor ardoroso da redução da
maioridade penal, mudou de opinião. “É ineficaz, pois estimula os criminosos a
recrutar adolescentes ainda mais novos”, pondera. “Mas não posso conceber que
um estuprador ou um homicida de 16 anos cumpra no máximo três anos de
internação. Por isso, acho que para cinco crimes de maior potencial ofensivo
(homicídio, latrocínio, estupro, roubo à mão armada e sequestro) o adolescente
deve, sim, ser julgado e condenado. Permanece numa instituição como a Fundação
Casa até completar 18 anos e depois termina de cumprir a sentença num presídio
comum.”
A proposta livraria da cadeia
adolescentes envolvidos com pequenos furtos ou com tráfico de drogas, por
exemplo. Estes continuariam a cumprir medidas socioeducativas nos moldes
atuais. Mas o texto proposto pelo vereador ainda espera alguém disposto a
apresentá-lo no Congresso. E os mais conservadores insistem na punição ampla e
irrestrita. “Criança é quem toma mamadeira, faz xixi no colo da mãe e dorme no
berço. Quem rouba, mata e estupra é bandido e ponto”, esbraveja o senador Magno
Malta, autor de um projeto que prevê a responsabilização criminal de qualquer
cidadão, independentemente da idade.
Da Assembleia Legislativa de São
Paulo, o deputado estadual Campos Machado puxa um abaixo-assinado para tentar
emplacar um plebiscito sobre o tema. “É uma forma de furar a blindagem do
governo federal, que impede a discussão do tema no Congresso. Vamos deixar o
povo decidir.”
Se a disputa política assemelha-se a
uma briga de foice, no meio jurídico o cenário não é tão distinto. Ministros do
Supremo Tribunal Federal, como Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, já se
manifestaram contra a alteração das regras.
Mesma opinião tem o presidente da
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra. “O sistema
carcerário está superlotado, não é possível botar mais gente.” Mas uma pesquisa
feita pela entidade em 2006, com mais de 3 mil entrevistados, revelou que 61%
dos juízes brasileiros são favoráveis à proposta.
Entre os promotores, a divergência também é
grande. “Jogá-los na cadeia não resolverá nada, precisamos recuperar esses
jovens”, opina o promotor paulista Fernando Henrique de Moraes Araujo, com 14
anos de experiência na Vara de Infância e Juventude. “É chocante a legislação
permitir a impunidade dos adolescentes enquanto a violência está grassando na
sociedade”, rebate o colega Oswaldo Monteiro da Silva Netto.
E um equívoco dizer que os menores
infratores estão impunes. Se o cumprimento das medidas socioeducativas não está
surtindo o efeito esperado, devemos reavaliar o trabalho feito com os jovens, e
não jogá-los numa cela”, avalia a defensora pública paulistana Juliana Ribeiro.
“As instituições que abrigam os infratores não funcionam adequadamente. Os
monitores portam-se como carcereiros.
A escola reúne em uma mesma sala
adolescentes de diferentes níveis de aprendizado. Os psicólogos e assistentes
sociais estão sempre sobrecarregados. E são corriqueiras as denúncias de
agressão contra os internos. Cansei de ver garotos com sinais de espancamento,
cabeça rachada... É esse tratamento que precisa ser revisto, e não a
legislação.”
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