(Informe da Secretaria Executiva do
Fórum DCA Açailândia- Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen
Bascaran)
Estamos chegando ao dia
12 de junho. Não, não se trata da “comemoração” do “dia dos namorados”, mas sim
da lembrança ao “Dia Mundial- e Nacional – de Combate ao Trabalho Infantil”.
O Fórum DCA (dos
Direitos da Criança e do Adolescente) de Açailândia-MA., por diversas vezes, já
tentou “oficializar” alguma memória e atividade, dentro da programação da “Semana
Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes”,
evento anual de maior repercussão e movimento no calendário da comunidade
DCA...
O fundamento: a
exploração sexual de Crianças e Adolescentes é considerado pela OIT/Organização
Internacional do Trabalho, uma das piores formas de trabalho infantil.
Mas sob alegações
diversas, desde “... não se pode misturar as coisas –
violência sexual contra trabalho infantil...”
até outras barbaridades semâncticas do tipo, a anos o “SGD/sistema de garantia
de direitos de Crianças e Adolescentes” açailandense teima em não lembrar a
data mundial e nacional, e se passa em “brancas nuvens”...
Aliás, a anos não se
debate, com maior amplitude e profundidade, a questão do trabalho infantil, um
crime perverso, agora hediondo (porque exploração sexual agora é hediondo...),
e essa questão é uma realidade terrível, uma chaga purulenta e malcheirosa
entre nós...
Propusemos neste 2014,
uma atividade para o domingo, 18/05, na “feira-livre”, local de grande
movimentação de pessoas, às margens da movimentada rodovia Belém-Brasília, e
também local de intensa “exploração do trabalho infantil”, com dezenas e
dezenas de Crianças e Adolescentes nas mais diversas labutas, de maneira
escancarada, diante da absoluta ausência e total omissão das “autoridades
responsáveis” pela prevenção e combate a este crime, previsto na Constituição
da República, no ECA, na CLT.; com Plano Municipal (e Estadual e Nacional) de
Erradicação; com TAC acordado entre o município
e o MPT/Ministério Público do Trabalho.
Mas como “santo de casa
não faz milagre”, reproduzimos a seguir artigo publicada na “Carta Capital”,
com a foto dos meninos brincando.
(Eduardo Hirata)
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Infância Esquecida
Lugar de criança não é em uma atividade repetitiva ou que a
exponha arduamente a busca pela sua sobrevivência. Este é o lugar dos adultos
(por Fábio José Garcia
Paes — publicado na “Carta Capital”, 23/05/2014)
Lugar de criança é na escola, em espaços culturais, na rua,
como espaço pedagógico de relações e liberdade, aprendendo a fazer jogos e
brincadeiras
Hoje falar de direitos
humanos de crianças e adolescentes se transformou em assunto de gente chata,
que quer falar de direitos e não de deveres.
Que sempre evita o esquecimento dos direitos e
deveres definidos nas cartas internacionais e nacionais da infância.
Frases como: “Quem defende erradicação do trabalho infantil, cultura contra palmadas,
enfrentamento da proposta de redução da idade penal, é porque que não sabe que
na vida a gente aprende é com o tranco e com castigo e trabalho mesmo”.
Estas afirmações acima
mencionadas retratam o senso comum de uma boa parte da sociedade brasileira,
que perpetua uma cultura de uma possível “educação”
forjada na desvalorização e vulgarização dos direitos conquistados ao longo dos
últimos anos de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, e em
condição peculiar de desenvolvimento.
Estas pessoas se acostumaram a ver meninas e
meninas trabalhando na lavoura, serviços domésticos, no comércio, na fabricação
de produtos artesanais ou industrializados e nas esquinas de tantos semáforos
de nossos centros e periferias urbanas.
A base da legitimação para estas cenas é como
se isso fosse uma forma de exercer sua condição humana de ganhar a vida, ou de
se educar para o necessário mundo do trabalho.
“Ué, mas é assim que a vida ensina. Trabalhar não é um mal,
faz parte da vida humana. Eu trabalhei desde pequeno e isto formou meu caráter
e me preparou para a vida. Criança tem que trabalhar pra dar valor às coisas da
vida!”.
Esta visão traz no bojo
uma afirmação de que as crianças e adolescentes não tem direito de viver sua
condição especial de aprendizagem e desenvolvimento, eles devem se submeter à
responsabilidade da roda da sobrevivência e ao peso enfadonho da vida regido
por um dever de desafios e repetição.
Há uma concepção
equivocada, distorcida e danosa historicamente por pessoas que acreditam
firmemente no “poder da educação” para crianças e adolescentes por meio do
trabalho. A questão é: o que entendemos de infância e Adolescência? Quais são
os elementos necessários para esta etapa da vida de todo e qualquer ser-humano?
O que deve ser potencializado e oferecido como oportunidade?
Durante muitos anos
esta cultura de submeter e aceitar a infância mecanismos de trabalho aponta
para um adultocentrismo da infância e uma anulação do principio que rege as
condições deste período de existência. A
vida não é feita só de uma perspectiva laboral. Ou seja: não apenas serei
marceneiro, comerciante e assim por diante.
Somos um ser integral com diversos potenciais
e necessidades que devem ser desenvolvidos e propiciados em territórios
diversificados, múltiplos e cotidianos de aprendizagem. Queremos aprender sobre
o mundo, suas informações, seus mistérios e revelações, sobre o prazer de
brincar e jogar, sem o peso do “dever”
imposto pela agenda especifica da responsabilidade da vida adulta.
Queremos descobrir leituras e nos lançar em
âmbitos e situações que forcem nossa mente e corpo a se desenvolverem de forma
sadia e qualitativa.
Na infância sabemos que
está uma das etapas mais importante para desenvolver nosso potencial de ser
gente. Aprendemos a amar e ser amado, relacionar-se, imaginar, criar, jogar,
divertir-se, enfim, aprendemos a aprender. O tempo e os espaços devem
oportunizar este “lugar e momento” do desenvolvimento emocional, cognitivo,
cultural e social por excelência.
Gastar tempo em jogos, brincadeiras e em
momentos de criação e imaginação em nossa infância é promover que tenhamos
seres-humanos com suas potencialidades desenvolvidas de maneira singular e
oportuna em nossa sociedade.
Lugar de criança não é
em uma atividade repetitiva ou que a exponha arduamente a busca pela sua
sobrevivência. Este é o lugar dos adultos, esta é a responsabilidade dos
mesmos.
Lugar de criança é na escola, em espaços
culturais, na rua, como espaço pedagógico de relações e liberdade, aprendendo a
fazer jogos e brincadeiras, se deliciando com as artimanhas de soltar pipa, ou
de descobrir seus medos em mergulhos em rios, piscinas ou subir em muros e
árvores.
Lugar de crianças é no ócio criador que
possibilita a imaginação e incentiva a curiosidade que lança para descobertas
do corpo, afetividade e do intelecto frente a inúmeras realidades do que
chamamos de vida.
Esta perspectiva
apresentada é realidade em nosso contexto brasileiro marcado por diferenças
sociais e econômicas? Infelizmente em grande parcela de nossas comunidades
periféricas e nos rincões de nosso país, isto não é uma realidade construída.
Vivemos ainda numa realidade dura e feia
gerada pelos equívocos de famílias e da sociedade de modo geral orquestrada
pela ineficiência na implementação de políticas públicas na área da educação,
saúde, lazer e assistência e tantas outras.
No Brasil sabemos que
lugar de criança ainda é em lugares especificamente de adultos, em especial
para a população empobrecida e marginalizada pelo sistema econômico. O número
de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos que trabalham no Brasil diminuiu, mas
o País ainda tinha 3,7 milhões de meninos e meninas em atividades econômicas
ilegais em 2011. Os dados fazem parte do estudo O Trabalho Infantil Doméstico
no Brasil, divulgado pelo FNPETI (Fórum Nacional para a Erradicação do Trabalho
Infantil). O contingente de crianças que trabalham representa 8,6% do total da
população desta faixa etária — havia 42,7 milhões de jovens entre 5 e 17 anos
no Brasil em 2011.
Enfim, estes são os
dados gerais da situação das crianças e adolescentes no país. Um longo caminho
teremos que percorrer para chegar a erradicação dos trabalhos severos,
considerados escravos, e dos mais comuns e cotidianos que acontecem dentro de
casa ou nas ruas de nossas comunidades.
Um país em que crianças
têm tempo e espaço para se desenvolverem é um país que investe não em seu
futuro e sim na condição vital de seu presente.
É hora de nossas
crianças e adolescentes viverem aquilo que o próprio ECA define como condição
peculiar no artigo 6º: “Na interpretação
desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as
exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a
condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”.
O Brasil tem como de,
até 2015, erradicar as piores formas de trabalho infantil e, até 2020, todas as
formas. Será possível? Se investirmos de maneira prioritária numa nova cultura
frente à infância deste país sim.
Continuemos com nossa
luta pela efetivação dos direitos humanos de crianças e adolescentes, livres
dos entraves e pesos históricos de adultos donos de tantas verdades e
equívocos.
Deixemos as crianças serem crianças, não
esqueçamos disso em nossas rotinas e desafios enquanto cidadãos de uma
sociedade justa para todos e todas, inclusive para nossas crianças e adolescentes,
historicamente calados e manipulados por tantos interesses e descasos.
(* Fábio José Garcia Paes é Assessor Nacional de Advocacy)
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