Mas isso não “livra a
cara” do nosso governo estadual (e também dos poderes legislativo e judiciário,
que é tudo governo, poder público...).
E também é preciso
pautar: quem este rebuliço todo causado pela “crise penitenciária”, se esquece
da “crise no sistema de atendimento de medidas socioeducativas para
adolescentes em conflito com a lei”, a começar que o Maranhão não tem unidades
de internação, interditadas pela justiça, e outras de
semi-liberdade/custódia/internação provisória não autorizadas pelo
CEDCA-MA/Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do
Maranhão.
E o o atendimento das
medidas socioeducativas em meio aberto (liberdade assistida, prestação de
serviços à comunidade), sob “responsabilidade” dos municípios, é uma piada e um
faz de conta absurdo, que não acolhe, inclui, não trata, não “resgata” adolescente
algum(a)...
O CNJ já esteve por
aqui, recomendou, exigiu, mas nosso
governo estadual, nem aí pro azar...
O “complexo” que seria
construído em Imperatriz, “promessa” do governo Roseana, velha de quatro ou
cinco anos, cadê?
Mas construir, como
salienta o artigo acima, não vai resolver coisa alguma... Enquanto isso, as
unidades da FUNAC, na ilha-capital ou em Imperatriz, continuam registrando
motins, rebeliões, protestos, fugas.
Parodiando o bordão do
Casoy: “Isso, Maranhão e municípios maranhenses, a começar do nosso,
Açailândia, é uma vergonha!”
Vamos ficar parados,
lamentando a sorte, de braços cruzados, aguardando as próximas “Anas Claras”,
para depois nos solidarizarmos com as famílias vitimadas?
A seguir, artigo
publicado na revista Carta Capital, diagnóstico da professora Camila Caldeira
Nunes Dias, pesquisadora do NEV/ Núcleo de Estudos da USP/Universidade de São
Paulo.
(Eduardo Hirata)
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MUITO ALÉM DO MARANHÃO
(Por Bruna Carvalho, revista Carta
Capital, 07/01/2013)
A crise que eclodiu no Complexo
Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís (MA), é reflexo de uma série de falhas
que acompanham o sistema prisional de todo o Brasil há décadas. O diagnóstico é
de Camila Caldeira Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC e
pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP. Para Dias, falta
disposição nas três esferas do Poder para se atacar o problema, cuja origem
está na política de encarceramento em massa, nas péssimas condições de
cumprimento de penas e na ausência de políticas públicas de prevenção à
criminalidade.
A crise no Maranhão ganhou
repercussão nacional com a divulgação de um relatório produzido pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ). O documento mostrou que 60 presos foram mortos no
interior de estabelecimentos prisionais do Estado no ano passado e que mulheres
foram estupradas durante o período de visitas. No Complexo de Pedrinhas, houve
episódios de violência extrema com detentos mortos sendo decapitados em
confrontos entre facções rivais. Nesta terça-feira 7, um vídeo divulgado pela
Folha de S.Paulo mostrou a barbárie em detalhes.
Também nesta terça-feira 7, o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, recebeu um relatório do governo
do Maranhão sobre a situação dos presídios no Estado. A resposta da
administração de Roseana Sarney (PMDB) rebate o documento produzido pelo CNJ e
servirá como base para avaliar a possibilidade de uma intervenção federal no
sistema carcerário maranhense. A medida, excepcional, suprime temporariamente a
autonomia do Estado, assegurada pela Constituição.
A intervenção é complexa, tanto do
ponto de vista jurídico quanto político. Ela só pode ser autorizada pelo
Supremo Tribunal Federal, em alguns casos com anuência do Congresso Nacional,
quando há casos concretos de ameaça à ordem pública. "Há também uma
dificuldade política em se realizar a intervenção, principalmente por causa das
alianças partidárias", diz Camila Dias. "A intervenção é um
reconhecimento da incapacidade daquele Estado em lidar com a situação.
Politicamente, não interessa a nenhum governo esse reconhecimento de sua
incapacidade, então, sempre se evita ao máximo." No caso em questão, a
família Sarney é aliada da presidenta Dilma Rousseff (PT) em âmbito nacional.
A pesquisadora da USP e da UFABC
avalia que, na maioria dos casos, as medidas para se contornar crises agudas
nos presídios têm efeitos apenas emergenciais e de curto prazo, como reforços
no policiamento ou oferecimento de vagas em outras penitenciárias para se
separar detentos de alta periculosidade. "São necessárias medidas de longo
prazo, e não só do Executivo, mas do Judiciário também", avalia Dias.
"Não só no Maranhão, mas no Brasil inteiro, você tem uma quantidade imensa
de pessoas presas por crimes que poderiam ser punidos com medidas alternativas.
A adoção de outras medidas punitivas seria muito importante para tornar o
cenário carcerário brasileiro menos explosivo", afirma.
A adoção de penas alternativas para
crimes de menor gravidade é defendida por inúmeros especialistas como parte de
uma solução de longo prazo, mas encontra resistências. Está cada vez mais
presente no Brasil um discurso, reforçado pela grande imprensa, em favor do
endurecimento penal. "Os políticos, com seus interesses eleitorais,
particulares, acabam encampando essas demandas, porque sabem que dão voto. Você
defender a Rota na rua, prisão para bandido, eleitoralmente, é muito positivo.
No Legislativo, esse discurso é alimentado com projetos de lei para reduzir a
maioridade penal, prisão perpétua, entre outros."
Além do Maranhão Casos como o do
Maranhão se repetem ano após ano em presídios em todo o País. Penitenciárias em
São Paulo, Rio de Janeiro, Piauí, Espírito Santo já foram palco de ações
violentas e mortes de detentos após brigas internas entre facções rivais. Um
caso emblemático é o do presídio Urso Branco, em Rondônia. Em 2008, após
episódios de tortura e mortes em série o procurador-geral da época entrou com
um pedido de intervenção federal, que não chegou a ser julgado pelo STF. A
penitenciária é a mesma em que, em 2002, uma rebelião de detentos deixou 27
mortos.
Para a socióloga da USP, os episódios
de violência estão intimamente ligados às condições precárias de cumprimento de
pena no Brasil e à superlotação de presídios. Segundo dados de dezembro do
Sistema de Informações Penitenciárias (Infopen) do Ministério da Justiça, 548
mil pessoas compõem a população carcerária no Brasil, mas os complexos
penitenciários dispõem de apenas 310,6 mil vagas.
"A superlotação é uma invariante
histórica no Brasil. Mas construir presídios, que é só o que se faz no Brasil
há décadas, não resolve, porque se constrói para superlotá-los novamente. É
preciso interromper esse ciclo. E isso só será feito com medidas preventivas à
criminalidade, de garantia de direitos às populações pobres, de periferia, que
são a clientela massiva do sistema carcerário brasileiro", afirma.
Dias aponta que, no
Brasil, onde há 288 presos para cada 100 mil habitantes, se prende muito,
porque, após mais de 20 anos da redemocratização do Brasil, uma parcela
significativa da população se encontra alijada de quaisquer direitos. "O
Estado só lida com essa população através das instituições policiais e
carcerárias. O fundo estrutural do problema da violência, do encarceramento, da
criminalidade é esse", afirmou. "Se você der uma olhada global na
população que está encarcerada no Brasil, ela é composta majoritariamente por
negros, jovens, pobres. Moradores de periferia. É um reflexo de um País
absurdamente desigual, estruturalmente não democrático e historicamente racista
e excludente", afirma.