“Rolezinho”, é a onda
do momento no Brasil “desenvolvido”, lá para as bandas do sul/sudeste. Não
chegou aqui entre nós, restante do país. E aqui no Maranhão, valha-nos céus, se
chegasse, o que seria, juntada com a crise prisional que apavorou as ruas?
Açailândia não tem “shopping center” ainda, nada a temer...
O que coloco é mais
essa onda contra a adolescência e a juventude, querendo impedi-la de se “manifestar”,
mesmo que seja “rolezinho”. Proibir e reprimir é intolerável, somos um Estado Democrático
e de Direito.
Já tentaram impedir adolescentes de ‘andar a noite’, e
agora essa, proibi-los de frequentar “shoppings”... Onde fica o direito de ir e
vir, o direito de se reunir (Constituição da República, artigo 5º).
Há algo de podre na
sociedade que se permite ao absurdo de medidas como estas... querem o quê,
daqui para frente, isolá-los em guetos?
A seguir, interessante crônica
de Matheus Pichonelli:
********************************************************************
Quem mexeu na minha
praça de alimentação?
(Crônica de Matheus Pichonelli, publicada na revista “Carta
Capital”,16/01/2014)
O recalque despertado pelo "rolezinho" expõe um
país dividido entre os que "conhecem" e os que "não
conhecem" o seu lugar. A estes, os pontapés
Especialistas trarão mil e uma teorias sobre
o fenômeno surgido como novidade noinício do ano (as chacinas na periferia da
maior cidade do interior paulista ou nos presídios do Nordeste não são
fenômenos novos: são déjà vu, ocorrem dia sim, dia não, e, exceto pelas imagens
da barbárie, não chocam nem comovem o grosso da opinião púbica).
O rolezinho da
periferia, por sua vez, não só choca como divide: o presídio e o beco estão
longe, mas a praça de alimentação é quase um quintal vilipendiado. Assim, o fenômeno chama a atenção menos pelo
que significa e mais pelo que provoca: de um lado, aplausos de quem vê na
mobilização um novo verniz para a luta de classes; de outro, os relinchos dos
apavorados de plantão que agora se veem invadidos e a perigo (não bastasse o
alargamento das portas nas rodoviárias e aeroportos).
Há, até aqui, muita
confusão sobre o evento. Como alertou tempos atrás o meu amigo Leandro Beguoci,
há uma periferia dentro do centro e um centro dentro da periferia; logo, o
centro que frequenta o shopping na Zona Leste não é o mesmo que circula no
shopping da Faria Lima. Da mesma forma, não está em xeque o conceito de espaço
público, mas de alargamento de espaço privado: as portas de sensor automático
dão a impressão de que o monstro encravado na cidade onde antes havia um lago
ou uma praça é aberto a todos, mas a segurança particular nos lembra que
“todos” não são “qualquer um”. Esse é o ponto que liga o presente ao passado.
Um estrangeiro que desembarcasse hoje ou há 50 anos a um shopping da capital
paulista mal perceberia que estava no Brasil, um país de maioria negra e parda
que há séculos mantém espaços cativos nos colégios e universidades de ponta,
cafés, centros culturais e as redações - sim, sem exceção. A população com cara
de população, quando entra nesses espaços, é para trabalhar ou servir.
Em um shopping center,
não se paga pelo produto. Paga-se pela experiência. Pela sensação de ter acesso
a uma ordem distinta dos atropelos das ruas ao estilo 25 de Março. A sensação
de não passar calor. De estar protegido. De não ser qualquer um. (Para
preservar a ideia, ou o fetiche, é necessário desdenhar os barracos na hora de
estacionar ou de pegar fila no caixa do shopping).
A história parece nova,
mas não é. Mudam-se os nomes e os rótulos, mas não o cinismo, como lembrou a
amiga Rosanne D'Agostino, do portal G1, em sua página no Facebook: “Esse
'rolezinho' na minha infância se chamava 'molecada maconheira na esquina da
casa da vó'. Na adolescência eram os 'skatistas coçando o saco' ou os
'surfistas metidos a usar Quilhas e Okley'. Na verdade são todos os mesmos
caras que só queriam um espaço pra curtir”. Desses tempos, o que surgiu além de
bares e igrejas? Praças, clubes, quadras, parques? Não, lembrou ela:
“Permitiram centenas de condomínios fechados, prédios comerciais e shoppings”
Mas isso era outro mundo – ou, outro muro, erguido para proteger o mundo de
seus olhares e intenções. Alguns se revoltaram. Aprenderam a se expressar.
Criaram letras para rap. Para funk. Mas até isso lhes foi tirado: em São Paulo
baile funk agora é crime e há uma ordem implícita de que a reunião de dois ou
mais adolescentes em determinados lugares dá a eles a pecha de “elementos
suspeitos”; a partir daí, tudo é permitido, e nada aliviado. Em uma cidade como
São Paulo, a depender de onde se nasce, esta é a única concessão autorizada:
nascer. A outra é morrer.
Sem espaços de lazer ou
expressão, a migração para uma área de convívio, privada mas de portas
aparentemente abertas, chega a ser natural, e essa transposição transformou um
recado velado em um grito primitivo: “este não é o seu lugar”. O recado é agora
expresso por seguranças privados, autoridades públicas, pela polícia, pelos
ofendidos em redes sociais e pelos juízes. Não poderiam ser mais claros.
Na sexta faixa do álbum
“Era uma vez um homem e seu tempo”, de 1979, Antonio Carlos Belchior colocou um
grande espelho diante de um país dividido não simplesmente entre opressores e
oprimidos, mas entre quem “conhece” e quem “não conhece” o seu lugar. Aos que
conhecem, afagos e ossos. Aos que não conhecem, os pontapés. É desse país que
ele falava em “Conheço o meu lugar”, e é este o país escancarado pelo recalque
de quem hoje cita a ordem e a baderna para ter de volta uma praça de
alimentação para chamar de sua. Ao ver as imagem dos golpes contra os jovens
(de dez? Doze? Quatorze anos?) que não entenderam o alerta e as proibições
invisíveis de um país intocado, fica impossível não se lembrar dos versos de
quem um dia berrou (e depois calou, de tristeza ou por calar) contra tudo isso:
“Ninguém é gente! Nordeste é uma ficção!
Nordeste nunca houve! Não! Eu não sou do
lugar dos esquecidos! Não sou da nação dos condenados! Não sou do sertão dos
ofendidos! Você sabe bem: Conheço o meu lugar...”
**********************************************************************