Aqui em Açailândia do Maranhão, temos também nossa “cracolândia- o velho de guerra ‘Casqueiro’”... Aliás, não
só uma cracalândia, mas várias... E uma “população na rua- homens, mulheres,
jovens...” que perambulam de domingo a domingo (Praça do Mercado- “rabo da gata”,
entroncamento, rodoviária...).
Mas não temos nenhuma política pública, integrada,
mobilizada, para prevenir-combater as drogas,a não ser as pontuais e típicas
das polícias e da justiça. Na seguridade social (assistência social e saúde)
temos o CAPS ( ... não é ‘específico’), Conselho, duas comunidades terapêuticas
confessionais, AAAs, mas infelizmente sim articulação alguma, cada um(a) por si
e Deus por todos(as)...
Debate-se, isso sim; propõe-se, também, mas “o vamos ver, o
fazer é que são elas”. Enquanto isso, o “Casqueiro” se deteriora cada vez mais, e por aí vai; as famílias se desesperam com seus filhos/suas
filhas em processo de degradação e destruição;” o tráfico domina e contamina
pro mal a juventude...”, como me dizia um pastor desanimado com o combate cada
vez mais desigual...
Uma boa leitura e reflexão, com matiz de aprendizado, nos dá
o artigo a seguir, do jornal “Brasil de Fato”, em entrevista com o Padre Julio
Lancellotti, uma das referências no assunto.
(Eduardo Hirata)
(Foto de Marcelo Cruz, da peça teatral de Chico Cruz “Valquirias:
agarrados a um fio de fumaça”, 2011)
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"Não
existe resposta única para a cracolândia"
Para padre Julio
Lancellotti, ação da prefeitura na região da Luz tem avanços, mas não olha para
as necessidades das pessoas
(Por Mariana Desidério,
jornal ‘Brasil de Fato’- SP, 24/01/2014)
(Foto de Rafael
Stedile)
A atual operação promovida pela
prefeitura na cracolândia tem sido vista como um avanço em relação à ação
deflagrada há dois anos, quando policiais usaram bombas de gás e tiros de
borracha para dispersar os dependentes de crack que circulam pela região, no
centro de São Paulo.
Porém, não é hora para muito otimismo
na opinião do padre Julio Lancellotti, coordenador da Pastoral da População de
Rua em São Paulo e defensor histórico dos direitos humanos. Segundo ele, também
há outro tipo de violência na ação que ocorre agora. “Há sofisticação, mas o
resultado que se busca é o mesmo: as ruas da cracolândia limpas”, afirma.
Aos 65 anos, além de coordenar a
pastoral, Lancellotti é responsável pela paróquia de São Miguel Arcanjo, na
região da Mooca. Nesta entrevista ao
Brasil de Fato SP, ele critica a forma como nossa sociedade trata os grupos mais
vulneráveis e defende atuações políticas mais enérgicas, inclusive não
pacíficas. “Jesus era mais para Black Bloc”, dispara. Leia a entrevista:
Como avalia a operação Braços Abertos, da
prefeitura, que está colocando os moradores de rua da cracolândia para viver em
hotéis e trabalhar na varrição?
Ainda não dá para fazer uma avaliação
completa. O fundamental é saber como será feito o acompanhamento. Mas algumas
coisas chamam a atenção: hotel não é moradia definitiva. Quanto tempo eles vão
ficar no hotel? Depois: por que todos têm que trabalhar na varrição? Eu acho
que pode ter uma diversificação.
Acha que isso acaba padronizando demais?
Acho que é uma resposta
institucional, e, portanto, planejada dentro de um modelo. Não é construída a
partir das necessidades das pessoas. A operação pode ter seu aspecto de redução
de danos e está tendo agora muita visibilidade. Mas a gente tem que ver como
isso vai se dar no cotidiano. Há uma preocupação política de querer se
diferenciar de outros. Mas também há um pragmatismo. Pensa-se que tem que ter
um resultado. Não se foi à causa das questões, está se trabalhando por enquanto
com os efeitos.
Essa medida tem sido vista como um
avanço em relação àquela tomada dois anos atrás, quando houve forte repressão
policial. O que o senhor acha?
Eu considero que os métodos de
controle se sofisticam. Uns são mais trogloditas, outros menos. Acredito que a
violência não é só a cassetada, o spray de pimenta, a bomba de gás, a polícia
andando atrás. A violência também é simbólica. É violento colocar para
trabalhar sem ter direitos trabalhistas, ou ainda não respeitar a subjetividade
humana. O que a gente vê é que há uma sofisticação. O resultado que se busca é
o mesmo: as ruas da cracolândia limpas.
Mas qual seria a forma correta de
lidar com essa questão?
O que temos que ter em mente é o
seguinte: como a cidade vai ser mais humana e vai cuidar daqueles que são mais
vulneráveis? Essa é a questão fundamental. A população de rua não é a única
vulnerabilizada da cidade. Também existem os que não têm moradia, os que têm
transtornos mentais, as pessoas com necessidades especiais, os idosos. Nossa
cidade é um lugar em que tudo é para quem é esperto, para quem tem mais força,
mais autonomia. Ela está inserida dentro de um modelo de competição, de
premiação por consumo, não é uma cidade voltada para agregar.
Os idosos não são cuidados na nossa
sociedade?
Outro dia perguntei na igreja: Quem
leva o cachorro para passear? Todos levam. E quem leva a vovó para passear?
Muito poucos. É mais fácil pegar o cocô do cachorro do que trocar a fralda do
vovô. Nós estamos vivendo uma sociedade do individualismo. Aumenta o número das
pessoas que vivem sozinhas. As pessoas querem pensar só no seu próprio
bem-estar, não o bem-estar do coletivo, o bem-estar dos mais fracos. A grande
mudança seria pensar o bem-estar dos mais fracos.
Qual o cenário dos albergues para a
população de rua em São Paulo hoje?
Em algum momento, os albergues podem
ser necessários. Qual o nosso problema? Nós tornamos os albergues a única
resposta. A mesma lógica que coloca todo mundo pra ser varredor. A população de
rua é bastante heterogênea. Não se pode ter uma mesma resposta para todos.
E as condições desses albergues? No
final de 2013 houve protesto por causa disso.
Sim, porque eles estão precarizados,
por falta de manutenção, falta capacitação das pessoas que lá trabalham, e
porque os albergues não estão seguindo a própria diretriz nacional da política
para a população de rua, que prevê que tenham um número reduzido de pessoas,
não passando de cem. E hoje nós temos albergues com 200 pessoas que só têm dois
chuveiros.
Mas querendo ou não é um abrigo para
eles, não?
Nós temos uma ideia muito assim: para
o pobre qualquer coisa está bom. Pensamos assim: “Você não tem o que comer, eu
estou te dando essa comida aqui. Você está achando ruim por quê? Estou te dando
essa calça velha, só está um pouco apertada...” Muitas vezes nós somos uma
sociedade que nivela tudo por baixo.
Quais soluções deveriam ser pensadas,
além dos albergues?
Nós temos sugerido muito a locação
social, que hoje é um programa pequeno, mas ajuda. Hoje, já há legislação no
sentido que o programa federal Minha Casa, Minha Vida tenha uma porcentagem
para população em situação de rua. Que eles possam ingressar nas políticas
habitacionais como pessoas que não têm capacidade de endividamento.
Quatro moradores de rua foram presos
na manifestação em dezembro contra as condições do albergue. Falou-se que eles
eram presos políticos. Por quê?
Porque lendo o boletim de ocorrência
e vendo tudo o que aconteceu com eles, nós percebemos que a motivação não foi
técnica. A grande questão é que há uma palavra-chave hoje: manifestação. Esse
ano será de grande repressão por causa da Copa. Todas as manifestações serão
duramente reprimidas, e essa manifestação das pessoas em situação de rua mostra
que há um peso político muito forte nesse sentido. Há uma ideia no poder
público de que é preciso coibir qualquer forma de expressão. Nos atos que nós
fizemos contra a prisão deles, a quantidade de polícia que nos acompanhou era o
triplo da de manifestantes.
Quem são as pessoas que vivem na rua
na cidade de São Paulo?
Em São Paulo há o Censo da População
em Situação de Rua. Há um perfil de maioria masculina, mas há o aumento de
mulheres e famílias na rua. Há muitas pessoas que passaram pela escola. A maior
parte é do Sudeste. Como essa população é muito heterogênea, você encontra na
rua pessoas com nível universitário, com nível médio. A maior parte é
alfabetizada, ou passou pelo mundo do trabalho e viveu com a família, não
nasceram na rua. Boa parte está na rua por causa de desavenças familiares,
pessoas com problema de transtorno mental e que a família não aguenta mais. Ou
pessoas que usam álcool e a família não sabe mais como lidar. Como não há uma
assistência, essas pessoas acabam indo para a rua.
Como a cidade trata essas pessoas?
É uma população muito estigmatizada e
muito associada à criminalidade. De fato há vários egressos do sistema
penitenciário na rua, mas nós não podemos lidar com essa intolerância tão
grande. Uma pessoa em situação de rua não entra num shopping. Eles são
impedidos do convívio social. Mas a pessoa que está na rua tem uma história.
Por isso, várias práticas vêm sendo discutidas para garantir que essas pessoas
tenham direito ao SUS, a possibilidades de educação, de cultura, de lazer.
Como o senhor avalia a atuação do
novo Papa?
O Papa Francisco é um presente, mostrando
para nós que a igreja está no meio do mundo, enlameada e suja. Ele mesmo diz:
“eu prefiro uma igreja ferida e enlameada do que doente e fechada”. É o caminho
para uma igreja sem luxo, uma igreja servidora que caminha no meio do povo, que
não tem medo de sentar na rua e partilhar a vida com o povo.
O papado dele caminha então nessa
direção mais humana?
Sem dúvida. O Papa Francisco está
buscando mostrar um caminho muito mais humano, muito mais próximo de Jesus.
Jesus não era nenhum moralista, não impunha nada, ele era aquele que queria uma
vida mais humana, que as pessoas fossem felizes. Jesus não veio impor uma
religião, ele veio salvar e libertar as pessoas de toda a opressão.
O senhor acha que religião tem a ver
com política?
Jesus foi condenado como preso
político, foi executado, condenado à pena de morte. Ele tinha mais a ver com a
vida do povo do que com qualquer outra coisa. As coisas são interligadas entre
si, não são separadas. Sabe um grupo que eu gosto muito? Os Black Bloc. Eles
são muito humanos, são jovens com vontade de lutar, acho impressionante.
O que acha do uso que eles fazem da
violência?
É uma resposta à violência que está
aí. Eles destroem os símbolos do poder. Você acha que eles dão prejuízo para os
bancos por quebrar uma agência? Os jovens se expressam de muitas maneiras. Não
adianta só combatê-los, é preciso entendê-los. O Papa Francisco disse algo
interessante nesse sentido: “Eu não gosto de uma juventude que não se
manifesta, apática, amorfa.” É preciso agitar. Jesus era mais para Black Bloc.
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