Tragédia maranhense, tragédia açailandense...
O Maranhão continua na pauta brasileira, e internacional, da
violência, do descaso governamental e da impunidade.
Nesta semana, é impressionante que Pedrinhas, depois do
horror dos primeiros dias do ano, tenha produzido ainda episódios como greve de
fome e motins.
Mas o mais grave da semana, sem dúvida, foi a morte de três
adolescentes, evadidos da FUNAC/Fundação de Assistência á Criança e ao
Adolescente, órgão do governo Roseana Sarney responsável pelo atendimento das
medidas socioeducativas privativas de liberdade (internação, semi-liberdade,
internação provisória/custódia) em
confronto com a polícia, em São Luís.
Não se trata apenas da crise, da bancarrota do sistema
prisional maranhense, trata-se também da crise e da bancarrota do sistema de
atendimento socioeducativo para adolescentes em conflito com a lei.
A situação chegou a tal ponto no
Maranhão, que embora alertado e “acionado” a tanto tempo quanto alertado e
acionado em relação ao sistema prisional, que o estado oficialmente não pode
“internar” adolescentes infratores, pois as unidades de atendimento a tal
medida socioeducativa, estão interditadas pelo judiciário timbira, além de
desautorizadas a funcionar, juntamente com unidades de semi-liberdade e de
internação provisória, pelo CEDCAMA/Conselho Estadual dos Direitos da Criança e
do Adolescente.
E a violência, o descaso, a
incompetência, a impunidade, vem de longe. Açailândia, para lavarmos a roupa suja por aqui mesmo, perdeu quatro
jovens assassinados entre 2004 e 2010, e
que cumpriam suas penas para com a “sociedade” na ilha-capital. Não bastasse,
outros oito rapazes e uma moça, cumpridas suas penas, também tiveram um
violento e sangrento final prematuro, poucos meses após seus regressos (a moça
foi assassinada no exterior).
É um “sistema”, que com a
cumplicidade dos municípios e da sociedade, que não atende, não cuida, “não
está nem aí pro azar”, nada tem de “fatalidade”, mas sim de “sistemática e
anunciada barbárie, um sistema assassino, trágico”.
O impacto e a comoção com a morte da
menina Ana Clara, a hospitalização de sua irmãzinha Lorrane e sua mãe Juliane,
e do senhor Marcio Ronny, e a “banalidade do mal” que envolveu todo o caso “Pedrinhas”, escondeu a realidade que
vive o sistema de atendimento socioeducativo maranhense.
E também esconde a realidade de
ineficiência desse “sistema” aqui em Açailândia do Maranhão, com igual descaso
e impunidade como o estadual, mas marcado sobretudo por um desprezo absoluto às
vítimas, suas famílias e comunidades, sobretudo por parte dos órgãos, serviços
e programas que têm a obrigação legal de atende-las. Isso também é Tragédia!...
A seguir, artigo de Frei Betto,
tratando da “Tragédia maranhense”.
(Eduardo Hirata)
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Tragédia maranhense
Vivi dois, dos quatro anos em que estive encarcerado
(1969-1973), como preso comum. Em São Paulo, na Penitenciária do Estado, no
Carandiru e na Penitenciária de Presidente Venceslau. Constatei, na prática,
como não é difícil recuperar presos comuns. Basta saber ocupá-los. Não com
faxina, ajudante de cozinha ou capinando, como é frequente.
(Frei Betto, no jornal
“Brasil de Fato”, SP, 15/01/2014)
Por descaso do governo
Roseana Sarney, o Brasil e o mundo assistem a uma tragédia no Maranhão. Na
Penitenciária de Pedrinhas, em São Luís, 62 presos foram assassinados nos
últimos meses, a maioria degolada. As imagens estão na internet.
O Alto Comissariado de
Direitos Humanos da ONU pediu que o governo brasileiro apure a chacina de
Pedrinhas. É bom lembrar que, em novembro de 2013, o ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo, declarou que, no Brasil, “é preferível morrer de que ficar
preso”.
Nosso país abriga,
hoje, 515 mil detentos. Muitos sem culpa formada. A maioria dos encarcerados
vive amontoada promiscuamente, sem que o sistema de segurança impeça a prática
de delitos de dentro para fora da cadeia.
Como explicar celulares
nas prisões? Em nenhum aeroporto se consegue passar no controle eletrônico
portando o aparelho. Ora, sabemos que os agentes penitenciários são mal pagos,
insuficientemente preparados para a função, o que torna muitos vulneráveis à
corrupção. Assim, os presídios se transformam em queijos suíços, cheios de
buracos pelos quais entram celulares, drogas e armas.
Há diretores e
funcionários de penitenciárias que resistem aos bloqueadores porque ficariam
sem contato externo via celular. O crime agradece ao corporativismo...
De dentro de cárceres,
presos comandam o crime, como as extorsões telefônicas, em que a vítima cai no
trote de que um parente está em mãos de bandidos. Das celas da Penitenciária de
Pedrinhas, facções criminosas ordenaram a queima de ônibus, que resultou na
morte de uma menina.
O Brasil clama por uma
reforma do sistema prisional que adote novos métodos de ressocialização dos
detentos. Insisti nesse tema, junto ao Ministério da Justiça, nos dois anos em
que assessorei o presidente Lula. Em vão.
Vivi dois, dos quatro
anos em que estive encarcerado (1969-1973), como preso comum. Em São Paulo, na
Penitenciária do Estado, no Carandiru e na Penitenciária de Presidente
Venceslau. Constatei, na prática, como não é difícil recuperar presos comuns.
Basta saber ocupá-los. Não com faxina, ajudante de cozinha ou capinando, como é
frequente.
Seis presos políticos,
misturados a 400 comuns, promovemos grupos bíblicos, grupo de teatro, oficinas
de arte e curso supletivo de madureza (hoje, segundo grau). Mais de 100
detentos foram beneficiados por aquelas iniciativas, e vários se
ressocializaram.
Cada presídio poderia ser transformado, em
parceria com a iniciativa privada, em escola de informática, culinária,
idiomas, formando também encanadores, eletricistas, mestres de obras etc.
O nó da questão é que o governo não tem real
interesse na ressocialização de presos comuns. Quem estiver interessado nas
razões dessa absurda omissão leia Michel Foucault.
(Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais,
autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira”
(Rocco), entre outros livros).
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