sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Tragédia maranhense, tragédia açailandense...








Tragédia maranhense, tragédia açailandense...


O Maranhão continua na pauta brasileira, e internacional, da violência, do descaso governamental e da impunidade.

Nesta semana, é impressionante que Pedrinhas, depois do horror dos primeiros dias do ano, tenha produzido ainda episódios como greve de fome e motins.

Mas o mais grave da semana, sem dúvida, foi a morte de três adolescentes, evadidos da FUNAC/Fundação de Assistência á Criança e ao Adolescente, órgão do governo Roseana Sarney responsável pelo atendimento das medidas socioeducativas privativas de liberdade (internação, semi-liberdade, internação provisória/custódia)  em confronto com a polícia, em São Luís.

Não se trata apenas da crise, da bancarrota do sistema prisional maranhense, trata-se também da crise e da bancarrota do sistema de atendimento socioeducativo para adolescentes em conflito com  a lei.

A situação chegou a tal ponto no Maranhão, que embora alertado e “acionado” a tanto tempo quanto alertado e acionado em relação ao sistema prisional, que o estado oficialmente não pode “internar” adolescentes infratores, pois as unidades de atendimento a tal medida socioeducativa, estão interditadas pelo judiciário timbira, além de desautorizadas a funcionar, juntamente com unidades de semi-liberdade e de internação provisória, pelo CEDCAMA/Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente.

E a violência, o descaso, a incompetência, a impunidade, vem de longe. Açailândia, para lavarmos  a roupa suja por aqui mesmo, perdeu quatro jovens assassinados  entre 2004 e 2010, e que cumpriam suas penas para com a “sociedade” na ilha-capital. Não bastasse, outros oito rapazes e uma moça, cumpridas suas penas, também tiveram um violento e sangrento final prematuro, poucos meses após seus regressos (a moça foi assassinada no exterior).

É um “sistema”, que com a cumplicidade dos municípios e da sociedade, que não atende, não cuida, “não está nem aí pro azar”, nada tem de “fatalidade”, mas sim de “sistemática e anunciada barbárie, um sistema assassino, trágico”.

O impacto e a comoção com a morte da menina Ana Clara, a hospitalização de sua irmãzinha Lorrane e sua mãe Juliane, e do senhor Marcio Ronny, e a “banalidade do mal” que envolveu todo  o caso “Pedrinhas”, escondeu a realidade que vive o sistema de atendimento socioeducativo maranhense.

E também esconde a realidade de ineficiência desse “sistema” aqui em Açailândia do Maranhão, com igual descaso e impunidade como o estadual, mas marcado sobretudo por um desprezo absoluto às vítimas, suas famílias e comunidades, sobretudo por parte dos órgãos, serviços e programas que têm a obrigação legal de atende-las. Isso também é  Tragédia!...

A seguir, artigo de Frei Betto, tratando da “Tragédia maranhense”.


(Eduardo Hirata)

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Tragédia maranhense


Vivi dois, dos quatro anos em que estive encarcerado (1969-1973), como preso comum. Em São Paulo, na Penitenciária do Estado, no Carandiru e na Penitenciária de Presidente Venceslau. Constatei, na prática, como não é difícil recuperar presos comuns. Basta saber ocupá-los. Não com faxina, ajudante de cozinha ou capinando, como é frequente.

(Frei Betto, no jornal “Brasil de Fato”, SP, 15/01/2014)

Por descaso do governo Roseana Sarney, o Brasil e o mundo assistem a uma tragédia no Maranhão. Na Penitenciária de Pedrinhas, em São Luís, 62 presos foram assassinados nos últimos meses, a maioria degolada. As imagens estão na internet.

O Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU pediu que o governo brasileiro apure a chacina de Pedrinhas. É bom lembrar que, em novembro de 2013, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, declarou que, no Brasil, “é preferível morrer de que ficar preso”.

Nosso país abriga, hoje, 515 mil detentos. Muitos sem culpa formada. A maioria dos encarcerados vive amontoada promiscuamente, sem que o sistema de segurança impeça a prática de delitos de dentro para fora da cadeia.

Como explicar celulares nas prisões? Em nenhum aeroporto se consegue passar no controle eletrônico portando o aparelho. Ora, sabemos que os agentes penitenciários são mal pagos, insuficientemente preparados para a função, o que torna muitos vulneráveis à corrupção. Assim, os presídios se transformam em queijos suíços, cheios de buracos pelos quais entram celulares, drogas e armas.

Há diretores e funcionários de penitenciárias que resistem aos bloqueadores porque ficariam sem contato externo via celular. O crime agradece ao corporativismo...

De dentro de cárceres, presos comandam o crime, como as extorsões telefônicas, em que a vítima cai no trote de que um parente está em mãos de bandidos. Das celas da Penitenciária de Pedrinhas, facções criminosas ordenaram a queima de ônibus, que resultou na morte de uma menina.

O Brasil clama por uma reforma do sistema prisional que adote novos métodos de ressocialização dos detentos. Insisti nesse tema, junto ao Ministério da Justiça, nos dois anos em que assessorei o presidente Lula. Em vão.

Vivi dois, dos quatro anos em que estive encarcerado (1969-1973), como preso comum. Em São Paulo, na Penitenciária do Estado, no Carandiru e na Penitenciária de Presidente Venceslau. Constatei, na prática, como não é difícil recuperar presos comuns. Basta saber ocupá-los. Não com faxina, ajudante de cozinha ou capinando, como é frequente.

Seis presos políticos, misturados a 400 comuns, promovemos grupos bíblicos, grupo de teatro, oficinas de arte e curso supletivo de madureza (hoje, segundo grau). Mais de 100 detentos foram beneficiados por aquelas iniciativas, e vários se ressocializaram.

 Cada presídio poderia ser transformado, em parceria com a iniciativa privada, em escola de informática, culinária, idiomas, formando também encanadores, eletricistas, mestres de obras etc.

 O nó da questão é que o governo não tem real interesse na ressocialização de presos comuns. Quem estiver interessado nas razões dessa absurda omissão leia Michel Foucault.

(Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros).

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