segunda-feira, 19 de março de 2018

Marielle Franco e a volta ao trágico-normal. Por Aldo Fornazieri








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 19 de março de 2018


A brutal execução da vereadora Marielle  Franco provocou uma onda de choque emocional que atingiu praticamente todo o Brasil. O choque despertou forças anímicas de indignação, revolta, tristeza, compaixão, solidariedade e dor nos mais diversos setores sociais. Fora algumas manifestações hipócritas é de se crer na sinceridade dessas diversas manifestações sentimentais com o ocorrido.

Com o início da nova semana, contudo, a onda de choque perde poder de propagação e as forças anímicas se enfraquecem e tudo voltará ao trágico-normal da sociedade brasileira. Claro, Marielle será uma heroína no PSol e inspirará dezenas de ativistas em torno das causas das mulheres e negras, dos jovens pobres e negros das periferias, dos direitos humanos e assim por diante. Mas o trágico-normal será mais forte com o passar dos dias e a dor silenciosa e persistente ficará apenas na alma dos familiares de Marielle e de seus amigos e amigas mais próximos.

O que é o trágico-normal? É a tragédia naturalizada no Brasil, integrada ao nosso cotidiano de violência, que entra em nossas mentes pela TV, pela Internet, pelo noticiário. A aceitamos como algo normal em nossas vidas, como algo constitutivo da paisagem social, cultural, política e mental do nosso dia-a-dia.

O trágico-normal é a morte do menino Benjamin de apenas um ano, atingido na Favela do Alemão. O trágico-normal são as mulheres grávidas baleadas e os ainda não nascidos atingidos por balas perdidas no ventre das mães.

O trágico-normal são as milhares de mulheres espancadas no silêncio do lar ou nas ruas e, muitas delas, assassinadas pelos seus companheiros ou ex-namorados. O trágico-normal são os jovens pobres e negros assassinados todos os dias, muitas vezes pela própria polícia que deveria protegê-los. São mortos simplesmente por serem jovens pobres e negros.

O trágico-normal são os mortos e torturados da ditadura, é a  execução de Chico Mendes é o assassinato de líderes indígenas, sem terra e ativistas ambientais e dos direitos humanos.

Nos últimos 5 anos foram quase duzentas assassinatos documentados de líderes e ativistas. Só nos lembramos deles nos momentos de ondas de choque emocional.

É até por isso que não devemos alimentar muito a ilusão de que Marielle se tornará uma heroína nacional estampada em estandartes, cartazes e bandeiras seguidos por milhões de negras e negros, de jovens, trabalhadores, estudantes e intelectuais a desfraldarem as suas insígnias na praça dos Três Poderes, no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal.

 Seria a suprema e merecida homenagem a essa lutadora corajosa. Mas não somos capazes de glorificá-la a este ponto. Seria também a suprema homenagem aos outros bravos lutadores que tombaram pelas balas covardes dos sempre atocaiados contra a justiça e a igualdade.

Diga-se, ainda, que o trágico-normal são os 174 assassinatos diários, os quase 62 mil assassinatos anuais, fora as outras formas de violência.

Em oito anos de guerra na Síria, com superpotências envolvidas e com uma brutalidade inominável, morreram de 511 mil pessoas – cerca de 62,8 mil por ano. No silêncio do nosso trágico-normal matamos, praticamente, tanto quanto.

Os assassinos de Marielle, tenham sido eles milicianos, policiais ou traficantes, foram apenas executores das ordens emanadas de um sistema criminoso e corrupto. Note-se que há o assassinato seletivo de líderes e ativistas em todo o Brasil: são assassinados aqueles ativistas que estão lá na ponta, aqueles que têm a coragem de enfrentar e denunciar os males e a brutalidade do sistema lá em baixo, onde nós, intelectuais, parlamentares, líderes partidários, estudantes, advogados, não chegamos.

Marielle não foi morta por ser vereadora do PSol, mas porque era vereadora do PSol que enfrentava o sistema onde ele manifesta a sua face mais criminosa: lá onde estão os pobres, onde estão as periferias. Pode-se ser radical nos parlamentos, nas universidades, mas não nas periferias. Não junto aos pobres.

Milicianos e organizações criminosas são o Estado operando na ilegalidade, são expressão desse Estado e desse sistema criminosos. Não nos iludamos quanto a isso. Milicianos e crime organizado são males que precisam ser combatidos. Mas será como enxugar gelo se forem combatidos apenas em si mesmos, sem mudar esse sistema.

Em todos os lugares, o Estado ilegal e violento só é possível enquanto operador do Estado legal quando este se tornou presa de esquemas e quadrilhas de corruptos e criminosos. Quadrilhas governamentais corruptas e criminosas são cúmplices e avalistas do Estado ilegal delinquencial e violento.

 O Estado legal é prisioneiro de grupos particularistas, que o saqueiam sistematicamente para auferir renda e riqueza, transferindo recursos dos pobres para os ricos. Foi este sistema que matou Marielle e tantos outros ativistas, escolhidos para morrer de forma seletiva.

Os líderes progressistas precisam assumir uma responsabilidade maior

A forma brutal com que Marielle foi ceifada e os emblemas de suas lutas conferiram-lhe grande reputação e poder simbólico. Para combater estas significações, desencadeou-se uma guerra pérfida na Internet, eivada de mentiras monstruosas, contra a sua reputação, contra a sua dignidade e contra a sua memória.

 Essa guerra é assimilada por pessoas das classes médias baixas e pessoas pobres. Eles têm em seus celulares vídeos, que foram produzidos às dezenas pelos centros de operação dessa guerra, para mostrar que Marielle “defendia bandidos”, simplesmente por combater a morte de jovens negros e pobres. Essas pessoas, enganadas em sua boa fé, amedrontadas com a falta de segurança e de perspectivas, simpatizam com Bolsonaro.

 Trata-se de um enorme problema para as esquerdas porque as esquerdas ficam indignadas contra essas canalhices, o que é justo, mas as esquerdas não sabem fazer esta guerra.

As esquerdas precisam acordar de seu sono entorpecedor e perceber que estamos imersos numa guerra de vastas proporções, travada em várias frentes e de forma sofisticada, envolvendo valores e interesses.

 Aqueles que avaliam que a batalha está vencida porque o governo está desmoralizado e porque Lula lidera as pesquisas e, se não puder ser candidato elegerá um ungido, enganam-se. Assim como agem para impedir e silenciar Lula, agirão para desmoralizar qualquer substituto seu. O fato é que as esquerdas não estão preparadas e nem aparelhadas para enfrentar a guerra em curso, cuja última instância é o assassinato.

Passada a onda de choque, a tendência natural das esquerdas é a de se voltarem para embate eleitoral. Uns defenderão Lula, outros o Boulos, terceiros a Manuela e quartos o Ciro Gomes. Esta é a realidade posta.

 Mas, neste momento, é preciso um freio de arrumação em tudo isso. A realidade cobra uma responsabilidade maior dos líderes. Esses candidatos deveriam sentar-se numa mesma mesa, não para buscar uma unidade que não virá, mas para definir um manifesto à nação, ao povo brasileiro, traçando uma linha divisória, um risco no chão, para dizer que não admitirão que ele seja cruzado pelas forças corruptas e criminosas que mandam no país e que têm seus braços operacionais no Estado ilegal e violento. Esse manifesto deveria ser uma diretriz de luta de todos os partidos e movimentos progressistas.

Estes lideres, de forma conjunta, precisam dizer que lutarão por uma democracia que não existe para a imensa maioria dos brasileiros. Precisam dizer que não admitem mais o desmantelamento de direitos.

Precisam dizer que os brasileiros não suportam mais a desigualdade, a injustiça e a violência contra o povo e os pobres. Precisam dizer que não aceitarão mais a violação da ordem constitucional pelo próprio Judiciário. Se fizerem isto, estarão prestando a homenagem que Marielle merece.


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 O que resta de “esquerda, de movimento social, de frente progressista” aqui em Açailândia do Maranhão, precisa dizer que a democracia não existe para a imensa maioria, que não aceita mais o desmantelamento de direitos,; que não se suporta mais a desigualdade, a injustiça, a violência contra o povo e os pobres.

 Precisa pautar que as tremendas injustiças e omissões constituem intolerável ‘arquivamento’, intolerável”  trágico-normal” (as situações da transposição do Pequiá, da não-entrega das três mil moradias do Minha Casa Minha Vida; os casos de violações de direitos de Crianças e Adolescentes nas situações do ‘provita , cpi 2003-04, menino desaparecido e assassinado Elson; os assassinatos das meninas Maria Marta, Edinete, Gerlane, os adolescentes assassinados quando ‘atendidos’ pela FUNAC em medida socioeducativas; o descaso do município com a educação, a falência da saúde pública, etc., etc., etc., ) que vitaminam a impunidade e o descrédito com a denúncia - denunciar prá quê, prá eu ser a punida? Ser assassinada como a vereadora?  – me disse uma professora na sexta-feira, 16/03).

É preciso recrudescer, é preciso ‘radicalizar’. Essa seria a homenagem açailandense a Marielle, a todos e todas que tombam defendendo Direitos Humanos.

(Eduardo Hirata)



domingo, 18 de março de 2018

Frei Betto: Direitos Humanos Questão dos direitos humanos se resume: aceito ou não que toda pessoa seja dotada de radical dignidade?

(Por O Dia, em 19/03/2016)

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Rio - A questão dos direitos humanos se resume: aceito ou não que toda pessoa seja dotada de radical dignidade? Como cristão, digo sacralidade.

Imagine um mendigo na esquina da padaria. O Estado ignora aquele homem deitado no chão. Algumas pessoas passam e deixam-lhe um dinheirinho. Sobrevive dessa esmola. O Estado não lhe estende o braço administrativo.

Porém, se um dia ele não ganhou nenhuma esmola e, à noite, sentiu muita fome e não resistiu à tentação daquela vitrine maravilhosa, com pães, tortas e doces, e atirou uma pedra no vidro, imediatamente o outro braço do Estado, o repressivo, aparece.

Ao falar de política e direitos humanos, há que perguntar: isso que os nossos políticos propõem é para aumentar o lucro de uma minoria ou defender os direitos de todos? É para favorecer um pequeno segmento de produtores e especuladores ou para que toda a nação seja contemplada?

Não sejamos ingênuos. Direitos humanos e sistema capitalista são incompatíveis, porque o próprio sistema proclama que o direito prioritário é acumulação privada da riqueza. Por isso é chamado de sistema do capital.

O maior valor do sistema, a competitividade, é contrário a este que, na família, na escola, na Igreja, ensinamos — a solidariedade. O sistema faz isso ao influir na mídia e até no material didático das escolas.

Nos livros didáticos, os revoltosos mineiros são chamados de inconfidentes. E o movimento, de Inconfidência Mineira. Inconfidente é o rótulo ofensivo que a Coroa portuguesa pôs nos revoltosos, para desmoralizá-los.

É diferente de delação premiada. Lamento que tenha esse nome, mas é justa e necessária. Alguém precisa denunciar. Ainda que seja bandido denunciando bandido. É omissão cúmplice saber de um caso de corrupção e ficar calado.

Os grandes fatores ideológicos que destilam o pior dos venenos à prática dos direitos humanos são o preconceito e a discriminação. Não se pode ter preconceito e nem discriminar ninguém. Volto a dizer: todos somos filhos da loteria biológica. 

Eu poderia ter nascido na Síria, igual a Assad; na África, como os etíopes que morrem de fome; na Guiné, contaminado pelo vírus ebola. E você também. Não dá para achar que somos superiores, melhores. 

Somos um sopro divino que dura poucos segundos nessa breve vida que temos.

Tudo tem começo, meio e fim. Todos haveremos de morrer. E ficamos alimentando preconceito, discriminação, ressentimento...
 
Todos nascemos livres e somos iguais em dignidade e direitos.

Todos temos direitos à vida, à liberdade e à segurança pessoal e social.

Todos temos direito de resguardar a casa, a família e a honra.

Todos temos direito ao trabalho digno e bem remunerado.

Todos temos direito ao descanso, ao lazer e às férias.

Todos temos à saúde e assistência médica e hospitalar.

Todos temos direito à instrução, à escola, à arte e à cultura.

Todos temos direito ao amparo social na infância e na velhice.

Todos temos direito à organização popular, sindical e política.

Todos temos direito de eleger e ser eleito às funções de governo.

Todos temos direito à informação verdadeira e correta.

Todos temos direito de ir e vir, mudar de cidade, de Estado ou país.

Todos temos direito de não sofrer nenhum tipo de discriminação.

Ninguém pode ser torturado ou linchado. Todos somos iguais perante a lei.

Ninguém pode ser arbitrariamente preso ou privado do direito de defesa.

Toda pessoa é inocente até que a justiça, baseada na lei, prove a contrário.

Todos temos liberdade de pensar, de nos manifestar, de nos reunir e de crer.

Todos temos direito ao amor e aos frutos do amor.

Todos temos o dever de respeitar e proteger os direitos da comunidade.


Todos temos o dever de lutar pela conquista e ampliação destes direitos.

sábado, 17 de março de 2018

Quando isso explodir, Ruanda vai ser pouco!





Quando isso explodir, Ruanda vai ser pouco!

Aragão: bala chama bala!

Conversa Afiada reproduz do DCM artigo do ex-Ministro da Justiça Eugênio Aragão


16/03/2018

(Foto: Favela do Acari, RJ. Onde não há Democracia e nunca houve)



Terror? Niemals. Es ist Sozialhygiene. Wir nehmen diese Individuen aus dem Umlauf, wie ein Mediziner einen Bazillus aus dem Umlauf nimmt.”
[Trad. “Terror? Jamais! Isso é higiene social. Nos retiramos esses indivíduos de circulação, como um médico retira um bacilo de circulação.”] – Benito Mussolini, apud Joseph Goebbels, citado no artigo “Der Jude”, in Der Angriff, 21.1.1929.



Segunda feira estive no Rio de Janeiro para um debate sobre a intervenção militar. Entre os debatedores estava Buba, moradora de Acari e ativista comunitária. Seu relato sobre a situação dos moradores de favelas e da periferia me deixou sem palavras. Não tinha nada a dizer diante do descalabro do drama vivido por essa enorme maioria de brasileiras e brasileiros, espremidos entre as balas da polícia-bandida e do tráfico opressor.


Buba vive perto de um beco que exala fedor de sangue coagulado, suor e fezes. Lá é frequente serem “desovados” cadáveres de moradores sumariamente executados pela criminosa repressão e pela repressão dos criminosos.

 A morte a tiros ali é rotina e, como disse Buba, não sabem os moradores diferenciar entre o que é uma ditadura e a tal “democracia” por que clama a burguesia da Zona Sul, ávida por consumir e viajar a Miami e Europa.


Em Acari não há democracia e nunca houve, seja com Lula, com Dilma ou com os golpistas de hoje.


A execução da vereadora Marielle Franco causou-nos comoção. Figura pública, lutadora contra a violência e pelos direitos LGBT, tinha muito a contribuir para o Brasil e para o Rio de Janeiro em especial. Foi assassinada covardemente por quem certamente não estava gostando de sua atuação à frente de comissão de monitoramento da intervenção militar no Rio.


Denunciou com veemência a violência letal em Acari e por isso morreu a tiros. Os moradores do bairro de certo a pranteiam, mas encaram sua morte como apenas mais um triste sinistro da rotina de execuções que experimentam cotidianamente.


O que o povo do asfalto não consegue assimilar da sua redoma de bem-estar é que Acari constitui a maior parte do Brasil. É como vive a grande massa de nossas patrícias e nossos patrícios no entorno de Brasília, na Baixada Santista, nos Alagados de Salvador; é na Zona Sul de São Paulo, em Santa Rita ao lado de João Pessoa, no Complexo do Curado em Recife… e por aí vai.


Brasileiras e brasileiros, em sua maioria, vivem com o reto na mão, não sabendo se hoje será, ele ou ela, escolhida para morrer a bala. E entre um tiroteio e outro têm que trabalhar, cuidar da família, pagar impostos e cumprir com suas obrigações cívicas. Tempo para fazer política, se instruir, para participar de debates não têm.

 Acordam cedo, se espremem suados em péssimas conduções públicas, se alimentam mal e chegam a altas horas da noite da labuta diária, para, depois, serem chamados de vagabundos por escravocratas endinheirados, meganhas, bandidos ou governantes que não lhes permitem aposentar.

 Alguns preferem, até, dormir na sarjeta, perto do local de seu trabalho, não porque não tenham teto ou sejam moradores de rua, mas porque o transporte para casa é tão caro, que subtrairia parte significativa do sustento familiar.


 Em São Paulo, são acordados com jatos de água gelada a mando do prefeito milionário que acha que pobreza ofende a estética urbana.


A violência urbana, entre nós, é fruto e instrumento do apartheid social a que nossa paleo-escravocracia cultiva. No asfalto, acostumamo-nos à indiferença pela pobreza, dividimos a sociedade entre ganhadores e perdedores sem qualquer remorso.


Os mais aquinhoados se cercam de muros e arame eletrificado, andam em carros blindados, para que os que supõem perdedores não os vejam e neles não se encostem.


A justiça de classe enche as cadeias de miseráveis, vistos como perigo em potencial para a manutenção do status quo. As penitenciárias e os presídios são verdadeiros aterros sanitários de gente, lixeiras da sociedade.


Pouco interessa se onde cabem dez venham a se espremer sessenta ou setenta baratas humanas. Os juízes e promotores que os pilam ali estão mais preocupados com seus auxílios-moradia, seus carrões e as viagens duas ou três vezes ao ano para o exterior.


É, o povo do asfalto, um amontoado de limpinhos e cheirosos cercados de lixo e excremento. E vivem felizes com esse descaso, de dedo em riste contra
qualquer político de esquerda que coloque essa realidade em cheque.


Presidentes da República, então, que fazem um mínimo de esforço para diminuir o peso nos lombos da massa, são destituídos e perseguidos, acusados de corruptos pelos operadores do direito mais decaídos da história do Brasil.


E così la nave va.

Por que tem-se a certeza de que isso não mudará nunca? Será que os de cima da carne seca estão tão certos de sua impunidade, como poderosos que são?


Afinal, quando a plebe for muito atrevida e se mexer mais do que seria “razoável” tolerar, decreta-se intervenção com uso das forças armadas, outra instituição que aceita bem seu papel da ditadura de classe. O pobre então recebe o tratamento de inimigo e seu bairro é chamado de terreno hostil. O resto é só mandar bala para acabar com os topetudos. Para isso, o comandante exige regras de engajamento robustas que nem em operação de uso de força imposta pelo Conselho de Segurança da ONU – triscou na repressão, morre!
É da natureza de forças armadas se apegarem ao direito de matar. Assim, além da polícia bandida e do tráfico opressor, a população marginalizada tem que aturar a tropa do exército apoiada por ar, a transformar sua vida num campo de batalha sem lei.


O que não pode deixar de estranhar é o fato de haver atores sedizentes de esquerda que, talvez por medo de perderem votos ao irem contra a maré midiática, apoiam a intervenção militar como uma “necessidade” para acalmar o Rio de Janeiro. Isso é conversa tão velha quanto a repressão dos desvalidos no Brasil. E nunca funcionou para controlar a violência urbana.


Vale a frase atribuída a Lafayette, “com baionetas pode-se fazer quase tudo, menos sentar-se em cima delas”. O que é preciso para “acalmar” não é mais tiro, não é mais bala. É política social urgente para devolver a humanidade às comunidades escolhidas para serem o lixo de nossa escravocracia. É preciso médico, professor, lazer, saneamento e urbanização que recupere a autoestima dos marginalizados. É imperioso abolir a escravidão na prática e em definitivo.


Pois, se assim não for, bala chama bala, violência chama violência. Os oprimidos são a maioria e se não quiserem mais continuar nessa condição, vão ter que se aprumar e reagir. O ódio que neles foi cultivado por séculos a fio sairá, então, de uma vez só, como um grito de “basta!”, com um vulcão em erupção a tragar com sua lava tudo que encontra pela frente. Que se cuidem nossos garbosos cheirosos, as instituições da ditadura de classe que os apoiam, pois Ruanda será fichinha diante do que nos espera. E não haverá Conselho de Segurança capaz de editar regras de engajamento para garantir o poder dos ricos.