sábado, 24 de março de 2018

O CORONEL E O PRÊMIO NOBEL ( e MARIELLE e a caravana do Lula)








O CORONEL E O PRÊMIO NOBEL


por Izaias Almada, especial para o Viomundo, 22/03/2018.


Quero começar o artigo transcrevendo o trecho que antecede uma carta escrita pelo coronel Robson Rodrigues da Silva, oficial da PM do Rio de Janeiro, a um seu colega de profissão também oficial da PM carioca:
 “Cada morte violenta me arranca um pedaço da alma, pois os mais de 60 mil homicídios ao ano nos distanciam, e muito, do lugar civilizatório que, julgo, mereceríamos ocupar como país tão lindo como o nosso. Calo e sofro, choro em silêncio. Não me apraz falar, não me apraz comparecer a rituais de despedida fúnebre e sentir o sofrimento das pessoas, principalmente dos familiares, em respeito a suas dores.”

“O cargo me obrigou a assistir inúmeros enterros, de inúmeras vítimas policiais de uma guerra fratricida que nos prostra enquanto seres humanos. Uma guerra inglória. Abri uma exceção por um dever de consciência; para falar de uma amiga, a vereadora Marielle, porque, se sua morte me impactou, muito mais tem impactado a forma vil e cega e infame como ela vem sendo tratada por algumas pessoas nas redes sociais. Pessoas que não conheceram Marielle.”

“Senti-me na obrigação de informar a amigos desinformados sobre quem ela era; amigos que considero e que são bombardeados por bobagens e falsas informações sobre a vereadora que não conheceram.”

A íntegra da carta, que pode ser lida abaixo, é um documento que, acima de nobre, nos dá a entender que nem tudo está perdido dentro de uma instituição como a PM do Rio do de Janeira e, quiçá, de suas irmãs em todos os estados da Federação. Vale a pena ser lida e divulgada.

Enquanto isso o ex-presidente Lula começa novo giro pelo Brasil, dessa vez pelo sul do país.

Mesmo com a cara fechada de alguns pelo caminho, tudo leva a crer que terá a mesma repercussão das caravanas que já foram feitas no ano passado, com enorme afluência de brasileiros que já entenderam a diferença entre os oito anos de seu governo e o desastre de apenas um ano do usurpador Michel Temer.

O ex-presidente Lula não é só um candidato a candidato. Carrega na sua bagagem um dos melhores governos do Brasil republicano, aquele que mais fez pelo povo trabalhador humilde. Bater nessa tecla começa a ficar cansativo.

Mas Lula carrega também junto a si o ódio e o preconceito de uma parte da elite mais boçal que o Brasil encerra dentro de grandes mansões com muros de três a quatro metros de altura espalhadas pelas principais capitais do país e de algumas fazendas defendidas por jagunços armados, essa turminha da democracia de mão única. Sem falar no caixa forte dos grandes bancos.

Prêmio Nobel da Paz em 1980 o escritor argentino Adolfo Pérez Esquivel tomou a iniciativa de indicar o ex-presidente Lula para a próxima reunião do Nobel, sugestão logo em seguida apoiada por inúmeros parlamentares de países membros do MERCOSUL, entre eles o deputado argentino Oscar Laborde que declarou: “a exclusão de Lula das eleições presidenciais brasileiras seria um fato gravíssimo não só para o Brasil, mas para toda a América Latina”.

Defender Lula nesse momento não é mais uma questão partidária e não estou aqui dizendo nenhuma novidade. É, sim, defender a democracia e a Justiça com J maiúsculo, além de ser o candidato mais confiável de todos que vêm se apresentado para disputar as próximas eleições de outubro.

Confiável no sentido de que já demonstrou que é capaz de fazer um bom governo, enquanto as alternativas no campo progressista são verdadeiras incógnitas, até pela inexperiência política de alguns.

A “aceitação” do golpe mequetrefe dado em 2016 é em meu modesto ponto de vista, um contrassenso.

Todo e qualquer golpe de estado é uma violência contra a democracia, mesmo a
democracia burguesa já bastante viciada em muitas “alternativas” para a manutenção de grupos economicamente fortes na defesa de interesses e de privilégios.

O quadro político do momento está cheio de expectativas não muito interessantes para o Brasil.

O assassinato de Marielle demonstra o que pretendo dizer, esperando eu que esse tipo de violência pare o quanto antes.

A carta do coronel Robson Rodrigues da Silva e a caravana de Lula pelo sul do Brasil são dois respiros de paz e vigência democrática sem o uso das aspas.
Que a primeira repercuta dentro das instituições policiais brasileiras e que as caravanas de Lula sigam o seu percurso em paz rumo às eleições de outubro próximo.


Que a carta do Coronel Robson Rodrigues da Silva, o manifesto de Esquivel e a caravan do Lula pelo sul sejam respiros de paz no conturbado e ensandecido Brasil de hoje...

(Eduardo Hirata)

*

quinta-feira, 22 de março de 2018

O alto risco de defender direitos humanos no Brasil





Morte da vereadora Marielle Franco chama atenção para insegurança no país, um dos mais perigosos do mundo para ativistas. Programa de proteção sofre com falta de interesse do governo.




Antes mesmo da morte da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), o Brasil já era considerado há anos um dos países mais perigosos para ativistas que defendem direitos humanos ou causas ambientais, ao lado de países como Colômbia, Filipinas e México, Honduras.

De acordo com um relatório da Anistia Internacional divulgado em fevereiro, que cita números da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ao menos 62 ativistas foram assassinados no Brasil em 2017. A maioria atuava em questões envolvendo conflitos de terras e defesa do meio ambiente. Em 2016, a ONG havia apontado que conflitos e crimes resultaram na morte de 66 ativistas.

Já a ONG Front Line Defenders contabilizou 68 assassinatos em 2017, um a cada cinco dias. O total representa 22% de todos os ativistas mortos registrados pela organização em todo o mundo no ano passado. Apenas a Colômbia, que há décadas atravessa um conflito envolvendo guerrilhas marxistas, gangues, traficantes de drogas e grupos paramilitares, registrou mais mortes. 


Quando se trata apenas de causas ligadas ao meio ambiente, a organização Global Witness aponta o Brasil de longe como o país mais perigoso do mundo para defensores ligados ao tema.

Em 2016, foram 49 ativistas mortos – número muito à frente de países como Colômbia, Índia e Guatemala. O Brasil vem liderando esse ranking há cinco anos.

Muitos dos países do ranking enfrentam problemas crônicos de violência, inclusive o Brasil, que registrou mais de 60 mil homicídios em 2016. Mas o assassinato de defensores de direitos humanos tem um componente especial.

"O defensor de direitos humanos não é alguém que atua para si mesmo. Ele representa uma comunidade. Por isso, o seu assassinato é um processo de tentativa de desmobilizar, de silenciamento. O crime tem o objetivo de desestimular que outros continuem atuando", aponta Renata Neder, coordenadora de pesquisas da Anistia Internacional.


"Estado omisso"


Ainda segundo Neder, outra característica une quase todos esses crimes: "eles poderiam na maioria ser evitados". "Os padrões se repetem no Brasil. Os crimes são precedidos de ameaças, mas o Estado é omisso, não investiga, não garante proteção ou vê o problema como menor. Então, a responsabilidade do Estado começa muito antes", disse.

O caso de Marielle, por enquanto, segue um tanto atípico em relação a outros crimes, já que membros do círculo da vereadora relataram que ela não sofreu ameaças. Ainda não está claro se a motivação do crime tinha mesmo relação com sua atuação na questão dos direitos humanos, mas o tema era um componente central da sua atuação política.

Dois dias antes do assassinato de Marielle, o líder comunitário Paulo Sérgio Almeida Nascimento, de 47 anos, foi assassinado em sua casa no município de Barcarena, no Pará. Diretor da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), Nascimento vinha recebendo ameaças. Segundo relatou seu advogado à imprensa local, o líder solicitou meses atrás proteção à Secretária de Segurança Pública do Pará, mas teve o pedido negado.

Em vez de cuidar do caso, a pasta informou que a responsabilidade em tais casos era da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos do Pará (Sejudh). O pedido acabou então sendo repassado. Só chegou à Sejudh um dia após a morte do líder comunitário.


Programa de proteção limitado


Em 2004, o governo brasileiro criou um programa de proteção para ativistas. Batizado como Programa Nacional de Proteção às Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), que atende hoje 342 pessoas que sofreram ameaças – 162 delas ligadas a causas de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e defesa de causas ambientais.

Entre as medidas que podem ser tomadas pelo programa estão o monitoramento do local de atuação do ativista, retirada provisória e até mesmo a concessão de proteção policial. O plano original era oferecer assistência federal, por meio de verbas e diretrizes, aos estados, que seriam responsáveis pela execução.


O programa foi expandido a partir de 2005, após a morte da missionária Dorothy Stang, mas, segundo o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH), a iniciativa sofre com a falta de verbas e o desinteresse do Estado brasileiro.

Em abril de 2016, um decreto assinado pela então presidente, Dilma Rousseff, excluiu a participação de membros da sociedade civil no conselho deliberativo e reduziu os critérios para conceder a proteção.


No governo Michel Temer, o tema vem recebendo pouquíssimo destaque, com o agravante que aliados do Planalto vem concentrando suas forças em denunciar causas de direitos humanos, como ocorreu durante a CPI da Funai e do Incra, que foi dominada por deputados ligados ao agronegócio e que terminou com o pedido de indiciamento de 67 pessoas, entre elas integrantes de ONGs.  

Em 2016, apenas 3,7 milhões de reais foram direcionados para o PPDDH. Em 2017, a previsão é que fossem gastos 4,6 milhões de reais.


Até hoje o alcance do programa ainda é extremamente limitado. O Rio de Janeiro, palco da morte da vereadora Marielle, por exemplo, é um dos 22 estados que não têm uma versão local, ainda dependendo da atuação direta do governo federal. Hoje, apenas Minas Gerais, Maranhão, Pernambuco e Ceará contam com convênios. Outros, como o Espirito Santo, encerraram suas versões do programa nos últimos anos.


Mesmo nos estados que contam com o instrumento, a estrutura é limitada. Em Minas Gerais, que tem 853 municípios, só quatro pessoas trabalham na equipe do programa.


Segundo o CBDDH, existe "uma falta de interesse político em implementar o PPDDH, talvez por seu caráter de questionamento das próprias estruturas em que se baseia a sociedade brasileira".

Neder, da Anistia Internacional, lembra que o programa segue sem um marco legal, tendo sido criado por decreto, o que o deixa extremamente vulnerável ao sabor do governo da ocasião. Um projeto de legislação especifica, pronto para ser votado, está parado no Congresso desde 2011. "Não há uma política de Estado nesse sentido", disse.


Neder ainda aponta que a atual versão do programa também tem erros de execução. "A maior parte das ações consiste em retirar temporariamente a pessoa ameaçada, mas muitas vezes a atuação da pessoa como defensora está ligada ao local", afirma. "Esse não deveria ser o papel do programa, mas está se tornando um mecanismo permanente. Dessa forma, há uma desmobilização. É preciso atacar as causas da ameaça e garantir a atuação do defensor."

(Deustch Welle, 21/03/2018)
----------------



(Eduardo Hirata)

·        Em qualquer lugar do Brasil... Aqui em Açailândia do Maranhão, remarcando a linha do tempo, a oito anos atrás, o advogado Antonio Filho, então secretário executivo do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascaran (CDVDH-CB), ameaçado de morte por fazendeiro em causa de trabalho escravo e assassinatos, foi incluído, com a família, em programa de proteção.
·        Eu mesmo, a doze anos atrás, em razão das conseqüências das “CPIs estadual da exploração sexual e trabalho infantil de 2003-04 e caso provita”, fui ameaçado por alguns dos acusados e alguns de seus  advogados, tive que pedir proteção (com o pedido, cessaram de modo mais direito e explicito as ameaças).
·        O pessoal do CDVDH-CB é tido por boa parte da população, instigado pela mídia e ‘cultura’ que Direitos Humanos ‘só defendem bandidos’, como ‘gente que só prejudica e complica as coisas... que não gostam das pessoas de bem...’.
·        A luta do povo do Pequiá de Baixo, pela sua ‘transposição’ e contra a poluição ambiental, bem como a da ‘Justiça nos trilhos’, contra os estragos da mineração e da siderurgia, é tida como ‘inimiga do progresso’...
·        Nas redes sociais, se constata o ódio, da parte de açailandenses, contra os DH/Direitos Humanos!
·         

quarta-feira, 21 de março de 2018

Carta aberta de apoio ao povo do Brasil MISSIONÁRIOS COMBONIANOS BRASIL•TERÇA-FEIRA, 20 DE MARÇO DE 2018






Salvador da Bahia, 19 de março de 2018

Dia de São José, Operário

“Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus.” (Mt 5,10)


Nós, leigos, irmãs, irmãos e padres missionários combonianos de 16 países, de 3 continentes diferentes, reunidos em Salvador da Bahia no âmbito do Fórum Comboniano (de 11 a 19 de março) e do Fórum Social Mundial (de 13 a 17 de março) queremos nesta carta aberta manifestar a nossa solidariedade ao povo brasileiro de maneira geral e, em particular, a todas as pessoas de boa vontade que, apesar dos tempos difíceis da atualidade, de golpe e reformas nocivas, de intervenção militar, perseguições, ameaças e assassinatos, mantêm-se firmes no empenho da defesa dos direitos das pessoas e da criação, resistindo contra todas as formas de discriminação de gênero, raça, etnia, religião e ainda de destruição do meio ambiente.

A situação política e social com a qual nos deparamos no Brasil, de modo mais relevante os recentes assassinatos de Marielle Franco, no Rio de Janeiro, e de Sérgio Paulo Almeida do Nascimento, em Barcarena, Pará, causa-nos espanto e atinge-nos como parte da mesma família humana e de toda a criação, na certeza de que tudo está interligado, e impulsiona-nos, inspirados pelo carisma do nosso fundador, São Daniel Comboni, a fortalecer o nosso empenho na defesa de uma vida digna para todas as pessoas, e sobretudo, as mais pobres e abandonadas da sociedade.

Como missionárias e missionários, interpelados pelo testemunho de Jesus Cristo, reafirmamos o nosso compromisso nas várias dimensões da justiça e da paz, unindo-nos a todas e a todos os defensores da dignidade da vida humana e da criação, e auguramos que a força do Ressuscitado nos anime e fortaleça sempre mais na construção de um mundo mais justo e fraterno, nos guie pelos caminhos do Bem-Viver, e nos inspire nas denúncias das violações que ferem estes ideais.

Continuamos unidos e unidas,

Os 53 participantes do Fórum Comboniano 2018




Aqui em Açailândia do Maranhão, é relevante a atuação dos Combonianos, na promoção e defesa dos Direitos Humanos e na busca de justiça social!

À frente da ‘Justiça nos trilhos’, destaca-se na luta do povo do Pequiá de Baixo, vítima de facínora poluição causada pelas siderúrgicas, dos assentamentos e acampamentos, sobretudo na região da ‘estrada da sunil’, na articulação e mobilização da ‘rede de cidadania’, pelos Direitos de Crianças e Adolescentes, como no caso do menino desaparecido (em dezembro de 2009) e assassinado Elson, do Assentamento Planalto I, e contra a violência sexual, como nos casos “provita e CPI 2003”, sendo que nestas três últimas situações, praticamente só, ao lado do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascaran e de setores do Judiciário e do Ministério Público Estadual.

Que o manifesto dos Combonianos prospere, e signifique a retomada, com vigor, pelos Direitos Humanos em Açailândia do Maranhão!

(Eduardo Hirata)


segunda-feira, 19 de março de 2018

Marielle Franco e a volta ao trágico-normal. Por Aldo Fornazieri








 -
 19 de março de 2018


A brutal execução da vereadora Marielle  Franco provocou uma onda de choque emocional que atingiu praticamente todo o Brasil. O choque despertou forças anímicas de indignação, revolta, tristeza, compaixão, solidariedade e dor nos mais diversos setores sociais. Fora algumas manifestações hipócritas é de se crer na sinceridade dessas diversas manifestações sentimentais com o ocorrido.

Com o início da nova semana, contudo, a onda de choque perde poder de propagação e as forças anímicas se enfraquecem e tudo voltará ao trágico-normal da sociedade brasileira. Claro, Marielle será uma heroína no PSol e inspirará dezenas de ativistas em torno das causas das mulheres e negras, dos jovens pobres e negros das periferias, dos direitos humanos e assim por diante. Mas o trágico-normal será mais forte com o passar dos dias e a dor silenciosa e persistente ficará apenas na alma dos familiares de Marielle e de seus amigos e amigas mais próximos.

O que é o trágico-normal? É a tragédia naturalizada no Brasil, integrada ao nosso cotidiano de violência, que entra em nossas mentes pela TV, pela Internet, pelo noticiário. A aceitamos como algo normal em nossas vidas, como algo constitutivo da paisagem social, cultural, política e mental do nosso dia-a-dia.

O trágico-normal é a morte do menino Benjamin de apenas um ano, atingido na Favela do Alemão. O trágico-normal são as mulheres grávidas baleadas e os ainda não nascidos atingidos por balas perdidas no ventre das mães.

O trágico-normal são as milhares de mulheres espancadas no silêncio do lar ou nas ruas e, muitas delas, assassinadas pelos seus companheiros ou ex-namorados. O trágico-normal são os jovens pobres e negros assassinados todos os dias, muitas vezes pela própria polícia que deveria protegê-los. São mortos simplesmente por serem jovens pobres e negros.

O trágico-normal são os mortos e torturados da ditadura, é a  execução de Chico Mendes é o assassinato de líderes indígenas, sem terra e ativistas ambientais e dos direitos humanos.

Nos últimos 5 anos foram quase duzentas assassinatos documentados de líderes e ativistas. Só nos lembramos deles nos momentos de ondas de choque emocional.

É até por isso que não devemos alimentar muito a ilusão de que Marielle se tornará uma heroína nacional estampada em estandartes, cartazes e bandeiras seguidos por milhões de negras e negros, de jovens, trabalhadores, estudantes e intelectuais a desfraldarem as suas insígnias na praça dos Três Poderes, no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal.

 Seria a suprema e merecida homenagem a essa lutadora corajosa. Mas não somos capazes de glorificá-la a este ponto. Seria também a suprema homenagem aos outros bravos lutadores que tombaram pelas balas covardes dos sempre atocaiados contra a justiça e a igualdade.

Diga-se, ainda, que o trágico-normal são os 174 assassinatos diários, os quase 62 mil assassinatos anuais, fora as outras formas de violência.

Em oito anos de guerra na Síria, com superpotências envolvidas e com uma brutalidade inominável, morreram de 511 mil pessoas – cerca de 62,8 mil por ano. No silêncio do nosso trágico-normal matamos, praticamente, tanto quanto.

Os assassinos de Marielle, tenham sido eles milicianos, policiais ou traficantes, foram apenas executores das ordens emanadas de um sistema criminoso e corrupto. Note-se que há o assassinato seletivo de líderes e ativistas em todo o Brasil: são assassinados aqueles ativistas que estão lá na ponta, aqueles que têm a coragem de enfrentar e denunciar os males e a brutalidade do sistema lá em baixo, onde nós, intelectuais, parlamentares, líderes partidários, estudantes, advogados, não chegamos.

Marielle não foi morta por ser vereadora do PSol, mas porque era vereadora do PSol que enfrentava o sistema onde ele manifesta a sua face mais criminosa: lá onde estão os pobres, onde estão as periferias. Pode-se ser radical nos parlamentos, nas universidades, mas não nas periferias. Não junto aos pobres.

Milicianos e organizações criminosas são o Estado operando na ilegalidade, são expressão desse Estado e desse sistema criminosos. Não nos iludamos quanto a isso. Milicianos e crime organizado são males que precisam ser combatidos. Mas será como enxugar gelo se forem combatidos apenas em si mesmos, sem mudar esse sistema.

Em todos os lugares, o Estado ilegal e violento só é possível enquanto operador do Estado legal quando este se tornou presa de esquemas e quadrilhas de corruptos e criminosos. Quadrilhas governamentais corruptas e criminosas são cúmplices e avalistas do Estado ilegal delinquencial e violento.

 O Estado legal é prisioneiro de grupos particularistas, que o saqueiam sistematicamente para auferir renda e riqueza, transferindo recursos dos pobres para os ricos. Foi este sistema que matou Marielle e tantos outros ativistas, escolhidos para morrer de forma seletiva.

Os líderes progressistas precisam assumir uma responsabilidade maior

A forma brutal com que Marielle foi ceifada e os emblemas de suas lutas conferiram-lhe grande reputação e poder simbólico. Para combater estas significações, desencadeou-se uma guerra pérfida na Internet, eivada de mentiras monstruosas, contra a sua reputação, contra a sua dignidade e contra a sua memória.

 Essa guerra é assimilada por pessoas das classes médias baixas e pessoas pobres. Eles têm em seus celulares vídeos, que foram produzidos às dezenas pelos centros de operação dessa guerra, para mostrar que Marielle “defendia bandidos”, simplesmente por combater a morte de jovens negros e pobres. Essas pessoas, enganadas em sua boa fé, amedrontadas com a falta de segurança e de perspectivas, simpatizam com Bolsonaro.

 Trata-se de um enorme problema para as esquerdas porque as esquerdas ficam indignadas contra essas canalhices, o que é justo, mas as esquerdas não sabem fazer esta guerra.

As esquerdas precisam acordar de seu sono entorpecedor e perceber que estamos imersos numa guerra de vastas proporções, travada em várias frentes e de forma sofisticada, envolvendo valores e interesses.

 Aqueles que avaliam que a batalha está vencida porque o governo está desmoralizado e porque Lula lidera as pesquisas e, se não puder ser candidato elegerá um ungido, enganam-se. Assim como agem para impedir e silenciar Lula, agirão para desmoralizar qualquer substituto seu. O fato é que as esquerdas não estão preparadas e nem aparelhadas para enfrentar a guerra em curso, cuja última instância é o assassinato.

Passada a onda de choque, a tendência natural das esquerdas é a de se voltarem para embate eleitoral. Uns defenderão Lula, outros o Boulos, terceiros a Manuela e quartos o Ciro Gomes. Esta é a realidade posta.

 Mas, neste momento, é preciso um freio de arrumação em tudo isso. A realidade cobra uma responsabilidade maior dos líderes. Esses candidatos deveriam sentar-se numa mesma mesa, não para buscar uma unidade que não virá, mas para definir um manifesto à nação, ao povo brasileiro, traçando uma linha divisória, um risco no chão, para dizer que não admitirão que ele seja cruzado pelas forças corruptas e criminosas que mandam no país e que têm seus braços operacionais no Estado ilegal e violento. Esse manifesto deveria ser uma diretriz de luta de todos os partidos e movimentos progressistas.

Estes lideres, de forma conjunta, precisam dizer que lutarão por uma democracia que não existe para a imensa maioria dos brasileiros. Precisam dizer que não admitem mais o desmantelamento de direitos.

Precisam dizer que os brasileiros não suportam mais a desigualdade, a injustiça e a violência contra o povo e os pobres. Precisam dizer que não aceitarão mais a violação da ordem constitucional pelo próprio Judiciário. Se fizerem isto, estarão prestando a homenagem que Marielle merece.


***

 O que resta de “esquerda, de movimento social, de frente progressista” aqui em Açailândia do Maranhão, precisa dizer que a democracia não existe para a imensa maioria, que não aceita mais o desmantelamento de direitos,; que não se suporta mais a desigualdade, a injustiça, a violência contra o povo e os pobres.

 Precisa pautar que as tremendas injustiças e omissões constituem intolerável ‘arquivamento’, intolerável”  trágico-normal” (as situações da transposição do Pequiá, da não-entrega das três mil moradias do Minha Casa Minha Vida; os casos de violações de direitos de Crianças e Adolescentes nas situações do ‘provita , cpi 2003-04, menino desaparecido e assassinado Elson; os assassinatos das meninas Maria Marta, Edinete, Gerlane, os adolescentes assassinados quando ‘atendidos’ pela FUNAC em medida socioeducativas; o descaso do município com a educação, a falência da saúde pública, etc., etc., etc., ) que vitaminam a impunidade e o descrédito com a denúncia - denunciar prá quê, prá eu ser a punida? Ser assassinada como a vereadora?  – me disse uma professora na sexta-feira, 16/03).

É preciso recrudescer, é preciso ‘radicalizar’. Essa seria a homenagem açailandense a Marielle, a todos e todas que tombam defendendo Direitos Humanos.

(Eduardo Hirata)



domingo, 18 de março de 2018

Frei Betto: Direitos Humanos Questão dos direitos humanos se resume: aceito ou não que toda pessoa seja dotada de radical dignidade?

(Por O Dia, em 19/03/2016)

·          




Rio - A questão dos direitos humanos se resume: aceito ou não que toda pessoa seja dotada de radical dignidade? Como cristão, digo sacralidade.

Imagine um mendigo na esquina da padaria. O Estado ignora aquele homem deitado no chão. Algumas pessoas passam e deixam-lhe um dinheirinho. Sobrevive dessa esmola. O Estado não lhe estende o braço administrativo.

Porém, se um dia ele não ganhou nenhuma esmola e, à noite, sentiu muita fome e não resistiu à tentação daquela vitrine maravilhosa, com pães, tortas e doces, e atirou uma pedra no vidro, imediatamente o outro braço do Estado, o repressivo, aparece.

Ao falar de política e direitos humanos, há que perguntar: isso que os nossos políticos propõem é para aumentar o lucro de uma minoria ou defender os direitos de todos? É para favorecer um pequeno segmento de produtores e especuladores ou para que toda a nação seja contemplada?

Não sejamos ingênuos. Direitos humanos e sistema capitalista são incompatíveis, porque o próprio sistema proclama que o direito prioritário é acumulação privada da riqueza. Por isso é chamado de sistema do capital.

O maior valor do sistema, a competitividade, é contrário a este que, na família, na escola, na Igreja, ensinamos — a solidariedade. O sistema faz isso ao influir na mídia e até no material didático das escolas.

Nos livros didáticos, os revoltosos mineiros são chamados de inconfidentes. E o movimento, de Inconfidência Mineira. Inconfidente é o rótulo ofensivo que a Coroa portuguesa pôs nos revoltosos, para desmoralizá-los.

É diferente de delação premiada. Lamento que tenha esse nome, mas é justa e necessária. Alguém precisa denunciar. Ainda que seja bandido denunciando bandido. É omissão cúmplice saber de um caso de corrupção e ficar calado.

Os grandes fatores ideológicos que destilam o pior dos venenos à prática dos direitos humanos são o preconceito e a discriminação. Não se pode ter preconceito e nem discriminar ninguém. Volto a dizer: todos somos filhos da loteria biológica. 

Eu poderia ter nascido na Síria, igual a Assad; na África, como os etíopes que morrem de fome; na Guiné, contaminado pelo vírus ebola. E você também. Não dá para achar que somos superiores, melhores. 

Somos um sopro divino que dura poucos segundos nessa breve vida que temos.

Tudo tem começo, meio e fim. Todos haveremos de morrer. E ficamos alimentando preconceito, discriminação, ressentimento...
 
Todos nascemos livres e somos iguais em dignidade e direitos.

Todos temos direitos à vida, à liberdade e à segurança pessoal e social.

Todos temos direito de resguardar a casa, a família e a honra.

Todos temos direito ao trabalho digno e bem remunerado.

Todos temos direito ao descanso, ao lazer e às férias.

Todos temos à saúde e assistência médica e hospitalar.

Todos temos direito à instrução, à escola, à arte e à cultura.

Todos temos direito ao amparo social na infância e na velhice.

Todos temos direito à organização popular, sindical e política.

Todos temos direito de eleger e ser eleito às funções de governo.

Todos temos direito à informação verdadeira e correta.

Todos temos direito de ir e vir, mudar de cidade, de Estado ou país.

Todos temos direito de não sofrer nenhum tipo de discriminação.

Ninguém pode ser torturado ou linchado. Todos somos iguais perante a lei.

Ninguém pode ser arbitrariamente preso ou privado do direito de defesa.

Toda pessoa é inocente até que a justiça, baseada na lei, prove a contrário.

Todos temos liberdade de pensar, de nos manifestar, de nos reunir e de crer.

Todos temos direito ao amor e aos frutos do amor.

Todos temos o dever de respeitar e proteger os direitos da comunidade.


Todos temos o dever de lutar pela conquista e ampliação destes direitos.