domingo, 13 de abril de 2014

E ASSIM O BRASIL VEM CUIDANDO DE ADOLESCENTES E JOVENS...






“Rolezinhos” ainda na pauta! Francamente, cercear grupos de adolescentes e jovens de frequentarem “shopping centers” é o fim da picada... Cercear quem? Já se sabe, nesta nação cristã, civilizada, democrática e republicana, os(as) suspeitos(as) para não dizer de cara os(as) culpados(as) tem cor (parda,negra), tem aparência (de pobre), origem habitacional (periferia, favela, conjunto habitacional, cortiço, assentamento...).

Ainda bem, pelo menos por alguns longos meses, que aqui em Açailândia do Maranhão não haverá esse “problema do rolezinho”, o “shopping center” anunciado com estardalhaço como símbolo maior do nosso ingresso no reduzido grupo das vinte metrópoles regionais segundo a sabichona e salvadora da pátria, revista veja,  cuja inauguração já até passou do prazo, anda a passos de cágado...

E temos roupa suja, e muita, para lavar em nosso quintal. Levante-se a estatística de jovens assassinados nos últimos anos, e entenda-se a inclusão do nosso querido município nos tenebrosos números da “Mapa da Violência”.

Aqui também temos chacina, e é comum, para não dizer tradicional, espancamentos públicos, de “justiceiros(as)”, paladinos(as) da ordem e do progresso!

Para ver como o Brasil anda tratando de seus adolescentes e jovens, vamos conferir duas notícias, a seguir, uma do Maranhão, e outra do Espírito Santo.   

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                                                      NOTA PÚBLICA

O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA, órgão formulador, deliberativo e controlador das políticas para a infância e adolescência em nível municipal, em cumprimento a sua missão de garantir e defender os direitos humanos de crianças e adolescentes, vem, por meio da presente Nota Pública, manifestar repúdio à liminar concedida pela 1º Vara da Infância e da Juventude de São Luís, no dia 04 de abril de 2014, que cerceia o direito de adolescentes à liberdade, incluindo ir e vir, e manifestado por meio de passeios em grupo de adolescentes nas dependências do Shopping Rio Anil, bem como o a qualquer forma de discriminação e repressão a liberdade de expressão.

Considerando o artigo 4º da Lei N.º 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece a prioridade absoluta:

"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Considerando a liberdade de reunião no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, promulgado pelo Decreto nº 592/92, em consonância com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas de 1945 e com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, e o art. 5º, § 2º da Constituição da República de 1988.

Considerando que os passeios em grupos de adolescentes entre 14 e 18 anos em shopping centers caracterizam a efetivação da democracia, do direito à liberdade de reunião e à livre manifestação do pensamento, que podem e devem ser conjugados harmoniosamente com outros direitos e garantias fundamentais.

Considerando que os movimentos dessa natureza visam promover reflexos da mudança social e histórica do país, a autoridade pública tem o dever de salvaguardá-la e não impedir nem limitar o seu exercício mediante condições que não as previstas expressamente pelo texto constitucional.

Considerando o artigo 13 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que prevê a liberdade de procurar, receber e divulgar informações e ideias de todo tipo, independentemente de fronteiras, de forma oral, escrita ou impressa, por meio das artes ou por qualquer outro meio escolhido pela criança, e o artigo 15 onde os Estados Partes reconhecem os direitos da criança à liberdade de associação e à liberdade de realizar reuniões pacíficas.

Considerando que barrar acesso ou impedir a permanência de adolescentes negros e periféricos configura, em tese, crime previsto na Lei nº 7.716/1989, que define os delitos resultantes de discriminação ou preconceito de raça ou de cor ou procedência nacional, sendo a conduta de “recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador” punível com pena de reclusão de 1 a 3 anos (artigo 5º). Considerando que os adolescentes que procuram um Shopping Center são consumidores por equiparação, conforme parágrafo único do art. 2º, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), na medida em que intervém nas relações de consumo, num ambiente destinado ao consumo, onde tanto Shopping, enquanto organização e lojistas são fornecedores (Art. 3º, CDC), e que recusar o acesso de um consumidor pelo simples temor de algo que poderia vir a ocorrer, sem, contudo, tomar as medidas adequadas para a garantia da segurança de todos os presentes, punindo jovens pobres pelo simples fato de serem jovens ou pobres é um flagrante caso de discriminação.

Considerando que o direto ao lazer é também um direito constitucional fundamental, previsto expressamente no art. 6º da Constituição Federal, além de também estar expressamente previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.

O CMDCA reafirma o apoio aos adolescentes, à liberdade de se expressarem, ao direito a se manifestarem e ao direito de ir e vir e manifesta repúdio a toda e qualquer forma de violência e privação.

                                                                  São Luís, 09 de abril de 2014.



Jovem negro é espancado e morto por populares no Espírito Santo


(Por Douglas Belchior, publicado na revista ‘Carta Capital’, SP, 11/04/2014)



O corpo negro ensanguentado e o olhar assustado que você vê na foto é do menino Alailton Ferreira, de 17 anos, cercado por um grupo armado com pedras, barras de ferro e pedaços de madeira. Momentos depois, ele seria alvo de um espancamento coletivo. Desacordado, foi levado ao hospital, mas não resistiu e morreu na noite de terça-feira (8).

Aos gritos de “mata logo” e de vários xingamentos, o espancamento aconteceu às margens da BR 101, na tarde do último domingo (6), no bairro de Vista da Serra II, cidade de Serra, há cerca de 30km da capital Vitória, no Espírito Santo. Só depois de duas horas de muita violência, a Polícia Militar chegou ao local, colocou o jovem na viatura e o levou até a Unidade de Pronto Atendimento. “Os policiais militares descreveram no boletim de ocorrência que foi necessário utilizar spray de pimenta para conter os populares” disse o delegado-chefe do DPJ, Ludogério Ralff.

Acusação de Estupro

O motivo do linchamento foi causado por acusações controversas. Alguns disseram que o jovem teria tentado estuprar uma mulher. Outros que ele seria suspeito de tentar roubar uma moto e abusar de uma criança de 10 anos. Tudo ocorreu no domingo (6), mas até esta quarta-feira, dia em que Alailton foi enterrado, não havia qualquer denúncia ou relato de testemunhas, segundo a Polícia Civil.

O irmão contesta as acusações e diz que o adolescente sofria de problemas mentais: “Ele chamou a menina, ela se assustou e correu para chamar a família. Os familiares e vizinhos correram atrás dele. Por isso as pessoas falaram que ele era estuprador. Se ele quisesse roubar uma moto, teria feito no próprio bairro, mas ele nem sabe pilotar”. Segundo o tio do jovem, foi um ato de covardia. “Ele estava com uns problemas de saúde e ficava assustado com frequência”.

O morador Uelder Santos, 29, em entrevista para um jornal também colocou as acusações sob suspeita: “Ninguém viu esse tal estupro ou mesmo noticias da suposta vítima”.

Em entrevista a um jornal, a mãe de Alailton,  a doméstica Diva Suterio Ferreira, 46, disse que  o filho teria sido vítima de uma injustiça: “Ele já foi preso por furto, usava droga, mas não estuprou ninguém, jamais faria isso”. Cristã, disse que se apega a Deus para socorrê-la nesse momento difícil:     “Meu filho era amado, sonhava em me dar uma casa. Dizia que queria um quarto para ele, um para mim e um para irmã.    Minha filha, de 11 anos, só chora, tem medo de sair à rua depois do que aconteceu.     Acredito na justiça divina. Peço que essas pessoas peçam perdão a Deus pelo que fizeram ao meu filho”.

Violência endêmica e elemento racial (nada) subjetivo

O escritório das Nações Unidas apresentou nesta quinta-feira (10) um levantamento sobre as taxas de homicídio em que conclui que as Américas são as regiões mais violentas do planeta. O Brasil está entre países mais violentos. Das 30 cidades mais violentas do planeta, 11 são brasileiras. Segundo a publicação, Maceió é a quinta cidade do mundo com mais homicídios por cada 100 mil habitantes. A cidade de Vitória do Espírito Santo, vizinha ao local onde Alailton foi assassinado por populares, é a 14ª da lista mundial.

Não gosto de suposições, por isso fico nas perguntas: qual seria o resultado de uma amostragem com o recorte racial das vítimas desses homicídios em toda América? Teríamos uma proporção parecida com a média brasileira, que aponta 70% de vítimas negras?

Não sei se Alailton estuprou alguém. Era mulher feita ou uma criança de 10 anos? Ambos os crimes são gravíssimos. Mesmo que tenha sido uma “apenas” uma tentativa ou ainda que o jovem tivesse problemas mentais, sem dúvida caberia alguma punição. E a Lei prevê. Mas jamais um linchamento. Jamais!

E pior: nada leva a crer que houve de fato o crime. Aliás, ao que parece (não sou investigador, nem gostaria), ele teria sim sido “vítima de uma injustiça”, como disse a mãe doméstica.

O fato de ser um menino negro teria sido um elemento potencializador do ódio coletivo e da precipitação de um julgamento instantâneo – acusação, julgamento, condenação e execução: Foi ele! Pega ele! Só pode ter sido ele!?

E se fosse um menino branco, a história teria tais requintes de crueldade e terminaria no cemitério?



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