(Por Salem H.Nasser, do
Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais, publicado na “Carta Capital”,
02/08/2014))
(Foto de Abbas Momani,
da AFP : Palestinos carregam o
corpo de Udai Nafez, de 19 anos, morto em conflito com tropas israelenses na
Cisjordânia. A violência da Faixa de Gaza vai chegando ao outro território
palestino)
A evidente decisão
israelense de alvejar preferencialmente os civis e de multiplicar de modo
terrível o número de massacres nos últimos dias tem uma explicação e uma razão
que se misturam.
Em um documentário
chamado Os Guardiões, Ami Ayalon, que dirigiu o serviço de segurança interna de
Israel de 1996 a 2000, se refere à noção de banalidade do mal para nos contar
como matar intencionalmente grandes contingentes de civis vai se tornando, para
os israelenses, algo banal, desprovido de importância, desprovido de peso
psicológico, algo a que se acostumaram gradualmente.
Em outro momento, o
mesmo Ayalon nos diz algo precioso: se vencer a guerra é poder viver em paz e
segurança, então Israel vence todas as batalhas, mas perde a guerra.
A razão e a explicação
são ao mesmo tempo a banalidade e a inevitabilidade da derrota. Os civis são
alvejados em massa porque a coisa tornou-se banal, e eles são alvejados em
massa porque Israel está perdendo a batalha, e, também porque eles são
alvejados em massa, Israel perderá a guerra no sentido pensado por Ayalon.
Mas, antes da guerra, a
batalha, esta última campanha contra Gaza. A esta altura, sabemos todos que, em
meio à violência contínua contra os palestinos, Israel escolheu o episódio dos
três colonos mortos como pretexto para um ataque massivo contra a Faixa de
Gaza.
As razões reais para a
nova campanha, no entanto, tornaram-se objeto de conjecturas para cujo
esclarecimento Israel não contribui muito. É razoável supor que os ataques
tivessem por alvo, num primeiro momento, a recém conquistada união nacional
entre Fatah e Hamas. E é razoável pensar que, como acontece a cada 2 ou 3 anos,
Israel estivesse tentando atingir as capacidades de resistência militar que
desenvolvem os grupos armados palestinos.
Esses objetivos mais
prováveis foram logo sendo envoltos numa sucessão de objetivos declarados e
depois revistos: o bombardeio para a eliminação da capacidade de lançar
foguetes, a incursão terrestre para acabar com os túneis, a continuidade da
incursão até o desarmamento total da resistência e, logo mais, até a libertação
do oficial capturado hoje.
A confusão dos
objetivos é ajudada pelas descobertas desagradáveis que fez Israel desde que
iniciou os ataques à Faixa: a surpreendente capacidade de lançamento de mais
foguetes, mais precisos, de maior alcance, que tem a resistência; o perigo
representado pelos túneis e o que estes dizem sobre o preparo dos grupos
armados; a disposição e a qualidade dos combatentes palestinos no confronto de
proximidade, uma vez iniciada a incursão terrestre; as altas perdas em número
de soldados e equipamentos no campo de batalha da Faixa; a capacidade da
resistência de levar a guerra até o território israelense.
Tudo isso mostrou que
alguns dos objetivos possivelmente concebidos por Israel são simplesmente
inatingíveis e que outros demandariam concessões importantes. Mostrou também
que a continuidade da guerra traria custos que Israel não pode suportar. É por
isso que Israel quer e os Estados Unidos tentam lhe fornecer um cessar-fogo.
Já a resistência,
consciente de suas possibilidades no campo de batalha, pensa que não pode haver
outro resultado final para esta rodada de violência que não seja o fim daquela
violência, mais longeva e igualmente dolorosa, do cerco à Faixa. Qualquer outra
resultante fará, em sua própria linguagem, com que o sangue das vítimas tenha
corrido em vão.
É por isso que, para
Israel, matar o maior número de civis apresenta-se como o melhor meio de levar
os palestinos, população e resistência, à exaustão, e fazê-los aceitar um fim
das hostilidades sem que Israel tenha que fazer concessões, é o que permitiria
aos israelenses dizer que venceram esta batalha, que machucaram os grupos
armados, reduziram suas capacidades, mataram vinte vezes mais do que morreram,
e mantiveram o cerco.
Mas, apesar dos
números, a batalha está sendo perdida por Israel. A partir de certo momento, os
números que contarão a vitória serão outros: a resistência palestina poderá
dizer que 95% dos que matou eram militares e morreram no combate direto, e Israel
terá que explicar por que 95% dos que matou eram civis, mulheres, crianças,
velhos. E as fábulas da legítima defesa, dos escudos humanos, do desejo de
morrer, do desamor à vida já não servirão a estancar a verdade da banalidade de
que falava Ayalon.
E a guerra também está
sendo perdida. Ao menos desde o ano de 2000, a capacidade militar de Israel –
sempre fenomenal – tem crescido em impotência. Naquele ano, pela primeira vez,
o exército israelense se viu forçado a sair de um território ocupado, o sul do
Líbano, por força das ações armadas de grupos de resistência. Isso aconteceu de
novo na Faixa de Gaza em 2005. Em 2006, na guerra de julho, o Hezbollah libanês
impôs os foguetes como instrumento de dissuasão e de equilíbrio – relativo – do
poder de fogo, e assustou os israelenses com a sua proficiência na guerra de
guerrilha. O resultado final foi a descoberta de que agora Israel já não
conseguia operar uma ocupação terrestre, quanto mais manter uma. Algo parecido
aconteceu em Gaza em 2008-2009 e em 2012. O que está trazendo este último
episódio que testemunhamos agora é o anúncio de que os próximos, e inevitáveis,
confrontos entre Israel e os grupos da resistência palestina e libanesa poderão
acontecer no território israelense.
A profecia de Hannah
Arendt de que Israel degeneraria em uma Esparta realizou-se há muito. Mas, o
que acontece quando Esparta vai deixando de ser Esparta e vai deixando de
assustar?
Muitos israelenses – e
muitos de seus apoiadores – nos apresentam a sua Esparta como uma necessidade
da auto-preservação: um Davi cercado por um Golias de muitas cabeças. Essa tese
mereceria maior crédito se Israel não nos provasse, dia após dia, por mais de
sete décadas, por ações – e por palavras que cada vez mais escapam entre as
cortinas de fumaça da encenação da paz – que o seu projeto é de ocupação e
domínio permanente sobre qualquer pedaço de terra que se pudesse candidatar a
ser um Estado palestino, e ao gradual esvaziamento desses espaços da população
palestina originária. Simplesmente, para não falar de mais nada, não há
explicação plausível para os assentamentos na Cisjordânia e em torno de
Jerusalém, que já abrigam perto de 700.000 colonos, que não seja essa
apropriação e essa expulsão.
O que Israel vem
ensinando, aos palestinos e a outros, é que não há processo negociador que
possa por fim a essa gradual despossessão, especialmente quando o único
mediador aceito por Israel é a superpotência que parece funcionar sob suas
ordens, que não há esperança a ter na ONU quando ali também opera a mesma
superpotência, que não há caminho senão a resistência armada, que nada fez
Israel recuar senão a resistência armada.
Israel está perdendo a
guerra não apenas porque não conseguirá, ao fim de sucessivas batalhas, viver
em segurança, mas porque, à força de querer manter a todo custo a sua dominação
colonial sobre um outro povo, corre o risco de realizar outra profecia, a de
Henry Kissinger, de que em alguns anos já não haverá Israel.
*Salem H Nasser é professor de Direito Internacional na FGV
Direito SP e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)
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Eu, Eduardo Hirata,
aposto no médio prazo, nas “profecias” de Hanna Arendt e Henry Kissinger...
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