Trabalho infantil atinge 2,7 milhões de Crianças e Adolescentes no Brasil
Último
levantamento do IBGE mostra que, se todas as crianças e adolescentes de 5 a 17
anos que exercem alguma atividade no país se reunissem, elas ocupariam uma
cidade como Brasília. 30% dessa mão de obra está na atividade agrícola
(Por Alessandra Azevedo, no “Correio
Braziliense, 12/06/2017)
Todos os dias, das 14h às 19h30, Arthur* e o irmão, Caio*,
vendem balas no semáforo, a poucos quilômetros de distância do centro da
capital federal. Não há nada de errado com o ofício, a não ser o fato de os
dois serem menores de idade. Um tem 12 anos e o outro, 14.
Se todas as crianças que
trabalham no Brasil, como eles, fossem colocadas em uma mesma cidade, seria
possível ocupar uma metrópole como Brasília apenas com mão de obra infantil. A
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), levantamento mais recente do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que trata do assunto,
mostra que há 2,7 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos nessa
situação.
Em geral, o número tem
tendência de queda, mas continua preocupante, principalmente quanto à faixa etária
de 5 a 9 anos. Antes de completar 10 anos de idade, 79 mil brasileiros já estão
trabalhando — aumento de 13% entre 2014 e 2015, na comparação mais recente do
IBGE.
A cada quatro crianças que trabalham na América Latina,
uma é brasileira. “Hoje, as Américas têm o menor número de crianças em situação
de trabalho infantil, mas o peso do Brasil nesse quadro é ainda muito grande”,
lamenta a coordenadora do Programa de Combate ao Trabalho Infantil da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), Maria Cláudia Falcão. A situação
desanima ainda mais porque, além de ser o país latino-americano que mais sofre
com casos assim, o Brasil está longe de atingir a meta de erradicá-los,
estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2006.
Perspectiva ruim
O objetivo mundial era acabar com esse tipo de trabalho até
2020, mas o país já falhou logo na primeira missão, que era abolir pelo menos
as piores formas até o fim do ano passado. A lista inclui trabalho doméstico,
agrícola e informal urbano, como de vendedor ambulante, todos proibidos para
menores de 18 anos, além de atividades criminosas, como exploração sexual e
envolvimento no tráfico de drogas.
“Se a sociedade não se conscientizar da importância do tema,
tanto para preservar a vida dessas crianças quanto para o desenvolvimento do
país, qualquer meta relativa à erradicação do trabalho infantil será
frustrada”, sentencia Márcia Vieira, coordenadora da área de defesa da
Secretaria Nacional dos Direitos da Criança do Adolescente, da Secretaria de
Direitos Humanos do governo federal.
De acordo com os dados oficiais, pouco mais de 30% das crianças
que trabalham se dedicam a atividades agrícolas, 65% são negras e 70% são
meninos. Mas um recorte que pode ser considerado ainda mais relevante é que
cerca de metade delas estão envolvidas nas piores formas de trabalho infantil,
conta a ministra Kátia Magalhães Arruda, do Tribunal Superior do Trabalho
(TST), que considera o panorama atual “ainda muito ruim”. O mais grave, na
opinião dela, é que grande parte desses jovens está em ambientes perigosos,
como em carvoarias, lixões ou na rua, “expostos a todos os tipos de abusos,
tanto físicos quanto psicológicos”, lamenta a ministra, que coordena o Programa
Nacional de Combate ao Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho.
Além de viverem uma situação ilegal e, muitas vezes, invisível,
essas crianças trabalham mais, recebem menos ou quase nada, são desrespeitadas
e encaradas como massa de manobra, alerta a procuradora Valesca Morais, do
MPT/Ministério Público do Trabalho. Diante desse cenário, os especialistas
percebem que, enquanto existir desigualdade social, haverá trabalho infantil,
mas as principais adversidades nessa luta esbarram em dois fatores comuns:
falta de informação e preconceito. “Existe muito aquela história de que é
melhor trabalhar do que ficar na rua. As pessoas acreditam que crianças pobres
devem começar cedo”, explica a procuradora.
O peso da questão cultural é evidente e o efeito, disseminado. A
justificativa de Arthur e Caio, os vendedores de balas apresentados no início
da reportagem, para trabalharem, por exemplo, é “ajudar a família”. Eles mesmos
dizem se orgulhar disso, por acreditarem que, se não estivessem trabalhando,
estariam em Águas Lindas de Goiás, onde moram, “na bandidagem”. Essa é uma
amostra clara da posição de “criminosos em potencial” em que as crianças pobres
são colocadas pela sociedade.
Esse argumento de que “é melhor trabalhar do que roubar” é, na
visão de Valesca, o que mais dificulta a sensibilização da sociedade na
proteção de crianças e adolescentes.“O trabalho infantil, longe de dignificar,
é uma sucessão de violações que resultam em um cidadão subqualificado e que
tudo aceita em nome do trabalho. A sociedade impõe o trabalho a qualquer preço
aos menos favorecidos, mas não acha que um jovem de classe média deve trabalhar
desde criança, porque não o enxerga como um potencial criminoso”, critica a
procuradora do MPT.
(Colaborou
Aline Brito, estagiária sob supervisão de Rozane Oliveira)
* Nomes fictícios
715 casos no ano
Fiscalizar e combater o trabalho infantil são tarefas
complicadas. Muitas vezes, é preciso um trabalho de inteligência prolongado
para conseguir, de fato, prender exploradores e resgatar crianças. Apenas de
janeiro a junho deste ano, o Ministério Público do Trabalho (MPT) recebeu 715
denúncias de casos de exploração infantil, pelos canais de atendimento. Ao
longo de 2016, foram 1.238. “A responsabilidade por essas crianças é da
família, da sociedade e do Estado. Elas têm direito a uma vida digna”, afirma a
procuradora Valesca de Morais.
“ A sociedade impõe o trabalho a qualquer preço aos menos
favorecidos, mas não acha que um jovem de classe média deve trabalhar desde
criança, porque não o enxerga como um potencial criminoso”
·
Bom, relembrando que hoje não é só o ‘dia dos namorados’, mas sobretudo é
o “Dia Mundial contra o Trabalho Infantil”...
(Eduardo Hirata)
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