quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

“Mercado procura obscurecer a dimensão de Jesus no Natal”






E, então, mais um “natal”... Quase nada mudou, em relação a outros anos. Ou mudou?


Com certeza, não foi o “Natal, do Menino Jesus, a festa cristã do nascimento...”, mas sim mais que nunca o natal do papai noel, do consumo, do  supérfluo, do excesso....Festa mundana, me disse um amigo evangélico. (ou como me diz uma amiga: Edu, eu me sinto mal no natal, tanto fingimento, falsidade, hipocrisia, tanto desperdício,e ainda se tem a cara de pau de falar de fraternidade, solidariedade, é esmola para vez em quando aliviar a consciência...).


Nas tvs e noticiários, os mesmos informe de sempre - natal violento, trágico, de muita bagunça. Assassinatos, brigas... E a mídia se  embriaga com isso, embriagando todo o povo, por tabela...Ah, e dia 26, a noticia mais importante é a dica de como trocar o presente que não agradou, que não serviu...


Como foi o natal de crianças e adolescentes, as mais de trinta mil em todo Brasil ( e umas duas dezenas aqui em Açailândia do Maranhão) que (sobre)vivem em “abrigos”(unidades de acolhimento institucional), que lá estão por que não respeitamos e cumprimos seu direito à convivência familiar e comunitária?


E como foi o natal das jovens, arrancadas da noite para o dia  de suas famílias, comunidades, amigos(as), a pretexto de terem suas vidas protegidas, e jamais retornaram, quase uma década depois?


E natal, segundo mais da metade dos(as) brasileiros(as), não é a festa da família, reunida para celebrar “uma nova vida”? Por que não se conseguiu assegurar este direito dessas  jovens, e suas famílias e comunidades, amigos(as)? Será que por isso, mais uma vez como nos anos anteriores, seu natal foi incompleto?


E como foi o natal das dezenas e dezenas de Crianças e  Adolescentes explorados(as) no trabalho infanto-juvenil, como a “Meninada dos Ovos de Codorna”?


E como foi o natal de adolescentes açailandenses, cumprindo medidas sócio-educativas, em meio a comoção nacional pela redução da idade penal e pelo aumento no rigor das penalidades, ao mesmo tempo que o Estado e a sociedade cumplice não estão nem para cumprirem o undécimo do que pede o ECA/Estatuto da Criança e do Adolescente, que completou vinte e três anos de vigência neste país de esquecidos(as), da omissão, do descaso e da impunidade?


Certamente, esse natal  que tanto fala em fraternidade, solidariedade, não tem nada a ver como estes temas “chatos”, desmanchas-prazeres das festanças de fim de ano. É tempo de celebrar e comemorar-, a Família, a Paz, a Esperança! O resto fica prá depois do recesso...(Não é hora prá se falar e tratar de direitos...)


Em tempo: não basta o natal já desvirtuado, e já se começa a pensar na Páscoa, dos chocolates, dos coelhinhos, dos presentes, das viagens e passeios estimulados pela indústria do turismo... A indústria, o comércio não perdem tempo, é preciso satisfazer o(a) consumidor(a), atender a demanda...


Bom, mas prá contribuir a aclarar o assunto, nada melhor que a entrevista de Frei Betto, da qual extraio alguns itens a propósito...


 (Eduardo Hirata)




“Mercado procura obscurecer a dimensão de Jesus no Natal”


(Trechos de entrevista de Frei Betto a  Guilherme Almeida, jornal Brasil de Fato, 25/12/2013)


...
*O Natal é um exemplo história religiosa que mudou de sentido? O que é o Natal?


 Um casal de Nazaré, Maria e José, vão para Belém. Lá são rejeitados e convocados pelo recenseamento do Império Romano.


 Tem várias hipóteses de por quê eles foram rejeitados. A minha é que foram rejeitados porque Maria chegou grávida e eles não estavam oficialmente casados.


 Então, eles literalmente ocuparam uma terra privada. Eu costumo brincar que, no dia seguinte, o “Diário de Belém” deve ter dado a manchete: Família de sem-terra ocupa propriedade rural.


 Jesus nasceu em um curral. Isso é muito simbólico. Na época de Jesus, quem lidava com animais, como o açougueiro, era socialmente rejeitado. Está lá na Bíblia visivelmente. Mas muita gente não tem olhos pra ver.


·      Mesmo com esse pano de fundo, por que o Natal se transformou em um feriado de troca de presentes?


A data tem um sentido religioso muito forte e é muito sedutora do ponto de vista de seu simbolismo.


 O mercado procura cada vez mais obscurecer a dimensão de Jesus de Nazaré e impor o Papai Noel, que tinha originalmente a cor verde.


 A Coca-Cola impôs a cor vermelha. Isso é histórico. Há uma 'Papainoelização' que transforma o Natal em uma festa do consumo.


·      O que você indica para retomar o sentido original?


Eu tenho dito a muitos casais que têm sensibilidade religiosa e filhos pequenos que tenham muito cuidado.


 Temos que resgatar a espiritualidade e do sentido religioso da festa.


 Se não vamos entrar no grande paradigma da pós-modernidade, que pode ser o mercado e não a solidariedade.


 A religião foi um paradigma medieval. A razão foi o paradigma moderno.


·      E agora?

O mercado quer se impor na pós-modernidade. É a mercantilização de todas as dimensões da vida.


 Isso já ocorre fortemente nas duas grandes datas cristãs, que são o Natal e a Semana Santa.

Essa última virou miniférias.  Poucos se lembram que é a celebração da morte e ressurreição de Jesus.



(Carlos Alberto Libânio Christo, mais conhecido como Frei Betto, vive no convento de ordem dominicana, em Perdizes. Autor de 53 livros, já ganhou o Prêmio Jabuti pelas obras “Batismo de Sangue” e “Típicos Tipos – perfis literários”.

Adepto da Teologia da Libertação, é um grande defensor dos direitos humanos no Brasil e uma das maiores vozes em favor dos movimentos populares. Foi assessor especial do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2004, e coordenou o programa Fome Zero. Desde de que professou na Ordem Dominicana, em 1966, acompanha as mudanças na Igreja Católica.)