Carta aberta das entidades e instituições de
Açailândia sobre a conclusão do Processo Provita
Em 2005, um esquema organizado de exploração sexual de crianças e
adolescentes foi desmascarado graças à corajosa denúncia de duas crianças,
ambas com 13 anos, que ainda hoje sofrem as consequências dessa violência sobre
elas.
Um grupo de pessoas de forte influência econômica e política na cidade
chegou a fazer delas objeto de seus prazeres ao longo de oito meses.
Passaram quase 13 anos desde aqueles fatos, e finalmente a justiça
bateu o martelo, mesmo se não com a força que se esperava.
Antônio Borges Neto (advogado), Antônio Sildemir da Silva Moreira
(vulgo Paraibano, empresário), Geraldo Henrique Menezes da Silva (vulgo Geraldo
Motoca, empresário), Ildenor Gonçalves dos Santos (agropecuarista, à época
secretario de infraestrutura de Açailândia e irmão do então prefeito de
Açailândia), Luís James Silva e Silva (vulgo Luis James Fonseca, advogado),
Pedro Rodrigues de Sousa (vulgo Pedão da Farmácia, empresário) foram condenados
a 8 anos de reclusão, em regime semi-aberto, com base no artigo 217-A do Código
Penal: "ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de
14 anos”.
Pelas condições do crime cometido de maneira premeditada e continuada,
contra crianças pobres e sem condições de resistir, quebrando os laços
familiares das vítimas, poderia ter sido aplicada uma pena de aproximadamente o
dobro do tempo, em regime inicial fechado.
A Igreja Católica de Açailândia, o Centro de Defesa da Vida e dos
Direitos Humanos “Carmen Bascarán”, as instituições do Sistema de Garantias de
Direitos da Criança e Adolescente de nossa cidade, a rede Justiça nos Trilhos e
diversas outras entidades e pessoas acompanharam com indignação o longo
processo, as audiências da CPI da Pedofilia da Assembleia Legislativa de nosso
Estado, o sofrimento das vítimas que foram retiradas com urgência da cidade
porque foram ameaçadas de morte.
As crianças foram incluídas no Programa de Proteção às Vítimas e
Testemunhas, chamado Provita, e tiveram que permanecer por muitos anos
totalmente desligadas de suas famílias, com uma nova identidade, em regiões
onde não conheciam ninguém e tiveram que recomeçar sua vida desde zero.
Nunca saberemos medir a profundidade das feridas geradas pela violência
contra essas crianças! Mas elas levantaram a voz, pedindo socorro.
É preciso que Açailândia inteira levante a cabeça, sacudindo o estigma
de cidade que explora os pequenos (entre mais de 3.200 municípios onde houve
casos de exploração sexual sobre crianças e adolescentes informados ao Disque
100, Açailândia é o 72º, pelo número de denúncias!).
Teremos a coragem, como essas duas crianças, de nos expor e empenhar?
Cabe a todos nós proteger os mais frágeis, vigiar para que ninguém faça
deles objetos de prazer ou interesse; cancelar a impunidade arrogante de quem
se sente protegido por seu poder; ter a coragem de denunciar novamente outros
casos; desmontar cotidianamente o machismo que nos leva a tratar as mulheres
como coisas; vencer a cultura patriarcal que tolera, esconde e às vezes até
incentiva a violência contra mulheres e crianças.
Lutemos pela reativação do Grupo de
Monitoramento do Plano Municipal de enfrentamento à violência sexual infantil;
voltemos a investir com qualidade e empenho no Fórum Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente; escolhamos com sabedoria Conselheiros Tutelares que
se destaquem por sua história de serviço aos pequenos; vamos exigir de nosso
Município, através do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente (COMUCAA), de vereadores presentes nos bairros e da luta das
comunidades e associações, políticas públicas de qualidade para crianças e
adolescentes!
Depois de treze anos de impunidade, viremos a página!
Em nome das duas crianças que nos deram uma lição de resistência,
dignidade e coragem cidadã...
Assinam:
Paróquia São Sebastião,
Paróquia Santa Luzia,
Paróquia São Francisco,
Paróquia São João Batista,
Centro Espiritualista Filhos do
Oriente Maior,
Centro de Defesa da Vida e dos
Direitos Humanos Carmen Bascarán,
Justiça nos Trilhos,
Associação Comunitária dos Moradores
do Piquiá,
Associação dos Moradores do Bairro do
Jacu,
ADEFIA,
SINPROESEMMA Açailândia,
Conselho Tutelar,
COMUCAA,
Fórum dos direitos da criança e
Adolescente,
Centro Frei Tito,
Associação dos Moradores do Bairro
Laranjeira,
SINTRASEMA.
AÇAILÂNDIA, 14 Fevereiro de 2018