quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes: em Coari-AM como em Açailândia do Maranhão








Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes: em Coari-AM como em Açailândia do Maranhão

O “Fantástico” da Tv-Globo, neste 2014, repercutiu com a retomada do “caso Coari”, no Amazonas. E reacendeu o debate sobre a violência sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, uma verdadeira pandemania, e que tende a um grande crescimento, com a Copa do Mundo de Futebol.

Em Açailândia do Maranhão, a realidade não é muito diferente da de Coari. Também temos um “caso”, que vem desde 2003, quando da CPI/Comissão Parlamentar de Inquérito, da Assembléia Legislativa, presidida pela então Deputada Estadual Helena Heluy.

Quase uma dezena de vítimas, então adolescentes, entre doze e dezessete anos. E outra quase dezena de acusados(as), a maioria hoje “processados”, numa ação judicial que se arrasta, no andar moroso cheirando a impunidade do judiciário maranhense. E este processados, naturalmente, como o prefeito de Coari-AM, “gente grande, graúda, da então e atual elite social, política e econômica de Açailândia.

As vítimas desse caso, e suas famílias, estão a ver navios em plena Pré-Amazõnia, sem atenção devida dos serviços e programas estatais com a obrigação de atender-lhes psicossocialmente, e sem as devidas respostas judiciais, e reparações. Pior é que em algumas (a maioria) dessas famílias, continua   o ciclo de violações de Direitos, incidindo fortemente em suas Crianças e Adolescentes, sob o “olhar impávido e omisso” do Estado/governos, e da própria Sociedade.

E mesmo antes do “caso da CPI 2003”, final dos anos noventa, outro caso de violência sexual, que atingiu em cheio três meninas de uma mesma família, e repercute ainda hoje impactando duas delas, além da matriarca, decaba trabalhadora sexual.

E outras dezenas de casos impunes, irresolvidos, antigos, recentes. E temos tudo por aqui, isto é, “o sistema”, para encarar como mais efici~encia o abuso e a exploração sexual.

Temos os órgãos, serviços e programas públicos, desde as polícias, passando por Conselho Tutelar, CRAS, CREAS, serviços de saúde, Defensoria e Ministério Público, Judiciário... Plano Municipal de Enfrentamento... Mil e uma leis, normas, regulamentações (obedecendo a máxima constitucional do artigo 227: a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da Crianças e do Adolescentes... além de garantir seu atendimento e à família).

Quando questionado sobre a “morosidade/impunidade/negligência-ineficiência-omissão de atendimento ás vítimas e famílias”, o “sistema” responde que tem gente presa, punida, sim ( o caso do professor Francisco, o caso de João Gonçalves de Elisângela, o caso do taxista...), mas isso é apenas a “ponta do iceberg”...

A seguir, artigo do jornal “Brasil de Fato”, por Márcia Acioli, em 05/02/2014, sobre o caso Coari, muita coisa e ver com os “casos Açailândia do Maranhão”. (Eduardo Hirata)

(na foto, de 2009, divulgada nacionalmente e de domínio público, uma então adolescente, explorada, prostituída, drogada – a exemplo de Christianne F...- no Entroncamento das Rodovias BR 010 Belém-Brasília e BR 222 Açailandia-Santa Luzia)

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Caso Coari: infância assassinada pela lógica do consumo de sexo de meninas

A violência sexual sempre se manifestou em todas as classes sociais, no entanto a exploração econômica da sexualidade de crianças está associada à pobreza e às desigualdades sociais e econômicas



Em janeiro de 2014 é revelado ao Brasil um sofisticado e brutal esquema de exploração e violência sexual consolidado há anos no interior do estado do Amazonas. Apesar das inúmeras denúncias, o fato permaneceu por muito tempo restrito à remota comunidade de Coari e desconhecido pelo resto do país. Convenientemente a situação ficou oculta protegendo unicamente os violadores de direitos:  os agressores.

Não é novidade a relação direta entre poder, dinheiro, violência sexual e exploração de crianças. Por mais escandalosa que seja a notícia, ela soa como “já ouvi essa história”; e de tanto ouvi-la deixa de causar espanto. Ao deixar de causar espanto o sofrimento é relativizado, naturalizado.

A violência sexual sempre se manifestou em todas as classes sociais, no entanto a exploração econômica da sexualidade de crianças está associada à pobreza e às desigualdades sociais e econômicas. Há quem lucre, há quem se beneficie com o sequestro da infância.

O caso de Coari, protagonizado pelo seu prefeito, Adail Pinheiro, mostra o quanto as relações entre dinheiro, poder, corrupção e violência sexual são muito íntimas. Interessa aos detentores do poder que a pobreza se perpetue. O que está em jogo é não só a sobrevivência das famílias, mas também o acesso ao mundo do consumo. Em situações extremas as próprias famílias entregam suas crianças para o perverso comércio do sexo. Meninas também são forçadas a levar outras crianças em troca de dinheiro e objetos de consumo como celulares modernos, roupas e passeios, mesmo que não queiram.

Ao que tudo indica para além da pedofilia (que é uma patologia) o prefeito negocia virgindades; bebês, conforme revelado em telefonema do assessor de Adail divulgado pela mídia. Meninas muito novas que são usadas e ofertadas em festas privadas como uma parte de um sofisticado Buffet. Muito dinheiro circula. O município é rico e suas comunidades pobres.

Em Coari há a suspeita de desvio de 49 milhões de reais da prefeitura. Dinheiro que teria como finalidade as políticas públicas responsáveis pelos direitos. A política de educação, por exemplo, que poderia trabalhar na mesma direção do Plano Decenal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Plano este que trata da promoção dos direitos humanos, prevenção à violência e do protagonismo de crianças e adolescentes por seus direitos.

Assim como no interior da Amazônia há no país uma infinidade de casos de violência e exploração sexual a espera de uma denúncia e intervenção pela interrupção da prática e atenção imediata a meninas e meninos que caíram nas redes do perverso comércio humano. Quanto mais remota a comunidade, mais difícil é o acesso ao que acontece por lá. Crianças são usadas, descartadas, machucadas e, sem perspectivas, a infância é assassinada pela lógica do consumo do sexo de meninas e de meninos.

O mais urgente, portanto, é tirar a violência e o comércio do sexo de crianças da invisibilidade e jamais perder a capacidade de indignação e de espanto. O reconhecimento da dor é o primeiro passo para a denúncia.

(Marcia Acioli é assessora política do Inesc e mestre em educação pela UnB)


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