sexta-feira, 9 de março de 2018

Aprovada de forma arbitrária, resolução sobre a política de drogas no Brasil contraria diretrizes da OMS



07 de março de 2018, no “ Viomundo”







O ministro Osmar Terra, presidente do Conad, recusou o pedido de vistas do Conselho Federal de Psicologia; o cerceamento fere  o próprio regimento do Conselho.

(Fotos de Osmar Terra e do CONAD: Marcelo Camargo/Agência Brasil, via Fotos Públicas.)



Nota Técnica sobre a Resolução 01/2018 do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD), de 01/03/2018, sobre a política sobre drogas no Brasil


As entidades, grupos de pesquisa e coletivos abaixo assinados, Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial – FIOCRUZ, o Projeto Transversões (ESS-UFRJ), o Coletivo Pró-Frente em Defesa do SUS e da Reforma Psiquiátrica – RJ e o Grupo de Pesquisa em Políticas de Saúde e Saúde Mental (GPPS-UFSC) cumprindo seus objetivos de monitorar, investigar e analisar a política brasileira  no campo da saúde mental e drogas, vêm a público expressar sua avaliação acerca da resolução 01/2018, aprovada no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD) no dia 01/03/2018, que visa reorientar esta política no país a partir de agora.

A proposta de mudança foi apresentada no em 01 de dezembro de 2017, sem abertura de debate.

Na reunião de 01/03, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), como membro titular do CONAD, pediu vistas no processo com o objetivo de estudar novos posicionamentos, o que foi recusado pela presidência do conselho.

Esta decisão é arbitrária e fere claramente o Regimento Interno do CONAD.

Em seu artigo Art. 13 (“sobre as incumbências de seus conselheiros”), particularmente em seu inciso IX, faculta o direito destes a “solicitar o adiamento, por uma sessão, da votação de assuntos incluídos na pauta ou submetidos extrapauta, quando solicitar vistas à matéria”.

O Art. 23, reza:

“Qualquer membro do CONAD, que não se julgar suficientemente esclarecido em matéria constante da pauta, poderá apresentar pedido de vista, por uma sessão”, direito detalhado em seus parágrafos 1º (“O pedido de vista individual somente poderá ser aceito uma vez”) e 2º (“ Se houver mais de um pedido de vista, o Presidente poderá conceder vista coletiva da matéria”).

A resolução CONAD 01/2018 na verdade implica em uma mudança significativa da política de drogas no país.

De uma abordagem diversificada de atenção psicossocial para diferentes públicos e necessidades, norteada pela estratégia de redução de danos, para uma ênfase única e exclusiva na abstinência cujo principal instrumento é a internação de usuários de drogas.

Encerra o processo de debate que de forma intensa é travado mundialmente, e no Brasil vinha ganhando grande destaque, sobre as variadas experiências internacionais de legalização e/ou descriminalização do uso pessoal de drogas hoje ilícitas.

Subliminarmente  aponta para a ênfase na terceirização de serviços  providos por entidades da sociedade civil, privilegiando o investimento estatal nas chamadas “comunidades terapêuticas”.

Estas majoritariamente mantidas tanto por empresas privadas lucrativas como por entidades filantrópicas/religiosas.

Tais instituições são objeto de sindicâncias nos últimos anos por parte de entidades de direitos humanos e de conselhos profissionais, que constataram inúmeras e frequentes violações de direitos humanos básicos de seus internados.

 Esta resolução desfaz uma política de Estado sem um debate com a sociedade — especialistas, profissionais, pesquisadores, entidades entre outros- – em um campo complexo, polêmico, com variadas experiências internacionais e amplo escopo de pesquisas retratando os resultados da política vigente no Brasil.

No mínimo, em um processo democrático, tal proposta exigiria a abertura de um amplo debate nacional  mobilizando pesquisadores, profissionais, entidades e trabalhadores do campo, e os próprios usuários e seus familiares.

Existem diversas recomendações neste sentido. Merece destaque a do Conselho Nacional de Direitos Humanos que exalou a Recomendação n.o 02/2018, de 31/01/2108, ao CONAD, para que, “antes da aprovação de qualquer iniciativa tendente a alterar as diretrizes da atual Política de Álcool e outras Drogas:

a) Promova audiências públicas, com ampla divulgação;

b) Encaminhe e realize debates junto à Comissão Interinstitucional de Saúde Mental (CISM) do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e à Subcomissão de Drogas deste Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH);

c) Promova debate públicos entre especialistas e organizações da sociedade civil que trabalham com a temática em diferentes campos e posições.”

A Resolução 01/2018 do CONAD legisla não apenas sobre uma política simples de um governo específico, mas sobre uma Política de Estado de saúde mental e drogas consolidada e constituída por meio de quatro conferências nacionais nas últimas três décadas.

As conferências nacionais, de acordo com Lei 8.080 de 19/09/1990, constituem a instância máxima de definição das diretrizes da política de saúde do país. São organizadas a partir de um processo de decisão que se inicia em conferências realizadas nos mais diversos municípios do país, depois em cada um dos estados, que depois convergem em uma etapa nacional.

Assim, o Relatório da III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em 2001, enfatiza em diversos pontos a prioridade da política de redução de danos. Como exemplo a proposta aprovada de nº 190 postula:

190: Garantir que a atenção aos usuários de álcool e outras drogas adote estratégias de redução de danos. E, também, implantar o Programa de Redução de Danos – PRD – em todos os municípios, promovendo o envolvimento da comunidade, visando prevenir e reduzir a transmissão de DST/AIDS.

No Relatório da IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial, realizada em 2010, as resoluções são claras na mesma direção, como observa-se nas propostas aprovadas abaixo:

N.º 486: De modo especial, implica também a estratégia de redução de danos como política pública de saúde; e expandir, em todo o território nacional, a rede de cuidados em saúde mental para os usuários de álcool e outras drogas, garantindo de forma irrestrita o direito à saúde e a uma melhor qualidade de vida.

Nº487:Dessaforma , assume particular relevância efetivar a política de redução de danos doSUS na rede de atenção psicossocial, nos diferentes níveis de atenção, fortalecendo aspráticas territoriais e a construção de redes sociais de redução de danos, em contraponto ao modelo predominante focado na abstinência, moralização, penalização e criminalização do usuário de álcool e outras drogas.

Assim, a atual resolução 01/2018 do CONAD desrespeita as diretrizes maiores da política de saúde mental e drogas como política de Estado, e uma eventual mudança tão radical de orientação, de acordo com a Lei 8.080 do SUS, deveria requerer a realização de nova conferência nacional.

E isso não é tudo.

A resolução 01/2018 do CONAD vai exatamente na contramão das diretrizes da Organização Mundial de Saúde.

Em seu relatório de julho de 2014, a organização faz uma clara recomendação para uma política de drogas baseada na “descriminalização do uso de drogas, de práticas de redução de danos, tais como a troca de seringas e terapias de substituição de opióides, e de banimento do tratamento compulsório para pessoas que usam drogas.”

O cerceamento do direito de vistas ao CFP na reunião do CONAD de 01/03/2018 constitui contravenção regimental no próprio Conselho.

A motivação de tal postura por parte da presidência do Conselho, como exposto acima, nos parece muito mais a de impedir um debate público mais aprofundado que deixaria claro as fragilidades normativas da nova portaria, e sua contraposição à Política de Estado sobre drogas e saúde mental já consolidada no país desde 2001 e às diretrizes da Organização Mundial de Saúde, a partir das experiências internacionais mais balizadas e reconhecidas.

Do exposto, as entidades abaixo assinadas conclamam as entidades e conselhos profissionais e de pesquisa, as entidades de direitos humanos, os diversos coletivos e movimentos sociais de defesa da reforma psiquiátrica e da política de drogas, a também se aprofundarem suas avaliações sobre a Resolução 01/2018, e a buscar as alternativas para provocar sua rediscussão e procurar reverter seus efeitos.

Além disto, apresentam às várias instâncias das Defensorias Públicas e do Ministério Público a demanda de analisar cuidadosamente as possíveis iniciativas legais cabíveis, diante das questões levantadas nesta nota técnica, e particularmente tendo em vista que a aprovação desta resolução se sustentou no não cumprimento do regimento do próprio CONAD.


·         Rio de Janeiro e Florianópolis, 07 de março de 2018

Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME)

Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial – FIOCRUZ

Projeto Transversões (Projeto Integrado de Pesquisa Desinstitucionalização, Saúde Mental e Abordagens Psicossociais – ESS-UFRJ)

Coletivo Pró-Frente em Defesa do SUS e da Reforma Psiquiátrica – RJ

Grupo de Pesquisa em Políticas de Saúde e Saúde Mental (GPPS-UFSC)



*** Pior ainda então aqui em Açailândia do Maranhão. Já se transformou em rotina a triste condição de dezenas de usuári@s pelas ruas, calçadas,  terminal rodoviário, praças da cidade, e no histórico e emblemático “casqueiro”...

·        Não se tem notícia de alguma “política pública municipal anti-drogas e  álcool”, apesar da existência do conselho/COMAD.

·        O que se constata, além da realidade de dezenas de usuári@s nas ruas, é a ineficência e insuficiência do CAPS, ou algo parecido na saúde pública, e da falta quase absoluta de assistência social. O município tem investido mais em comunidade terapêutica, ou ‘mandando pra fora”, isso quando faz alguma coisa, mas com “retorno’ mínimo, pífio...

·        Não temos uma “pesquisa ou estudo oficial”, mas pragmaticamente pode-se afirmar que “a droga ( e aqui droga é maconha, crack, cocaína;  álcool, não, é bem social...) é a maior das ‘questões sociais’, que afetam nossas famílias e sociedade.

(Eduardo Hirata)

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