domingo, 10 de abril de 2016

Crônica do Menalton: Consumo compulsivo





Consumo compulsivo

A vida entre seres humanos invasivos vem corrompendo meu juízo, que já não é lá essas coisas


(por Menalton Braff — publicado 08/04/2016, na “Carta Capital”)


Estou pensando seriamente em viajar semana que vem. Mas viajar para muito longe, provavelmente para alguma região da Amazônia, lá onde se pode ficar a cem quilômetros de qualquer outro ser humano senão da família.
Disse ontem exatamente isso ao Adamastor e ele me olhou muito espantado. Sei muito bem o sentido de seu olhar: ele acha que estou ficando louco. E ele tem razão. A vida entre seres humanos invasivos vem corrompendo meu juízo, que já não é lá essas coisas. Só por ser meu amigo ele não disse nada, mas exatamente por ser meu amigo entendi perfeitamente seu olhar.
Vivemos, sobretudo nos centros urbanos, mesmo os mais suburbanos, a falta de respeito que tem caracterizado nossa época. Qualquer um chega e vai entrando em sua casa, sem pedir licença, sem perguntar se você, o eventual ocupante daquele espaço, está a fim ou não de consumir o que ele vai impingindo, queira-se ou não. 

De tapetes feitos a mão, loção contra queda de cabelos, doce de melancia até palpites sobre a situação política brasileira na atualidade, previsões sobre os rumos da economia, de tudo que se possa imaginar tem sempre alguém querendo vender.
Mas o pior dos consumos é ainda aquele que polui sonoramente nosso ar. 

Nos fundos de minha casa existe uma “chácara”, eufemismo local para boate sem alvará de funcionamento. (A polícia, a prefeitura, todas as autoridades sabem que é um funcionamento ilegal, mas eis que o eleitorado gosta). Eles me despejam por cima todo tipo boçal de música e com tal volume que não consigo mais trabalhar. A noite toda e a qualquer dia da semana.
De casamento, aniversário, baile funk, de tudo acontece naquele espaço e a qualquer dia da semana e a qualquer hora do dia. Não muito longe uma igreja de crentes e outra católica disputam enfurecidas minha preferência. Cânticos e falas, gritos, lágrimas e ranger de dentes. Ouço tudo da salinha onde gostaria de trabalhar.
Tenho vizinhos que fazem festas, aqui se leia churrasco noturno regado a cerveja, palavrões e gargalhadas, bem debaixo de meu quarto, e não param antes daquela barra amarela no horizonte anunciando o nascimento do Sol.
A minha rua é muito curta, uma rua com dez casas, que tenta organizar-se em orquestra de latidos. São doze cães a menos de cinquenta metros de onde costumo passar meus dias. Às vezes tento abrir uma janela.
Só não digo que estou ficando neurótico porque tenho lido um pouquinho de Freud e sei que o problema fica a alguns furos acima.
Se não encontrar lugar habitável no meio do mato, só me resta construir uma casa à prova de som. Meu problema é o dinheiro curto.


Assino embaixo a “crônica do Menalton”. Aqui em Açailândia do Maranhão,tanto faz no centro, nos bairros, assentamentos, ‘periferias’, ‘tá do mesmo jeito. Mesmo jeito não, pior... Ontem, por exemplo, motoqueiros (trilha, sei lá...) mandaram ver, fizeram das ruas pistas de treino, treino não, competição mesmo...

Ali na esquina da Thayres Móveis com o Posto Silva, cruzamento das Rua Rio Grande com a Avenida Tácito de Caldas, continua a farra dos finais de tarde e noites e madrugadas, sobretudo finais de semana... A juventude mandando ver, e mandando às favas a lei seca, a lei do silêncio, o sossego da vizinhança...

O sons-volante, de publicidade, continuam estrondando à toda, muitas vezes em comboios... E o som automotivo, a turma deita e rola, estrompa...

A fiscalização? Que fiscalização? A Secretaria de Meio Ambiente fica no papo furado, do “prometer como sem falta para faltar como sem dúvida...”, assim como as demais “autoridades e serviços públicos competentes”, que  se resumem em operações parta inglês ver...

É a treva em Açailândia do Maranhão!...

Da “crônica do Menalton”. Só retiro sobre “a viagem” (não posso agora, a saúde não deixa...) e sobre “o dinheiro”, que não é curto, não, é que não tenho mesmo...

E acrescentaria que a  desgraceira maior que destas façanhas, a turma ao poupa nem isenta a criançada... E assim a sociedade açailandense “educa e cria” seus filhos e suas filhas para “o futuro”...

(Eduardo Hirata)


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